Por Valdeci Verdelho (Jornalista, fundador da Verdelho Comunicação, especialista em gestão de crise)
Este artigo nasce de reflexões compartilhadas durante minha participação no painel “Mariana 10 anos – O que aprendemos?”, realizado no 10º Seminário Mineração & X Comunidades. Sou grato pelo gentil convite e pela confiança da Revista Brasil Mineral, e compartilho este texto como forma de retribuir a oportunidade e ampliar o diálogo necessário sobre responsabilidade, ética e reconstrução de confiança.
A tragédia de Mariana, em 2015, não foi apenas um desastre ambiental e humano. Foi também um marco na forma como empresas são cobradas por sua responsabilidade social, ética e reputacional.
Além da destruição física e das vidas perdidas, o que também ruiu ali foi a confiança. A tragédia causou danos severos à natureza, perda de biodiversidade e apagamento de identidades culturais — especialmente de povos originários. A Samarco, empresa responsável pela barragem, viu sua reputação desmoronar. A forma como se posicionou — ou deixou de se posicionar — comprometeu não só sua imagem, mas também sua legitimidade diante da sociedade.
As falhas no ciclo da crise
O gerenciamento de crises é estruturado em cinco etapas: prevenção, preparação, resposta, recuperação e aprendizado. No caso de Mariana, as quatro primeiras falharam:
Prevenção – A tragédia poderia ter sido evitada. Alertas e sinais foram ignorados.
Preparação – Faltaram planos eficazes para lidar com o pior cenário.
Resposta – A lentidão e a dificuldade em assumir responsabilidades agravaram os impactos.
Recuperação – Mesmo com esforços, a perda da licença social para operar plenamente mostra que a recuperação da confiança ainda está longe.
Mas há uma etapa que ainda pode — e deve — ser fortalecida: o aprendizado.
Aprender é reconhecer e transformar
O ideal é evitar as crises. Mas, quando elas ocorrem, é essencial entender o que elas ensinam. O primeiro passo para aprender é identificar e reconhecer os erros.
Na tragédia de Mariana, o principal erro foi ignorar as perdas e as dores dos atingidos. Perderam-se vidas, casas, fontes de sustento e até identidade cultural. Mesmo diante de tamanha destruição, as vítimas não receberam o tratamento que mereciam.
Foram excluídas da discussão de uma repactuação que agora se sentem pressionadas a assinar — e, em muitos casos, tiveram que buscar justiça em outro país.
A principal lição é clara: resgatar a reputação e o respeito depende, antes de tudo, de reconhecer humildemente essas falhas e reconstruir relacionamentos com escuta sincera, acolhimento e empatia.
12 R’s numa jornada de aprendizado
Nesse contexto, os 12 R’s surgem como possíveis direções para transformar aprendizado em prática — e reconstruir uma presença social genuína, com governança transparente e respeito ainda maior aos territórios e à natureza.
Reconhecer – Admitir falhas e dar voz a quem foi silenciado.
Revisitar – Olhar o passado com crítica e humildade para aprender.
Respeitar – Tratar pessoas, comunidades e natureza com dignidade.
Reparar – Assumir danos e agir com justiça e autenticidade.
Restituir – Devolver o que foi tomado: terras, direitos e pertencimento.
Restaurar – Trazer de volta bens simbólicos e vínculos com a identidade coletiva.
Reconciliar – Reabrir o diálogo com empatia e escuta.
Regenerar – Reconstituir vínculos sociais, natureza e economia.
Reconstruir – Reerguer o que foi destruído com empatia e compromisso coletivo.
Recuperar – Reconstruir confiança com transparência e coerência.
Resgatar – Retomar valores essenciais esquecidos pela crise.
Ressignificar – Transformar o passado em compromisso e aprendizado.
R$ 170 bilhões em repactuação não trazem vidas de volta. Não apagam os traumas. Não removem cicatrizes que vão permanecer para sempre. Mas, além da reparação financeira, é essencial assumir um compromisso ético com o “nunca mais”.
A reconstrução da reputação e do respeito não se dá apenas por narrativas. Ela acontece, sobretudo, por meio de atitudes visíveis — que a comunidade percebe e valoriza.
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