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Blogueiras de moda

A pesquisadora Issaaf Karhawi estuda o impacto das blogueiras na comunicação



Camila Coelho, Lala Noleto, Camila Coutinho, Thássia Naves e Niina Secrets. Juntas essas 5 mulheres somam mais de 10 milhões de seguidores no Instagram. O motivo? São as maiores blogueiras de moda do Brasil na atualidade. Todas elas possuem site, canal no Youtube, Snapchat, Fanpage  no Facebook… As blogueiras estão em todas as redes sociais, sendo cobiçadas pelas marcas para que testem seus produtos ou sejam suas garotas propagandas.

 

O diferencial das blogueiras para as outras celebridades – afinal, elas também o são – é a aproximação com o público. Todas as 5 mulheres citadas acima começaram seus sites pelo mesmo motivo: ter um espaço para falar sobre moda e beleza, seja através de tutoriais, dicas, resenhas ou os famosos “looks do dia”, que nada mais são do que as roupas que elas utilizam. De um simples hobby, ser blogueira e uma digital influencer, termo utilizado para definir as pessoas que possuem influência no meio digital, tornou-se uma profissão.

 

Mas como essas jovens, que gostavam de moda e tinham um blog somente por hobby, de repente tornam-se profissionais? Essa é a pergunta que levou a jornalista Issaaf Karhawi a querer estudar blogs de moda. Cursando o doutorado no Programa de pós-graduação em Ciências da Comunicação na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP), a pesquisadora sempre gostou de ler blogs, e começou a estudar o tema em 2011, no seu mestrado. No meio das suas pesquisas, a pergunta anterior sempre voltava a sua cabeça. Além disso, todo o material acadêmico que ela encontrava se concentrava no blog como um produto final, e não no processo. Inquieta com isso, ela decidiu investir no tema na sua tese de doutorado, com final previsto para 2018.

 

Da esquerda para direita: Camila Coelho (do blog Camila Coelho), Camila Coutinho (do blog Garotas Estúpidas), Bruna Santina (do blog Niina Secrets), Thássia Naves (do Blog da Thássia) e Lalá Noleto (do blog Lalá Noleto)

 

A Revista Arco conversou com Issaaf sobre o andamento da sua pesquisa e o que a explosão das blogueiras nos diz sobre o futuro da comunicação.

Qual vai ser o percurso da tua pesquisa?

Falando em termos acadêmicos, minha pesquisa tem uma perspectiva arqueológica, baseada em autores de uma disciplina – ainda recente -chamada Arqueologia da Mídia. A ideia é mesmo de escavar até chegar na emergência desse processo. Então, com um levantamento documental, clipping, posts, vídeos e uma infinidade de material, eu vou tentar identificar as principais etapas do processo de profissionalização dos blogs de moda no Brasil.

 

Qual tua hipótese inicial?

São várias hipóteses. Como eu quero definir essas etapas de profissionalização – algo como uma linha do tempo – para cada período eu defino uma hipótese. Por exemplo, uma das hipóteses de pesquisa é que os blogs de moda ocuparam uma lacuna que a mídia tradicional deixou. Enquanto a mídia de moda ainda dialogava com uma linguagem muito distante de seus leitores e não explorava o máximo das plataformas digitais, as blogueiras de moda supriam um vazio do mercado: entregavam um conteúdo mais acessível, mais dinâmico. Mas a hipótese principal é que blogueiras são blogueiras. Blogueira é uma profissão, doa a quem doer. Isso porque por muito tempo o mercado, e até as leitoras dos blogs de moda, cobravam uma postura das blogueiras que não lhes competia. Por exemplo: entre 2010 e 2012, a mídia tradicional via as blogueiras como uma ameaça ao trabalho dos jornalistas de moda. E, por enquadrar as blogueiras no meio jornalístico, a mídia cobrava delas uma postura que cabe à profissão de jornalista: apuração, averiguação dos fatos, valor notícia, imparcialidade, fontes confiáveis etc. Mas essas competências profissionais são dos jornalistas e não das blogueiras. Às blogueiras cabe, por exemplo, identificar as demandas de seu público, traduzir a moda da passarela para a leitora do blog. E é assim mesmo. Cada profissão tem suas próprias competências, é praxe. Não há juízo de valor algum nisso. É só pensar em um médico e em um enfermeiro, em um psiquiatra e um psicólogo. Cada profissão tem as suas competências. Talvez elas compartilhem algumas práticas, mas cada uma é responsável por uma parte do processo completo que, nesse caso, é a promoção de saúde. Mas levou um tempo para o mercado perceber isso. E para os leitores também. Nossa hipótese é que blogueiras são blogueiras e têm suas próprias habilidades e competências. Elas inauguraram uma profissão com expertise própria, com seu próprio saber fazer. Hoje, blogueiros de outros segmentos – culinária, viagem, literatura, decoração etc – têm seguido esse caminho aberto pelas blogueiras de moda.

 

Como os blogs revelam quais são as demandas do mercado?

A essência das blogueiras é ser uma “pessoa comum” (mesmo que hoje haja uma discussão sobre elas serem celebridades). Então o diálogo que elas estabelecem com suas leitoras no blog é de igualdade e, até mesmo, de amizade. Não são todas que preservam esse modelo, mas o espaço do blog é um espaço de troca. Com o passar do tempo e a profissionalização, as blogueiras se especializam cada vez mais no seu nicho, no seu público. Criam cada vez mais intimidade. E, com isso, conseguem identificar aquilo que é demanda ou não. E para o mercado, para as marcas de beleza, por exemplo, isso é um facilitador. As blogueiras facilitam o diálogo com os possíveis consumidores e já definem de antemão o nicho interessado em uma marca, em um produto, em uma experiência.  

 

O que tu acha que faz com que uma blogueira se torne uma digital influencer?

Reputação e credibilidade. Para chegar ao estágio de influenciadora é preciso conquistar um público. E como se faz isso? Com muito trabalho. Primeiro, é preciso mostrar que se tem algo para dizer e que isso tem valor. No caso das blogueiras de moda, é preciso mostrar que ela entende de maquiagem, faz boas combinações de roupa, entende de tipos de pele para indicar um creme hidratante e por aí vai. Isso é uma expertise profissional. É preciso ter algo a dizer. Algo de valor para um público específico. Feito isso, é preciso construir uma relação no ambiente digital com o seu público, com suas leitoras. Responder comentários, aceitar sugestões, estar presente e não ser apenas uma emissora de informação como a TV ou o rádio são. Se você prestar atenção, mesmo as top blogueiras do Brasil, que talvez hoje tenham menos tempo para dedicar ao seu público fizeram isso nos primeiros momentos do blog. É essencial. Uma vez que você consegue construir credibilidade perante suas leitoras, elas confiam no que você escreve e no que diz. Às vezes, uma blogueira pode ter milhões de seguidores e não influenciar ninguém. Números não refletem influência. O que reflete influência é a relação blogueira-leitores. É o quanto ela consegue engajar a sua audiência. E aí entram as parcerias com as marcas e a questão de ser uma “influenciadora digital”. Aqui vale um parêntese: eu estudo blogueiras de moda e não youtubers adolescentes, por exemplo. A dinâmica deles de construir reputação e credibilidade é bem diferente da das blogueiras.    

 

Como é possível compreender as blogueiras como “novas profissionais” do campo da comunicação?

Antes elas eram apenas usuários da Internet, como todo mundo. Como qualquer um que tinha a possibilidade de abrir uma conta no Blogger ou no Blogspot. Mas elas não tinham apenas um diário virtual na Internet. Elas tinham uma intenção: escrever sobre moda, um assunto que elas amavam. E, aos poucos, muita gente veio ler sobre isso. Aqui aparece de novo a hipótese de minha pesquisa: as blogueiras ocuparam um vazio midiático. Os blogs de moda traduzem a moda da passarela. É difícil imaginar, hoje, que até os anos 2000 a única maneira de saber sobre moda era lendo revistas especializadas como a Vogue. Revistas que traziam a moda para o público geral, mas ainda com foco em um público especializado no assunto. Ou seja: só lia sobre o assunto quem tinha poder de compra (revistas são caras) e interesse muito específico no assunto. Hoje, não. Hoje todo mundo que precisa levantar todos os dias e ir para o trabalho usando roupas pode ser um público interessado em moda. As blogueiras criaram esse nicho e acentuaram o interesse em moda, uma vez que mostraram que a moda é algo para todo mundo.

 

E assim elas entraram no campo da Comunicação. Porque elas passaram a ser importantes produtoras de conteúdo. E ao construir reputação – e passarem a ser notadas pelo mercado de moda e pela mídia tradicional – elas começaram a mudar algumas dinâmicas do campo da Comunicação. E blogueiras não são jornalistas de moda são blogueiras. Elas não precisam entender de alta costura ou ter entrevistado os grandes estilistas da atualidade, elas precisam entender o seu público leitor e saber como esse estilista importante afeta a vida (ou não) de suas leitoras. Dá para perceber a diferença nos papeis profissionais? Para cada profissional da comunicação, há competências próprias. Atribuições próprias da sua profissão.

 

O que o trabalho delas tem a nos mostrar sobre o futuro da comunicação?

As blogueiras mostram quais são as novas habilidades e competências de alguém que queira ingressar no mercado de trabalho da Comunicação. O jornalismo e a publicidade têm mudado muito com o ambiente digital. Antes os jornais ditavam aquilo que era notícia e o que devia ser lido ou não e, hoje, a gente sabe que essa realidade não existe mais. Com isso, muita coisa mudou nas práticas profissionais do campo da Comunicação. As blogueiras trazem em sua rotina de trabalho muitos pontos dessa mudança e acabam ensinando também ao mercado como o ecossistema midiático funciona hoje. As blogueiras têm um quê empreendedor, são donas de seus próprios negócios (que são mídias autônomas), lidam com contabilidade, programação, produção de conteúdo. Todas essas atribuições fazem parte do campo da Comunicação hoje. Cada vez mais nós vemos jornalistas empreendendo em novos campos, criando coletivos independentes ou – no lado oposto – associando o jornalismo às marcas, aprendendo cada vez mais a dialogar com os públicos. Tudo isso é um trabalho que as blogueiras vem fazendo desde sua emergência. Não estou dizendo que as blogueiras são a salvação da lavoura, que vão solucionar o problema da crise do mercado da Comunicação, mas acredito que é possível aprender com suas práticas. Observar como se deu o processo de profissionalização de seus blogs. Olhar o que deu certo nesse percurso e o que não deu. Perceber como elas conseguiram construir impérios midiáticos sem ser “ninguém” da Comunicação. Olhar para as blogueiras como blogueiras, sem exigir delas práticas que não lhes cabem, pode nos ensinar muito.

Reportagem: Andressa Foggiato e Jocéli Lima
As fotografias presentes nessa matéria foram retiradas dos blogs: camilacoelho.com, garotasestupidas.com.br, niinasecrets.com.br, blogdathassia.com.br e lalanoleto.com.br

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