A água é a substância mais abundante na natureza e é essencial para a sobrevivência dos seres vivos, pois contribui com o equilíbrio da biodiversidade, a regulação do clima e a manutenção da umidade do ar, além de ser fundamental para a agricultura e a geração de energia.
Apesar de diversas características da água serem ensinadas na escola, como sua composição química (duas moléculas de hidrogênio e uma de oxigênio), a capacidade de dissolver substâncias (é chamada de “solvente universal”), e os seus três estados físicos (sólido, líquido e gasoso), nem sempre esses conhecimentos são absorvidos pelas pessoas, que ainda apresentam incertezas sobre noções básicas relacionadas à água. Por exemplo: a pesquisa Percepção Pública da Ciência e Tecnologia no Brasil de 2023 mostrou que os brasileiros ainda têm dúvidas quando confrontados com a seguinte informação: “A água não ferve sempre a 100 graus Celsius (°C) em um recipiente aberto. Depende da altitude”. Das pessoas entrevistadas, 27,8% discordaram, em parte ou totalmente, da noção científica apresentada, e 20,2% não souberam responder. Já as que concordam totalmente com a informação somam 35,6%.
Para esclarecer essa questão, conversamos com o professor Mateus Henrique Köhler, do Departamento de Física da Universidade Federal de Santa Maria, que explica como mudanças na altitude e na pressão atmosférica afetam a temperatura de ebulição e outras propriedades da água, desmistificando crenças frequentes sobre o comportamento dessa substância.

Para começar: o que é altitude?
A altitude consiste na distância vertical entre um ponto da Terra em relação ao nível do mar (que corresponde à altitude zero). Quando um ponto está abaixo do nível do mar, a altitude é negativa. Já quando o ponto está acima do nível do mar, a altitude é considerada positiva.
A altitude é inversamente proporcional à pressão atmosférica: ou seja, quanto maior a altitude, menor vai ser a pressão. Por exemplo, em uma montanha – que fica acima do nível do mar – a altitude é maior e a pressão atmosférica é menor, e isso influencia fenômenos como a temperatura de ebulição da água e a sensação térmica.
Temperatura de ebulição da água x altitude
A partir dessas informações, é possível explicar por que a água não ferve sempre a 100°C em um recipiente aberto. Segundo o professor Mateus, é importante considerar que, além da altitude, a pressão também interfere no ponto de ebulição da água. Segundo ele, “é correto afirmar que, ao nível do mar, em um recipiente aberto, a água ferve a 100°C. Porém, em altitudes mais elevadas, onde a pressão atmosférica é menor, a água ferve a temperaturas mais baixas.” Ele traz como exemplo o fato de que, no Monte Everest, na Cordilheira do Himalaia, a mais de 8 quilômetros de altitude, a água entra em ebulição muito mais rápido, a aproximadamente 71°C.
Ele explica que, além da altitude, o recipiente estar aberto também interfere diretamente no ponto de ebulição da água, pois a pressão atmosférica diminui com o aumento da altitude – ou seja, quando o recipiente está aberto, a pressão atmosférica e a pressão interna da água são equivalentes, levando ao ponto de ebulição de 100°C ao nível do mar. Contudo, se o recipiente for fechado, o professor esclarece que a dinâmica muda: “ao fecharmos o recipiente, poderíamos aumentar a pressão interna, elevando o ponto de ebulição”.
Como a água se comporta em situações do cotidiano?
Essas condições se aplicam somente à água, as demais substâncias têm propriedades específicas e, por isso, apresentam comportamentos distintos quando expostos às mesmas situações.
“A água é conhecida particularmente por apresentar diversos comportamentos que chamamos de anômalos, por serem muito diferentes daqueles que ocorrem em outras substâncias. Esse é o fato, inclusive, pelo qual dizemos que a água é fundamental para a vida como a conhecemos”, comenta o professor. A água é uma das únicas substâncias encontradas nos estados sólido, líquido e gasoso sob as temperaturas normalmente medidas na Terra. Entre suas especificidades, está o alto calor específico: a água absorve muito calor antes de começar a aquecer efetivamente. O elevado índice de calor específico de água ajuda a regular as variações da temperatura do ar – explicando a mudança gradual de temperatura entre estações do ano, especialmente na proximidade do mar.
No nosso cotidiano, podemos observar essas peculiaridades da água em ações comuns, como cozinhar. Segundo o professor Mateus, um exemplo é o uso da panela de pressão, em que a água pode ferver a temperaturas muito superiores a 100°C: “essa pressão adicional também faz com que os alimentos experimentem temperaturas mais elevadas, proporcionando aquela maciez típica de produtos cozidos em panelas de pressão.”
Esse é, inclusive, um dos mitos mais comuns sobre o cozimento de alimentos. Mateus explica que “deixar a panela de pressão no fogo alto não faz o alimento cozinhar mais rápido, pois se a água já estiver fervendo, mesmo recebendo mais energia, sua temperatura permanecerá igual – da mesma forma que deixar a água do café fervendo por mais tempo não aumenta sua temperatura”. Afinal, deixar a água ferver por mais tempo não faz com que sua temperatura aumente, já que durante a passagem de um estado físico para outro a temperatura permanece constante.
Veredito: COMPROVADO! A variação da altitude determina o ponto de ebulição da água e ela não ferve sempre a 100ºC em um recipiente aberto.
Texto: Júlia Zucchetto
Ilustração: Vinicius Gumisson Motta
Edição: Luciane Treulieb
Revisão: Fabiana Coradini