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Retrospectiva | 10 crises que marcaram o ano de 2023 no Brasil



O ano de 2023 no Brasil foi marcado por vários eventos críticos que culminaram em crises. Dentre elas, destacam-se diferentes tipos: ambiental, trabalhista, política, ética, natural, reputacional, patrimonial, direito do consumidor e de segurança pública. Tais casos se instalaram a partir de ataques violentos, casos de racismo, misoginia, homofobia e assédio, fraude, depredação do patrimônio público, trabalho análogo à escravidão, enchentes e má gestão pública ou empresarial. Já em relação às causas, foram situações ligadas à gestão financeira, qualidade de serviços, condições de trabalho, transparência, gestão de riscos, prevenção, arrogância administrativa e discriminação. Entre as consequências, foram registradas mortes, prejuízos ambientais, materiais e financeiros, danos à reputação, indenizações, multas, boicotes, prisões, greve, desconfiança, medo e falência.

Algumas crises desencadearam um processo importante, outras foram esquecidas ou gerenciadas de modo com que os efeitos fossem mitigados de forma bem-sucedida. Cada uma teve repercussão distinta, seja pela dimensão seja pelos prejuízos – ou ainda – pela visibilidade midiática. Enfim, todas elas impactaram a sociedade devido à seriedade dos acontecimentos. Nessa direção, para que fiquem registradas e sejam didáticas, separamos dez casos de crise emblemáticos de 2023 para relembrarmos. Ao final da retrospectiva, listamos os aprendizados oriundos dos eventos críticos que acompanhamos, alguns pontos para reflexão e os princípios para uma comunicação de crise assertiva.

 

  1. Capitólio brasileiro: a invasão aos Três Poderes em 8 de janeiro

No dia 8 de janeiro de 2023, centenas de manifestantes golpistas invadiram as sedes dos Três Poderes da República no Brasil: o Palácio do Planalto, o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, vandalizando prédios, salas, obras de arte e acervo histórico. Este caso talvez tenha sido a crise que mais ignorou sinais explícitos e riscos reais. Também, pode ser considerado o maior atentado à democracia brasileira que se tem registro na história.

As autoridades do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e do DF responsáveis pela segurança das sedes dos Poderes na capital federal ignoraram todos as ameaças potenciais de ação hostil, mesmo com inúmeras manifestações em curso: ameaças de eleitores que não aceitavam os resultados das Eleições de 2022, acampamento em frente ao Exército em Brasília pedindo intervenção militar, depredações pela cidade em dezembro daquele ano após a diplomação do novo Presidente da República, fechamento de estradas Brasil afora, postagens na internet relembrando a invasão do Capitólio nos EUA, organização de viagens para a invasão da Praça dos Três Poderes em grupos de redes sociais digitais, entre outros indícios. Além disso, durante os atos, alguns Policiais foram flagrados recuando para a entrada dos invasores e fazendo selfie com os vândalos. Enfim, trata-se de uma crise marcada por leniência, conivência, falhas em série e falta de Inteligência.

Imediatamente após o ocorrido, o Presidente Lula que estava em compromisso oficial voltou a capital federal e se pronunciou sobre o ocorrido, decretando intervenção federal na segurança do DF. Já o STF determinou o afastamento do Governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, e a prisão do Secretário de Segurança à época, Anderson Torres. Os ataques foram marcados por violência e ódio, resultaram em destruição de patrimônio público, de obras de arte e de acervo histórico, onerando os cofres da União em R$ 20 milhões para reconstrução e recuperação. Em relação aos invasores, várias frentes de investigação envolvem a Polícia Civil, a Polícia Federal, A Procuradoria Geral da República e o STF. Para a investigação destes atos golpistas foi criada a Operação Lesa Pátria. Até hoje, já foram realizadas 88 prisões e 367 mandados de busca e apreensão, os quais também miram os financiadores dos criminosos por todo o país.

 

  1. Trabalhadores em situação análoga à escravidão em vinícolas do Rio Grande do Sul

Até julho de 2023, no Brasil, foram quase 1.500 resgates de pessoas vítimas da escravidão moderna, um recorde em décadas. Outro marco que impacta profundamente a sociedade refere-se ao número de empregadores que submeteram trabalhadores a situações análogas à escravidão: 473 segundo o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). Durante a safra da uva em fevereiro, em ação desencadeada pelo Ministério Público Federal (MPF) e MTE, 207 trabalhadores foram encontrados em condições degradantes de trabalho em Bento Gonçalves (RS), os quais relataram ter sofrido diversos tipos de violência além de jornadas de trabalho exaustivas. As vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton contrataram uma empresa terceirizada de prestação de serviços, a Fênix, que segundo os trabalhadores oferecia condições de trabalho desumanas, com alojamentos pequenos e lotados, mantidos sob ameaça.

As três empresas se pronunciaram através de notas, cartas e comunicados em seus perfis em redes sociais e sites oficiais. Além disso, o Centro de Indústria, Comércio e Serviços de Bento Gonçalves (CIC) emitiu nota polêmica “justificando” que os motivos da escravidão contemporânea seriam o fato de as pessoas serem preguiçosas e os programas que visam reduzir a desigualdade social no país (!). A crise não teve nenhum “rosto” até certo momento, apenas postagens oficiais. Somente vinte dias depois, o Presidente de uma das vinícolas, Maurício Salton, veio a público por meio de entrevista ao Valor Econômico e reconheceu que a empresa deveria ter sido mais diligente, monitorando a cadeia de prestadores de serviço e realizando auditorias internas. As vinícolas devem pagar mais de R$7 milhões em indenizações após Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) proposto pelo Ministério Público do Trabalho por danos morais individuais e coletivos.

Esta crise é, também, uma crise de imagem e de reputação, uma vez que as notas foram emitidas ao longo de uma semana, alimentando uma extensiva repercussão midiática em escala nacional e internacional. Há que se ressaltar que, no início da cobertura, a mídia brasileira mostrou-se “tímida”, denominando a situação de “trabalho irregular” por exemplo, mesmo que a pauta estivesse estampando capas, o que mostra ainda faltar uma cobertura responsável, ética e crítica por parte da mídia.

 

  1. Fraude contábil gera rombo bilionário e deflagra crise na Americanas

Em janeiro, a Americanas anunciou uma inconsistência contábil de R$ 20 bilhões deficitários em seus cofres, de acordo com o fato relevante divulgado na data. Vale lembrar que o furo contábil era maior do que o próprio valor da companhia na Bolsa de Valores. Num esforço por recuperação de mercado, ainda em agosto de 2022, Sérgio Rial foi nomeado o novo CEO da empresa sendo a grande aposta para alavancar os negócios. Entretanto, Rial renunciou ao cargo nove dias depois de sua posse. Interinamente, como CEO, assumiu o diretor de relações com investidores João Guerra, que segundo declarações da própria empresa na época, o executivo não estava envolvido na gestão contábil deficitária da época. Apesar das trocas administrativas, em 19 de janeiro de 2023, a Americanas entrou com pedido de recuperação judicial.

As dívidas somavam, na época, R$ 43 bilhões. Entretanto, algumas medidas previstas no plano de recuperação judicial não foram levadas adiante principalmente em função das incertezas em relação aos balanços da empresa publicados até então. Em fevereiro daquele ano, Leonardo Coelho Pereira, assume como novo presidente da Americanas e, a partir daí, inicia um processo de pequenas manifestações públicas dando pistas sobre o esquema ocorrido na contabilidade da empresa. Em 13 de junho é publicada a primeira comunicação oficial admitindo fraude nas informações contábeis. A Americanas também esteve envolvida em uma CPI instaurada na Câmara dos Deputados para investigar fraude de mais de R$ 20 bilhões nos balanços financeiros da empresa.

Além de uma crise financeira, a empresa envolveu-se em uma crise de imagem. Revelou uma gestão focada nos lucros para os investidores. A comunicação de crise (ou a falta dela) das Americanas contribuiu para um agravamento da situação em termos de posicionamento social. As informações divulgadas eram imprecisas ou incompletas, o que gerava ainda mais desconfiança perante seus stakeholders, como o próprio público interno. Os consumidores, claramente não estavam no foco das estratégias da empresa, assim como o mercado financeiro que restou a margem de informações consistentes, provocando queda ainda maior nas ações da bolsa de valores.

A marca, tradicionalmente conhecida como patrocinadora do reality show Big Brother Brasil (que ocorre em janeiro de cada ano), usou suas redes sociais para informar a clientes, parceiros e fornecedores que decidiu cancelar a participação na edição deste ano. Além disso, a empresa também publicou um vídeo agradecendo o apoio dos seus clientes com a #TamoJuntoAmericanas.

 

  1. Ataques com vítimas fatais em escolas de todo o país

Antes um cenário que fazia parte da realidade norte-americana, os ataques a escolas tornaram-se um fato comum no Brasil, sendo 2023 o ano com mais ocorrências: total de 11, um triste recorde histórico. Os ataques aconteceram em instituições de vários estados (SP, GO, MG, SC, AM, CE e PR), resultando em mortes de estudantes e professores e dezenas de feridos.

Após massacre na Creche Cantinho Bom Pastor (Blumenau/SC) em abril, que resultou em 4 crianças mortas – e por recomendação das autoridades – veículos de comunicação do Brasil atualizaram suas políticas de cobertura de ataques a escolas a fim de evitar o “efeito contágio”, no sentido de não inspirar novas ações de pessoas que buscam notoriedade por meio de práticas criminosas. Além disso, governos municipais, estaduais e federal lançaram uma série de medidas de segurança no ambiente escolar e combate aos ataques nas escolas, focando os esforços em atendimentos psicológicos, fiscalização e regulação das redes sociais digitais. Também, em abril, o governo federal criou o canal de denúncias Escola Segura, que recebeu quase 10 mil mensagens em 90 dias de operação. De lá para cá, dezenas de ataques foram evitados segundo relatório de grupo de trabalho da Câmara dos Deputados.

 

  1. Eventos climáticos extremos são cada vez mais comuns

A crise climática é considerada já há alguns anos como urgente de ser enfrentada. Nesse sentido, a reincidência de eventos climáticos extremos não é novidade ou surpresa para ninguém, muito menos para as autoridades. Ano após ano, o Brasil se depara com o fenômeno das chuvas e da seca. Ademais, a ação humana e os impactos das mudanças climáticas vêm sendo focos de alertas de riscos por diversas organizações nacionais e internacionais.

Em 2023, um dos eventos mais graves foi a seca, que atinge com mais intensidade oito estados brasileiros: Amazonas, Pará, Acre, Amapá, Maranhão, Piauí, Bahia e Sergipe. Mesmo sendo a estação de chuvas na Amazônia, os Rios Negro e Solimões, principais formadores do Rio Amazonas, estão com volume de água muito baixos, com alguns pontos secos. Já chuvas e ventos severos afetaram com mais intensidade a cidade de Araraquara (SP), municípios do litoral paulista, regiões do estado de Santa Catarina e a região do Vale do Taquari (RS). Além disso, o ano foi marcado pelo calor extremo, com altas temperaturas, que chegaram a 50ºC em algumas cidades.

Acompanhamos o excesso de chuvas nas regiões Sul e Sudeste e a seca nas regiões Norte e Nordeste. No sul, sequência de ciclones. No norte, seca histórica. Foram registradas centenas de mortes, milhares de desabrigados e bilhões de reais em prejuízos materiais e financeiros, além de impactos incalculáveis ao meio ambiente. Neste ano, segundo o secretário nacional de Proteção e Defesa Civil, Wolnei Wolff, mais da metade dos municípios brasileiros esteve em situação de emergência ou estado de calamidade, totalizando 2.797 cidades. Em dezembro, ainda há cerca de 1mil municípios afetados.

Mesmo os desastres climáticos sendo mais recorrentes, a verba da Defesa Civil é insuficiente. Após desmonte do governo anterior na base das ações estruturantes do Ministério do Desenvolvimento Regional, neste ano o governo federal não contou nem com verba necessária nem com planejamento para prevenção e resposta a desastres. Além disso, segundo o Cemaden, nos estados e municípios faltam equipamentos e pessoal treinado. 72% dos municípios não têm orçamento próprio para a área, e nem sempre podem contar com recursos da própria prefeitura.

É explícito que mesmo diante de riscos e perigos já conhecidos, não há cultura de prevenção no país. Acompanhamos que a comunicação de risco, com sistemas de alertas ainda pouco abrangentes ou não levados em conta pelas autoridades e pela população, não deram conta de mitigar os danos ou salvar vidas. Diante dos acontecimentos, em outubro, o Governo do Estado do Rio Grande do Sul apresentou um plano para o enfrentamento às mudanças do clima. Trata-se da Agenda ProClima 2050 – Estratégias para as Ações Climáticas, documento que define prazos do que deve ser realizado para reduzir efeitos além de se adaptar aos seus impactos. Além disso, foi anunciado um Gabinete de Crise permanente para desastres.

 

  1. 25 Estados do País e o DF sofrem apagão

Em agosto, o Brasil sofreu um apagão elétrico generalizado que afetou 25 dos 26 estados brasileiros e o Distrito Federal. Algumas cidades ficaram até seis horas sem luz, prejudicando cerca de 29 milhões de residências, estabelecimentos comerciais e hospitais. O Norte e Nordeste do país foram as regiões mais afetadas.

Para contornar a crise, o Governo Federal, através do Ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira determinou a criação de uma sala de situação para acompanhar o processo de retomada da energia nos Estados, assim como a apuração rigorosa das causas do apagão, envolvendo órgãos como ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) e a Polícia Federal. Apesar da rapidez dos comunicados, o apagão provocou surpresa e preocupação na população, produzindo desgastes em imagem ao Governo Federal e abalando a confiança dos brasileiros no Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) – instituição que cobre a eletricidade de quase todo o país – com um modelo integrado de transmissão de energia de uma região geográfica para outra.

Mesmo que a energia tenha sido reestabelecida no mesmo dia, somente em setembro deste ano a ONS informou as causas do apagão. Segundo o Relatório de Análise de Perturbação (RAP), publicado pela instituição, o fato ocorreu devido ao desempenho abaixo do esperado de equipamentos de controle de tensão de diferentes usinas eólicas e solares. A fim de reduzir possíveis crises, o documento cita ainda “centenas” de providências a serem tomadas até julho de 2024 por diferentes agentes do setor elétrico, incluindo o próprio ONS e geradores eólicos e fotovoltaicos. São ações como ajustes em proteções, questões relacionadas à comunicação com os agentes no momento da recomposição de fornecimento de energia, e a validação dos modelos matemáticos de todos os geradores eólicos e fotovoltaicos.

 

  1. Calouros da Unisa praticam atos obscenos em jogos universitários

Em setembro, circulou na internet até chegar aos noticiários o vídeo de um episódio machista e misógino protagonizado por universitários de Medicina. Durante uma partida de vôlei feminino realizado em abril, cerca de 15 calouros do sexo masculino simularam a prática de masturbação coletiva.

Pressionada pela demora em se posicionar, a Unisa emitiu nota apenas em 18 de setembro e, posteriormente, expulsou os estudantes identificados. No entanto, logo após readmitiu os acadêmicos por ordem judicial. O caso expôs a Universidade na mídia por cerca de dois meses, mas certamente será lembrada pelo ocorrido e pela falta de agilidade em esclarecer o fato.

À época, o Ministro da Educação, Camilo Santana, se pronunciou: “Episódio é repugnante, inaceitável, o comportamento de jovens que estão dentro da universidade, que pretendem ser médicos e cuidar das pessoas. Portanto, nós não só repudiamos, mas teremos como fato inaceitável”.

 

  1. GM quebra acordo sindical e demite funcionários por telegrama

Em outubro, funcionários da GM no Brasil receberam a notícia de suas demissões via telegrama e e-mail. Foram mais de mil cortes nas fábricas de São José dos Campos, São Caetano do Sul e Mogi das Cruzes, justificados pela queda nas vendas e exportações segundo a multinacional. O processo de desligamento se deu em meio a um layoff com promessa de retorno e estabilidade dos funcionários, a qual foi quebrada pela montadora.

Segundo o Sindicato dos Metalúrgicos, até mulheres grávidas foram demitidas neste processo, culminando em protestos em frente às fábricas e greves dos funcionários. Com isso, a crise ganhou repercussão na mídia e expôs mais uma vez uma política de gestão de pessoas descolada do discurso organizacional presente em sua comunicação.  

 

  1. Clientes da Enel ficam até 5 horas sem energia elétrica em São Paulo

A crise da Enel SP começou em 3 de novembro de 2023, quando um temporal deixou 2,1 milhões de pessoas sem energia elétrica na Grande São Paulo. O problema evidenciou, por sua vez, “descumprimento de acordo” por parte da empresa em relação ao estado. O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes, disse que também notificaria o Procon e a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL).

Várias partes da Grande São Paulo ficaram mais de 72 horas sem luz. Uma das saídas encontradas pela companhia de energia elétrica foi acionar o influenciador Felipe Titto para fazer uma “publi”, indicando que as pessoas priorizassem o atendimento via digital e não por telefone. O ator foi bastante criticado, assim como a empresa pela escolha dessa modalidade para comunicar de forma abrangente a população.

O Presidente da Enel Brasil naquele momento, Nicola Cotugno, pediu demissão do cargo 20 dias depois. Outra parte da crise se deu quando o novo Presidente da empresa, Max Xavier Lins, em entrevista ao jornalista Rodrigo Bocardi, do SP1, afirmou que a emissora estaria prestando um desserviço informativo ao divulgar os caminhões da empresa parados no pátio. Disse, ainda, que se tratava de troca de turno e por isso estavam lá. Bocardi, conhecido por ser combativo, rebateu imediatamente a crítica e pediu respeito ao presidente.

 

  1. Fã de Taylor Swift morre em show da produtora T4F

Em 17 de novembro, a estudante de Psicologia Ana Clara Benevides Machado, de 23 anos, sentiu-se mal e morreu de uma parada cardiorrespiratória em show da cantora Taylor Swift, produzido pela T4F no Rio de Janeiro. Outras centenas de fãs desmaiaram por conta do calor, cuja sensação térmica se aproximou dos 50ºC, temperatura que os institutos meteorológicos vinham alertando há dias. Além disso, segundo o público, era proibido entrar portando água no Estádio Nilton Santos. Nas redes sociais e na mídia, foram muitas as reclamações ao longo daquele dia por quem esperava na fila para acessar o Engenhão e esperar pela cantora.

Ao saber da morte, rapidamente a cantora escreveu carta à mão e postou em suas redes sociais, embora não tenha citado o nome da fã. Já a T4F informou sobre a morte em rede social e medidas para as próximas noites, mas demorou a se posicionar. Quando o fez – seis dias depois – através do CEO, Serafim Abreu, detalhou as providências, mas não evidenciou os próximos passos. A T4F relacionou o ocorrido ao calor extremo e, por solicitação e determinação de diversas instâncias (Ministério Público do Rio de Janeiro, Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro e Ministério da Justiça e Segurança Pública), a produtora liberou a entrada de água, isotônicos e refrigerante, além de ter sido obrigada a aumentar o número de ambulâncias e a adotar medidas para amenizar o calor.

O show do dia seguinte à morte foi adiado, de sábado para segunda-feira, deixando os fãs de todos os lugares do país em situação delicada principalmente quanto a passagem e hospedagem. Na segunda-feira, o reflexo da situação afetou as ações da T4F, que caíram 9,6% na Bolsa de Valores. Após o evento, autoridades e público cobram mais segurança e responsabilidade das produtoras de shows no Brasil. O Ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, anunciou portaria no dia posterior com medidas a serem adotadas imediatamente pelas empresas: “será permitida a entrada de garrafas de água de uso pessoal, em material adequado, em espetáculos. E as empresas produtoras de espetáculos com alta exposição ao calor deverão disponibilizar água potável gratuita em ‘ilhas de hidratação’ de fácil acesso”.

 

Assim como em toda gestão de crise, devemos olhar para os erros e acertos da condução do processo após o ocorrido. Por isso, depois de relembrarmos 10 crises que marcaram 2023, vamos aos aprendizados que contribuem para evitar novos eventos críticos:

– Não ignorar sinais e alertas emitidos pelo entorno;

– Prevenção baseada em análise de riscos, de cenários e de projeções;

– Prevenção baseada na qualidade do serviço prestado/ do produto vendido/ da experiência do público, e menos (ou não apenas) na lucratividade;

– Agilidade em esclarecer os fatos (e boatos);

– Ação proativa e não motivada por pressão pública;

– Sala de Situação permanente quando a área de atuação da organização oferecer risco ou for essencial para a sociedade;

– Gabinete de Crise permanente para gestão de eventos críticos recorrentes;

– Equipe/órgão treinado e em prontidão para a resposta;

– Comitê de crise permanente, multidisciplinar, atuante e proativo;

– Posicionamento consistente e verdadeiro;

– Porta-voz empático e ético;

– Conhecer profundamente a cadeia de fornecedores e prestadores de serviço contratada (matéria-prima, mão de obra, distribuição);

– Prestação de auxílio financeiro, psicológico e físico imediatamente às vítimas e familiares;

– Contato personalizado e profissional com familiares de vítimas, não apenas por meio de notas e comunicados oficiais;

– Organizações devem assumir mais a responsabilidade e terceirizar menos a culpa;

– Não culpar as vítimas ou transferir a culpa para o cenário social;

– Mentira ou omissão não são opções honestas, ainda mais quando o que está em jogo é a segurança pública, vidas humanas ou o interesse público.

– Evitar o pronunciamento de funcionários em nome da empresa em perfis pessoais a fim de não surgirem novos focos críticos a serem gerenciados concomitantemente à crise principal;

– Protocolos de ação para emergências;

– Encobrir os acontecimentos não resolvem a situação, pois tendo em vista o cenário digital é questão de tempo para que a verdade venha à tona;

– Alertas mais abrangentes e eficientes relacionados ao clima e a ataques violentos.

 

Após os fatos ocorridos neste ano, ficaram explícitos alguns pontos que merecem reflexão:

  1. Não há na sociedade brasileira a cultura de prevenção, de preparação e de planejamento para crises. Embora não se consiga mapear e pensar em todas as situações potenciais, o planejamento auxilia a gerir os riscos e dá o norte geral para que a resposta em momentos-chave seja a mais adequada possível;
  2. A comunicação de risco, que faz parte da prevenção e da preparação para crises, mostra-se limitada a situações extraordinárias ou é empreendida de última hora. No entanto, ela é essencial pois alerta e esclarece, permitindo uma certa organização em tempo hábil. Além de contribuir para salvar vidas e evitar prejuízos;
  3. A comunicação de crise, que faz parte da resposta, da mitigação de danos e da recuperação/restabelecimento/continuidade, ainda é negligenciada pelas organizações. Espera-se muito tempo para ser estabelecida e quando se efetiva é vazia ou carente de informações importantes (cenário atual, medidas, providências, políticas e outras decisões);
  4. Os setores de comunicação não são os responsáveis diretos pela má condução da gestão de uma crise em primeira instância. Na maioria dos casos, a responsabilidade é da Diretoria e/ou da Presidência, quem decide efetivamente;
  5. Um dos maiores desafios para as equipes de comunicação que atuam nas ou para as organizações é ter de, ao mesmo tempo, contemplar o interesse da Presidência, da Diretoria e dos Acionistas, salvaguardar a reputação das organizações envolvidas e também resguardar o interesse público. Trata-se de um difícil exercício de ética, transparência e responsabilidade profissional e cidadã.

 

No que se refere à comunicação de crise, James Grunig (2009, p. 92-93) sugere quatro princípios que precisam ser considerados. São eles: “Princípio de relacionamento: a vulnerabilidade a questões emergentes diminui quando a organização possui relacionamentos duradouros de qualidade com públicos que poderiam questionar decisões; Princípio de responsabilidade: aceitar a responsabilidade de administrar uma crise até mesmo quando não sejam culpadas pela crise; Princípio de transparência: revelar tudo o que se sabe sobre a crise ou os problemas envolvidos; Princípio de comunicação simétrica: A segurança pública é tão importante quanto o lucro. Por isso, é preciso o diálogo verdadeiro com os públicos.”

Nesse sentido, além dos aprendizados a partir dos casos de 2023, elencamos alguns princípios que consideramos essenciais para uma comunicação de crise assertiva:

  • Planejamento;
  • Prontidão;
  • Agilidade;
  • Transparência;
  • Posicionamento;
  • Atendimento à imprensa;
  • Monitoramento de manifestações dos públicos;
  • Respeito e empatia com vítimas e familiares;
  • Sites/portais/hotsites/blogs atualizados;
  • Porta-voz hábil;
  • Canais de comunicação abertos;
  • Relacionamento/interação em redes e mídias sociais digitais;
  • Compromisso com a verdade;
  • Providências e medidas tomadas;
  • Notas, comunicados e coletivas;
  • Avaliação constante do processo.

 

Confira mais sobre algumas crises por meio das notícias e dos artigos publicados no portal durante este ano:

Gestão de crise: a UNISA não fez a lição de casa.

GM envia telegrama e a crise retorna em alta velocidade

Gestão de Crise e a Crise Climática: como mapear riscos para evitar crises futuras

Gestão de crise no contexto de ataques a escolas: uma lição de casa multissetorial, multidisciplinar e integrada

Escolas à beira de um ataque de nervos

Quando a barbárie é institucionalizada, a crise é permanente.

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