Como o isolamento e a acelerada adaptação a essas modalidades podem afetar a saúde mental
A existência da internet tal qual conhecemos é um resultado da criação da World Wide Web, por Tim Berners-Lee, no início dos anos 90. O sistema proposto por Berners-Lee é baseado em uma organização de documentos na rede a partir de hipertextos, cuja conexão se dá a partir de hiperlinks. O famoso WWW representa a popularização da internet – antes usada apenas para fins militares e acadêmicos. Desde então, passamos a viver em uma era conectada. No decorrer dos anos, a importância da internet no contexto social apenas cresceu, ao ressignificar os mais diversos aspectos de nossas vidas: a informação, a comunicação, o consumo, os comportamentos, o transporte, a educação e o trabalho.
Em 2020, a pandemia do novo coronavírus também provocou mudanças nas nossas vida e, consequentemente, na relação que temos com a rede. No âmbito profissional, ela aproximou ainda mais o trabalho e a internet – de maneira que, ao seguir as orientações da Organização Mundial da Saúde (OMS), muitas empresas encontraram no trabalho remoto a forma de evitar aglomerações e preservar a saúde de colaboradores e clientes. As escolas e as universidades seguiram o mesmo caminho ao explorar a educação à distância como alternativa para a longevidade do distanciamento.
Assim, para muitos de nós, foi exigida uma acelerada mudança: aquela tendência que já observávamos no mercado há algum tempo, agora faz parte de nossas rotinas. Nos vimos rodeados por e-mails, mensagens no Whatsapp, reuniões e aulas em forma de videoconferências. Mas afinal, quais são as principais diferenças entre as atividades online e as presenciais? E como tudo isso nos afeta psicologicamente?
O teletrabalho
O termo teletrabalho – também conhecido como Home Office – refere-se a qualquer atividade laboral realizada remotamente. A origem mundial é imprecisa, mas é citada ainda no século 19, com o uso telégrafo. A aplicação a partir da internet começou a se desenvolver no Brasil após os anos 2000, porém foi incluído pela primeira vez em uma pesquisa nacional pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2012. Desde então, os estudos representam um aumento – entre alguns anos, flutuante – das suas taxas ao longo dos anos. Entre elas, foi reportada uma alta de 44% na vigência entre 2012 e 2018.
Contudo, só no ano de 2017 o teletrabalho foi regulamentado no país, a partir da Lei nº 13467/2017. Entre as observações está que os processos, em suas especificidades, deveriam ser acordados entre o chefe e o trabalhador, de maneira que este tenha recursos para efetuar as atividades remotas e, caso não os tenha, o empregador os forneça. O acompanhamento também vale a mesma regra de negociação. Essa regulamentação foi um marco para a metodologia, que estava mais presente entre as empresas. Ela era observada pelo mercado como uma maneira de aumentar a flexibilidade da jornada de trabalho, diminuir a mobilidade urbana e melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores. Durante a pandemia da COVID-19, segundo dados do IBGE (entre 16/08 e 22/08), 8.3 milhões de brasileiros trabalharam remotamente.
O ensino à distância
O estudo à distância surgiu no país também a partir do início do século 20, com cursos de qualificação profissional. O termo se refere a quaisquer mediações didático-pedagógicas que, por meio de tecnologias de comunicação e informação, apliquem-se com diferença de espaço ou tempo no contato entre professores e alunos. Antes mesmo das redes digitais, os cursos eram desenvolvidos ao longo do século passado por meio de correspondência, rádio e televisão. O EAD era uma ferramenta para ampliar o acesso à educação, ao letramento e à inclusão social de adultos. Então, com o passar o tempo, começaram a serem oferecidos cursos para o nível de ensino fundamental, e na década de 1970, cursos superiores. Nos anos 1990, o advento da internet comercial provocou um crescimento de universidades que ofereciam esse método de ensino, o que foi reforçado em 1996, com a criação da Secretaria de Educação à Distância (SEED), do MEC. Nesse ano, também se estabeleceram legislações que identificaram essas práticas, e garantiram, por exemplo, a validade de diplomas.
Hoje, entende-se que podem existir diferentes classificações para esses cursos: os que são predominantemente à distância, com encontros mensais ou semestrais na sede da organização; os semi-presenciais (ou híbridos), com uma quantidade maior de encontros, por exemplo, semanalmente; e os cursos presenciais com apenas contribuições à distância. Quanto à sua popularidade, é estimado que o número de alunos do ensino superior na modalidade EAD será maior do que na presencial em 2022. Esses dados são de um estudo da Associação Brasileira Mantenedora de Ensino Superior (ABMES), em parceria com a empresa Educa Insights. A projeção inicial era de 2023, porém o processo foi acelerado pela pandemia do novo coronavírus – com as quedas nos índices de emprego e renda da população, as orientações da OMS para o distanciamento social e o aumento de ofertas de cursos dessa modalidade.
A verdade é que antes mesmo da covid-19 o EAD já era uma tendência crescente: o ensino à distância atingia mais de 2 milhões de matrículas em 2018, o que representava uma participação de 24,3% do total de matrículas de graduação, segundo o último Censo da Educação Superior, do MEC. O porquê do seu destaque tem relação com suas mensalidades serem mais acessíveis e, assim como uma das vantagens do Home Office, por dispensar a locomoção – e o seu tempo – até o local de ofício.
Experiência no campus Frederico Westphalen
No campus da UFSM em Frederico Westphalen, as aulas online já eram exploradas. Desde 2017, o projeto “Produção de Videoaulas e o Streaming de vídeo no EaD” é desenvolvido com o objetivo de estudar metodologias para a modalidade e de entender mais acerca da tecnologia streaming de vídeo e da sua integração em Ambientes Virtuais. As videoaulas produzidas foram aplicadas nos cursos de Bacharelado em Sistemas de Informação e Licenciatura em Computação, e tinham como finalidade servir como um material de apoio para as aulas presenciais.
Segundo a coordenadora do projeto, doutora em Sistemas de Computação e professora associada da UFSM, Adriana Soares Pereira, outro objetivo era proporcionar maior aproximação entre aluno e professor. A partir das experiência que obteve, ela destaca a importância da criação de um roteiro para as aulas em EAD que leve em consideração as particularidades da disciplina e os seus alunos: “A didática está muito relacionada com o conteúdo, então tivemos que pensar em possíveis dificuldades que o aluno já teve [com a disciplina presencial]. Por exemplo, em uma disciplina mais prática – ensinando a usar um software -, nós tivemos que gravar o professor falando e conectar ao mesmo tempo a imagem no computador, para mostrar passo a passo como usar aquela ferramenta”. A professora lembra que a contribuição do estudante é necessária – de maneira que, ao dar sua opinião, ele auxilia para uma melhor adaptação por parte dos professores.
Ainda assim, Adriana acredita que no futuro educacional existirá público tanto para a modalidade EAD quanto para a presencial: “Eu vejo que o perfil do aluno está em primeiro lugar: cada um de nós tem um perfil de aprendizado diferente – então se eu aprendo mais com vídeos, outra pessoa aprende mais lendo textos. Então existem alunos que realmente não conseguem estudar e aprender dessa forma”, explica. Ela complementa que existem cursos que necessitam dos encontros presenciais para as aulas práticas.
Por fim, a professora imagina que após esse momento, os alunos irão exigir uma maior diversidade de metodologias oferecidas por seus professores, que terão a necessidade de ir além de apenas as aulas presenciais. Os docentes deverão buscar se capacitar e explorar essas novas tecnologias: “uma das vantagens de fazer uma videoaula é que o aluno pode a assistir várias vezes e se ficar alguma dúvida, voltar e ouvir de novo”, exemplifica.
As consequências
O teletrabalho e o ensino à distância são exemplos de uma sociedade que caminha para a convergência digital. As duas modalidades têm características e vantagens semelhantes e, para algumas pessoas, são opções que facilitam a produtividade e se encaixam com o seu estilo de vida. Entretanto, não são todos que se adaptam bem e preferem essas metodologias; e a pandemia do novo coronavírus também tem forçado esse grupo a participar dessa transição, quase que súbita, desde o começo do ano.
São tempos singulares que implicam em uma necessidade de maior empatia por parte de empresas e instituições de ensino. Para os que tiveram que se adaptar repentinamente, não foi fácil – sem falar que não são todos que têm as ferramentas ou o espaço adequado para o desenvolvimento de atividades à distância. Isso, juntamente com o confinamento, pode trazer consequências negativas para a saúde mental de qualquer um – confira a outra matéria da Arco sobre os efeitos colaterais do distanciamento físico. Já em abril de 2020 – aproximadamente um mês após a COVID-19 ter sido declarada como uma pandemia pela OMS – a startup de tecnologia Behup conduziu uma pesquisa com 1.561 participantes no país, e concluiu que 53,8% dos participantes disseram estar um pouco ou muito mais estressados e 60,3% um pouco ou muito mais ansiosos após as primeiras semanas de quarentena.
Segundo a doutora em psicologia, Adriane Rubio Roso, que também realizou estudos pós-doutorais em Comunicação na UFSM e em Psicologia Social, na Universidade de Harvard, a pandemia pode nos impactar integralmente, apesar de muitas vezes não notarmos: “Algumas pessoas sentem dores de cabeça, dores nas costas, ansiedade, estresse, insônia e podem não correlacionar esses sintomas com o que estamos vivendo. Certamente, eles podem ser decorrentes de problemas que antecedem à pandemia, e, agora, podem estar se exacerbando em decorrência do que ela dispara em nós: medo da própria morte, medo da perda de entes queridos, medo de perder o emprego, medo da solidão, entre outros.”.
Adriane também destaca que os impactos da pandemia não são os mesmos para todos – já que eles dependem das condições sócio-estruturais, econômicas e afetivas de cada um. Ela observa que as pessoas que já tinham o costume de ficar mais em casa e focar em relações sociais no círculo privado aparentam lidar melhor com o isolamento social. Por outro lado, pessoas com vida social mais agitada no espaço público e pessoas que sofrem grande risco de contágio – como profissionais da área de saúde na linha de frente – o estresse proporcionado pelo período é maior.
Quanto às consequências psicológicas da pandemia do novo coronavírus e a sua relação com fatores sociodemográficos, a UFSM se faz presente no âmbito científico: está em desenvolvimento o COVIDPsiq, grupo de pesquisa liderado pelo professor e doutor Vitor Calegaro, que tem como objetivo monitorar a evolução de sintomas pós-traumáticos relacionados ao vírus em brasileiros – como depressão e ansiedade. O projeto, que conta com o apoio da Prefeitura de Santa Maria, da Universidade Franciscana e da Lauduz COVID-19 – Saúde Pública Online, entre outras instituições, terá quatro fases. A primeira delas foi divulgada no início de junho e contou com 3.633 participantes que tinham a partir de 18 anos anos – em grande parte, do Rio Grande do Sul e de Santa Maria. Dentre suas coletas, concluiu-se que a saúde mental de 65% dos participantes piorou pouco ou muito com o distanciamento social, com destaque para o aumento de sintomas pós-traumáticos relacionados com menor escolaridade – e idade inferior -, menor renda – assim com estudantes e desempregados-, histórico de transtornos mentais e uma maior exposição à mídia.
O fenômeno das videoconferências
À medida que empresas e instituições de ensino se viram obrigadas a migrar para o ambiente virtual, uma ferramenta que tem sido muito utilizada como uma forma de reestruturar a convivência são as videoconferências. Esse fenômeno ocupou espaço nas relações tanto no teletrabalho – com reuniões – quanto no ensino à distância – com aulas online. Apesar de ser uma boa alternativa para manter o contato, o uso de aplicativos como Zoom, Skype, Teams, Google Meet e Google Hangouts pode provocar uma exaustão ainda maior do que se os encontros fossem presenciais. No exterior, o cansaço após as videoconferências está sendo chamado de “Zoom Fatigue” – em tradução literal, Fadiga de Zoom.
Baseado nisso, a Harvard Bussiness Review publicou um artigo para explicar o que acontece nesse processo. O site, com revistas, livros e conteúdos digitais é produto do Harvard Business Publishing, que tem como objetivo refletir sobre práticas de gestão de negócios. Segundo o estudo, a fadiga proporcionada pelas videoconferências é consequência de um conjunto de questões. A primeira delas é a facilidade que temos de nos distrair nesses contextos: enquanto estamos em uma chamada de vídeo, temos ao nosso redor diversos estímulos que facilitam a perda de foco – as notificações e o celular na mão nos atraem para a tentação de fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, como por exemplo ouvir a fala dos colegas e também checar as redes sociais. Além disso, temos contato com uma pequena imagem de nós mesmos – o que nos torna extremamente conscientes de cada detalhe e cada movimento que fazemos. Por fim, temos a sensação de que para absorver todas as informações e demonstrar o devido interesse, devemos estar constantemente prestando atenção na tela. Isso não acontece em trocas presenciais, pois eventualmente nos sentimos livres para olhar para a janela, ou ao redor da sala.
No geral, devemos entender que ao participarmos das videoconferências, o nosso cérebro não funciona normalmente. Fora outras questões como confusões por problemas de rede e silêncios desconfortáveis, também perdemos uma parcela de linguagem corporal. O psicólogo e cineasta David Cohen afirma em seu livro “A linguagem do corpo” que ao nos comunicarmos, absorvemos informações sem nem perceber: “Responder instintivamente ou com intuição não é mágica. O que realmente estamos fazendo é reunir, quase instantaneamente, dezenas de pequenas pistas que captamos da linguagem corporal das pessoas”. O contato apenas através das telas nos priva dessa absorção inconsciente das reações e nos obriga a dispor de um esforço a mais na busca por um “retorno externo”. Isso, no caso de muitas pessoas em uma chamada, é cognitivamente cansativo.
A pesquisadora Adriane Roso ressalta que não mudamos nosso caráter e nosso modo de pensar no ambiente on-line, porém destaca a falta de contato físico nas interações. “O contato físico é uma experiência vital, que nos acompanha desde o nascimento. […] Sob este prisma, a interação online exige dos humanos novas formas de expressão e reconhecimento de afetividade”, comenta. Sobre as novas tecnologias, ela afirma que “não sabemos o suficiente sobre os efeitos delas na constituição da subjetividade. Algo está mudando. Algo vai mudar. Essas mudanças deverão ser foco de atenção de diferentes campos do saber de modo a encontrarmos caminhos alternos recorrendo à potencialidade do trabalho interdisciplinar.”
Dicas: como encontrar o equilíbrio?
O segundo semestre letivo do ano de 2020 na UFSM se iniciará no dia 19 de outubro sob o Regime de Exercícios Domiciliares Especiais (REDE) – confira o calendário completo aqui. Os alunos que decidirem por se matricular e desenvolver suas atividades de graduação ou pós-graduação durante este período terão de se adaptar à vigência do ensino à distância. Ao levar em consideração as particularidades de cada um e a importância de uma manutenção da saúde mental durante todo esse período, é extremamente importante ter uma rotina equilibrada entre o lazer e as obrigações.
Visto isso, leia abaixo algumas dicas inspiradas no artigo da Harvard Business Review para vivenciar esse período da maneira mais saudável possível:
1) Em uma videoconferência, evite fazer muitas coisas ao mesmo tempo
Ao tentar fazer muitas coisas, você não vai conseguir se concentrar em nenhuma e pode perder informações importantes
2) Respeite seus limites e tenha períodos de descanso entre tarefas e chamadas de vídeo
Ter de 5 a 15 minutos para poder tomar uma água, levantar da cadeira e se alongar é essencial
3) Cuide da sua saúde: se alimente bem e pratique exercícios físicos
Isso vai evitar o cansaço em demasia e o estresse
4) Tente manter uma rotina
Busque ter horários usuais para dormir, acordar, trabalho e lazer. Isso vai lhe ajudar a manter uma rotina equilibrada e vai dar uma sensação de maior controle do contexto atual
5) Não deixe a internet tomar conta do seu cotidiano
Faça questão de ter momentos longe das telas: leia um livro ou passe um tempo com seu pet ou sua família
Dicas para professores ou chefes
1) Analise se a videoconferência é realmente necessária
Às vezes, ela pode ser substituída por um e-mail ou por uma ligação normal
2) Deixe disponível a opção de não ligar a câmera eventualmente
Principalmente em chamadas mais longas, isso pode ajudar a reduzir um pouco o estresse
Caso necessário, não hesite em buscar apoio psicológico. A UFSM oferece apoio psicopedagógico e suporte psicológico na modalidade on-line através do Núcleo de Apoio à Aprendizagem da CAED. Saiba mais.
Expediente
Reportagem: Esther Klein, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Ilustradora: Renata Costa, acadêmica de Produção Editorial e bolsista
Mídia Social: Nathalia Pitol, acadêmica de Relações Públicas e bolsista
Edição de produção: Melissa Konzen, acadêmica de Jornalismo e bolsista
Edição geral: Maurício Dias, jornalista