Desde o início do século XX, o Brasil viu sua população aumentar em doze vezes: o número de brasileiros passou de 17 milhões em 1900 para 204 milhões em 2016. Nesse período, o Brasil agrário se tornou urbano e, com a concentração dos movimentos migratórios para os grandes centros, as alterações paisagísticas feitas pelo homem nas cidades tornaram-se necessárias, ao mesmo tempo em que aconteciam de maneira desordenada, suplantando características naturais do espaço.
Foi esse fenômeno que inspirou a então estudante de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais, Renata Henriques – hoje mestranda em Geografia pela mesma instituição – a desenvolver um trabalho de pesquisa sobre o panorama das transformações fisiográficas da paisagem do município de Belo Horizonte, Minas Gerais.
Fisiografia é o ramo da geografia ocupada com a descrição e representação da natureza (vegetação, recursos hídricos e relevo) ou dos produtos naturais
Fotografia e Antropogeomorfologia
Antropogeomorfologia é um termo que aglutina conceitos que indicam composição territorial modificada pelo homem. A ideia de Renata em desenvolver um estudo nessa área surgiu da visualização que ela fazia dos horizontes de sua cidade: o da urbanização, na depressão belo-horizontina, e o da Serra do Curral, ao fundo – uma elevação rochosa que chega a uma altitude de 1.300 metros, cerca de 500 metros acima da altitude média da capital mineira. Interessava à pesquisadora evidenciar a “pegada humana” na paisagem de Belo Horizonte, ou seja, os rastros ou registros visuais deixados na geografia local pelas interferências do ser humano. Nessa região, a urbanização, caracterizada por construções verticais, retirou a imponência da Serra do Curral e se firmou como elemento relevante na paisagem em pouco mais de 100 anos.
Como a motivação para a pesquisa partiu de um hábito visual da pesquisadora, era preciso que o método utilizado para a verificação das observações também considerasse imagens como matéria prima: surgiu então a ideia de utilizar os registros fotográficos disponíveis. Durante a pesquisa, foi possível encontrar e comparar fotografias tiradas de um mesmo ponto na cidade, mas em períodos de tempo variados, o que facilitou a comparação entre a Belo Horizonte de diferentes épocas.
Tal proposta motivou também a pesquisadora Andreia Herkert Netto em sua dissertação de mestrado em Geografia e Geociências, defendida em 2014 na UFSM. Em O Testemunho das Imagens: A transformação da cidade de Santa Maria – RS retratada a partir do acervo dos arquivos históricos: 1885 – 2010, Andreia busca analisar as relações sócio-históricas de Santa Maria através de fotografias tiradas ao longo dos anos. Ao analisar os registros, a pesquisadora foi capaz de mostrar em que momentos e de que maneira a cidade mais se desenvolveu.
Em comparação com Belo Horizonte, Santa Maria também é limitada por uma cadeia de montanhas – a Serra Geral – numa de suas faces, e também se localiza numa depressão, a Depressão Central. Pela limitação geográfica, por exemplo, a pesquisadora da UFSM pôde perceber e concluir que o principal momento de expansão urbana em Santa Maria ocorreu com as construções das COHABs Santa Marta, Tancredo Neves (a oeste) e Fernando Ferrari (a leste).
Para Andreia, as fotografias fornecem pistas sobre o modo de vida das pessoas, as relações de trabalho, as atividades econômicas, a arquitetura, as alterações urbanas em geral. Para a geografia, essa é sua importância: de nos deixar testemunhar minimamente um tempo que já passou, de perceber como uma paisagem predominantemente natural transforma-se em uma consideravelmente urbana após intensas modificações, e a maneira como essa urbanização se desenvolve.
Reportagem: Mateus Martins de Albuquerque e William Boessio
Fotografias: APCBH Coleção José Góes, APCBH – Ascom, BH Nostalgia, Helmuth Staggemeier, Paulo Fernando Machado, Miguel Lampert, Léo Pinto Guerreiro, Base Aérea de Santa Maria, Bortolo Achut