Uma pesquisa desenvolvida na Universidade Metodista de São Paulo (Umesp) identificou, em imagens publicadas por usuários do Instagram, uma valorização de elementos comuns e efêmeros do dia-a-dia. Segundo as pesquisadoras Magali do Nascimento Cunha e Mariana Soares Figueiredo, responsáveis pelo estudo, na sociedade contemporânea a imagem assume o papel de produtora de mitos, visões de mundo e estilos de vida.
A pesquisa analisou fotografias publicadas com as três das 100 hashtags mais utilizadas na rede em 2014, #love (amor), #me (eu) e #goodmorning (bom dia). Segundo as pesquisadoras, somos diariamente inundados por imagens oriundas de câmeras digitais e celulares, publicadas em mídias sociais de compartilhamento de fotos e vídeos – como Facebook, Tumblr e Instagram. A facilidade de disseminação nessas redes possibilita, para as autoras, “o pensamento de que tudo o que pode ser visto pode ser mostrado”.
Além disso, há o questionamento sobre a veracidade do que é retratado, pois apesar de ser uma representação do real, a imagem pode ser tomada como uma construção de um momento capturado e do que se deseja transmitir por meio dela. Por isso, a fotografia é considerada uma tecnologia do imaginário.
O objetivo das pesquisadoras da Umesp era, a partir da coleta de uma amostra de fotografias veiculadas na rede social Instagram, obter indicações sobre o “estado de espírito” da sociedade. Segundo dados do próprio aplicativo, em junho de 2016, esse site de redes sociais já contava com cerca de 500 milhões de usuários.
#Love – Amo tudo que tenho, tenho tudo que amo
Conforme a pesquisa, a hashtag love foi a mais utilizada em 2014. Esta seria, também, a tag que mais representa o real – as fotos trazem temas inúmeros, como pessoas, lugares, animais e momentos que os usuários, de fato, amam. São recortes das relações afetivas das pessoas, mas também servem como modo de reafirmar a presença do amor em suas vidas – e a celebração do sentimento.
#Me – sou mais do que uma foto 3×4
A segunda tag pesquisada pelas autoras é a me, que representa o espetáculo do eu. Ela mostra a busca por ser notado, como pessoa que existe e faz parte da rede social, que participa ativamente no mundo, com seus gostos e personalidades únicas. A construção feita nessa etapa da pesquisa é a do próprio usuário, visto que há, inclusive, tutoriais e técnicas para criar o auto retrato perfeito.
#GoodMorning – I Woke Up Like This
A terceira tag pesquisada foi goodmorning, que traz imagens relacionadas à primeira fotografia do dia do usuário. Essas trazem fotos de café da manhã, pessoas ainda nas suas camas, ou até mesmo um belo nascer do sol. Aqui, se vê a maior construção de imaginário: as fotografias trazem o que as pessoas idealizam para o seu dia, seguindo a lógica de que fotografia é uma memória boa – um café da manhã comum, um cabelo bagunçado e um céu nublado não seriam retratados e postados com esta tag. Ela também traz à tona o fetichismo de estar sempre conectado – compartilhando, curtindo e comentando. Desde o início da manhã, muitas vezes antes mesmo de sair da cama.
A pesquisa permite observar aspectos do cotidiano a partir de um ponto de vista coletivo. Como defendem o psicólogo Francisco Coelho dos Santos e a socióloga Cristina Petersen Cypriano, as redes sociais permitem observar uma nova experiência da individualidade, talvez ainda sem uma nítida delimitação. Apesar disso, a constituição da identidade nas redes sociais ou “o processo de apropriação de si mesmo pelo indivíduo não se faz sem a fundamental intervenção do outro no próprio âmago de sua identidade”. É um processo coletivo, portanto. Ainda que a seleção das fotografias, e a sua definição – a partir das hashtags – possa indicar que vivenciamos uma era do individualismo e do espetáculo, a análise do conjunto de fotografias mostra um panorama mais amplo, em que os indivíduos buscam fazer parte de comunidades diversas, multiculturais, multiterritoriais.
Reportagem: Amanda Boeira e Bruna Bergamo
Infográficos: Juliana Krupahtz