Por Bianca Persici Toniolo (Doutora em Ciências da Comunicação, professora nas universidades da Beira Interior e de Coimbra e investigadora no LabCom – Portugal)
Em agosto completo oito anos vivendo em Portugal. Cheguei em 2017, justamente no ano em que o país enfrentou o verão mais trágico da sua história recente. Em junho daquele ano, os incêndios florestais deixaram 66 mortos e devastaram cerca de 45 mil hectares. Poucos meses depois, já instalada na Covilhã, vi de perto uma segunda vaga de fogos ainda mais intensa, que queimou 244 mil hectares.
De lá para cá, viver em Portugal tem sido conviver todos os verões com os incêndios, que fazem parte da minha realidade não apenas como cidadã, mas também como investigadora e docente na Universidade da Beira Interior, onde construí um percurso académico dedicado a estudar estes desastres sob o prisma da comunicação, primeiro no mestrado, depois no doutoramento.
Em 2022, a Serra da Estrela ardeu. Mais de 27 mil hectares foram consumidos, um quarto da área total do Parque Natural. O céu vermelho sobre a Beira Interior tornou-se símbolo de uma ferida aberta. Hoje, em 2025, assistimos novamente à devastação da mesma região. O ciclo repete-se porque as respostas permanecem reativas, e não preventivas.
Os incêndios não são apenas fenómenos agravados pelas alterações climáticas e pelas condições meteorológicas. São, sobretudo, reflexos do abandono do interior do país, da monocultura florestal e de uma gestão pública que continua sem estratégia para as florestas e o ordenamento do território.
A estes fatores soma-se a ausência de uma comunicação preventiva. O que vemos é um padrão recorrente, com campanhas esporádicas e mensagens dispersas que não criam uma cultura de prevenção. Foi nesse contexto que desenvolvi, no âmbito do meu doutoramento, o Modelo Loop. Trata-se de uma metodologia capaz de orientar governos e organizações públicas a planear, avaliar e estruturar a comunicação em situações de risco e crise, designadamente relacionadas com os incêndios florestais.
O Loop é um modelo de comunicação estratégica, integrada e contínua, que assegura que mensagens de risco, emergência e crise cheguem corretamente à população. Isso significa não só salvar vidas, mas também proteger um ativo de importância crucial durante emergências: a confiança pública nas instituições.
Aplicar o Loop implica transformar a comunicação de algo improvisado em algo planeado, sistemático e avaliado. Significa ter especialistas a trabalhar de forma permanente, durante todo o ano, para criar resiliência social em vez de apenas reagir à tragédia.
Enquanto não houver políticas públicas robustas de ordenamento do território e de gestão florestal acompanhadas de uma comunicação estratégica, veremos os mesmos cenários repetirem-se. Veremos bombeiros a arriscarem e perderem vidas, populações isoladas pela má qualidade do ar, animais a terem o seu habitat destruído, águas contaminadas e cidadãos sem saber em que fontes confiar quando o fogo e o fumo estão à espreita.
A comunidade brasileira em Portugal conhece bem a experiência de conviver com tragédias ambientais. Mas quem vive aqui aprende que o fogo português tem um rosto próprio e que este rosto está marcado pelo abandono do interior e por falhas estruturais de planeamento.
Está tudo a arder. E já que ardem as florestas, que arda também a reputação dos governantes que ainda não compreenderam que prevenir não é um ato de heroísmo, mas, simplesmente, uma questão de responsabilidade.
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Artigo publicado no Jornal Público Brasil, em 25/08/2025 (Portugal).
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