O professor Juan Manuel Lopéz-Muñoz, da Universidade de Cádiz, na Espanha, desenvolve pesquisas na área de Linguística Aplicada e esteve na UFSM, onde analisou, juntamente ao Laboratório Corpus, discursos intimidatórios em práticas de redes sociais. Por meio do programa Salvador de Madariaga do Ministério de Educação, Cultura e Esporte da Espanha, o professor espanhol realizou um estágio de três meses na Universidade, com as atividades encerradas no final de setembro.
Para Juan, os discursos de ódio são mais do que uma mera forma de expressão. São práticas discursivas caracterizadas pela intenção de gerar um estado de insegurança e medo em determinados grupos sociais.
Em seu trabalho, Juan aborda como as condições de produção e difusão dos discursos de ódio renovam- ou não- as velhas práticas discursivas e até que ponto geram novas formas de expressão. Para isso, analisa pistas linguísticas no que se refere ao léxico, semântica, enunciação e pragmática que possam contribuir para um melhor conhecimento dos discursos de ódio.
Um dos principais nomes presentes no XII Círculo de Estudos Linguísticos do Sul (Celsul), realizado em setembro deste ano na UFSM, o professor falou um pouco sobre sua trajetória acadêmica e compartilhou as reflexões de suas investigações mais recentes.
O programa “Salvador de Madariaga”, do Ministério de Educação, Cultura e Esporte da Espanha, possibilita que professores universitários e pesquisadores com larga trajetória e experiência profissional façam estágios no exterior em centros e laboratórios com áreas de pesquisa de interesse. O programa visa propiciar aos docentes a atualização permanente, aprendizado de novas técnicas e métodos de ensino. Além disso, serve para reforçar os laços acadêmicos já existentes entre instituições de origem e destino, promovendo uma colaboração regular e permanente.
Qual é a proposta do teu projeto sobre o estudo dos discursos intimidatórios em redes sociais?
Sou coordenador desse projeto de pesquisa que foi desenvolvido em grupo na Universidade de Cádiz. Temos como objetivo principal definir linguisticamente o discurso de ódio e como podemos reconhecer esse discurso, categorizá-lo como tal, porque observamos uma indefinição sobre isso. Atualmente, é um problema social muito grave em muitos países. Há muitos debates que se dirigem no sentido de que é preciso criar novas leis para controlar esse fenômeno, pois é um fenômeno que não conhecemos bem porque é relativamente novo. Sabemos que esse discurso sempre existiu, mas não tinha alcançado a dimensão que tem hoje por causa das redes sociais. Se fala muito em discursos de ódio, mas há uma indefinição conceitual, porque falam de insultos, injúrias, uma série de práticas linguísticas que estão conectadas, mas que não são as mesmas.
Então, é importante as pessoas compreenderem melhor esse fenômeno, saber distinguir os conceitos, definir o discurso de ódio. As plataformas analisadas são Twitter e Facebook, porque são plataformas bastante usadas no ambiente digital. Por exemplo, muitos políticos que utilizam esses meios precisam ter uma certa responsabilidade, porque eles estão obrigados por essas plataformas a reformular suas condições de utilização para se assegurar de que tenham um certo limite a esse fenômeno. Esse limite é delicado no sentido de que pode afetar a liberdade de expressão e, por isso, é um fenômeno difícil de controlar. Além disso, pensar qual a responsabilidade dos meios tradicionais como a imprensa, a televisão e o rádio, quando difundem nessas plataformas uma mensagem produzida nas redes sociais que permanecem num âmbito privado e passa ao público através desses meios. Enfim, é um projeto bem amplo e ambicioso. Minha visita aqui é muito exploratória.
Quais as atividades que você está realizando juntamente com o Laboratório Corpus?
Durante esses três meses de pesquisas aqui na UFSM, tive a oportunidade de estar com os estudantes de graduação e pós-graduação em aulas. Dentro dessas atividades, desenvolvi oficinas, minicursos, palestras dentre várias atividades de docência que foram centradas, sobretudo, na minha experiência no que se refere ao dialogismo e à polifonia.
Uma dessas atividades foi trabalhar com os alunos os discursos de ódio a partir de análise de textos identificando como algumas pessoas são infelizes ou eficientes ao pronunciarem seus discursos, as distintas formas possíveis de significado em que vamos avaliando, discutindo sobre isso.
Além disso, estamos preparando um congresso, que contará com a participação de alguns colegas da UFSM, que será realizado em novembro, em Cádiz, sobre discursos de ódio. Além disso, um segundo trabalho de colaboração é uma publicação na revista do Laboratório Corpus, a Revista Fragmentum, em 2017, que vai abordar os discursos de ódio.
Como você vê a relação entre tecnologia e discurso? Estamos vivendo um movimento de monofia mediada pela teconologia? Como fica a polifonia nesse contexto?
A linguagem não serve somente para descrever o mundo, tampouco somente para manifestar nossos pontos de vista, mas para fazer agir na prática e, sobretudo, para que os demais ajam por meio de mecanismos de persuasão. A linguagem tem efeitos no mundo real, falar nos faz atuar.
Não podemos explicar o fenômeno das redes sociais somente como uma consequência direta do desenvolvimento das tecnologias. O que acontece é que as tecnologias também evoluem e vão se adaptando às novas práticas sociais e linguísticas das pessoas. Por um lado, está a tecnologia que te permite essa nova forma de falar e de comunicar com os outros, mas, também precisamos considerar que a própria tecnologia está se renovando continuamente para se adaptar a essas práticas, para satisfazer as necessidades dos usuários e também para responder a fatores socioculturais que vão além das próprias tecnologias.
Hoje, talvez, domina um certo monologismo nas redes sociais no sentido que falamos somente com aquela pessoa que pensa e fala como nós, com aqueles com quem compartilhamos uma mesma visão do mundo. Há uma dificuldade de dialogar apesar dessa mundialização, afinal, há muita dificuldade para dialogar, mas podemos justificá-lo com as tecnologias ou que as tecnologias estão se adaptando para que isso possa acontecer. Participamos de um simulacro de diálogo, de alguma maneira, uma vez que a tecnologia e as plataformas como o Facebook estão oferecendo sugestões de amigos e de discursos parecidos que de alguma maneira vão te instalando numa interação monológica.
Mas deveríamos perguntar até que ponto a tecnologia faz isso, ou simplesmente ela satisfaz e conserva (ou talvez aumenta) essa tendência das pessoas no atual mundo globalizado. Eu acho que a relação causa-consequência entre o desenvolvimento da tecnologia e as novas formas de discurso e, em qualquer caso, uma relação bidirecional, porque de um lado a tecnologia nos determina a esse monologismo e, por outro, seguramente, esse monologismo que existe faz com que as plataformas se adaptem, favoreçam, promovam isso para dar ao consumidor o que ele busca. Além disso, não devemos esquecer que diversos fatores sociais, econômicos, políticos e culturais podem estar influenciando tanto a evolução da tecnologia quanto a evolução da linguagem e das formas de interação.
Reportagem: Luciane Rodrigues
Fotografias: Rafael Happke