Reportagem e redação: Ana Bacovis, Andrya Lima, Eliandro Martins, João Veigas, Júlia Zucchetto, Maria Luísa Amaral e Matheus Lanzarin.
Fotos: Eliandro Martins e Ludmila Almeida

Projetos sociais são iniciativas planejadas e executadas por pessoas, grupos, ONGs, empresas ou instituições públicas que atuam em prol da coletividade, sem fins lucrativos. Seu foco está em enfrentar problemas estruturais como pobreza, desigualdade e falta de acesso a direitos básicos como educação, segurança, saúde, moradia, lazer e cultura.
Com base em planos de ação estruturados e metas definidas, esses projetos têm como objetivo reduzir desigualdades, promover justiça social e transformar realidades, especialmente em regiões onde a presença do poder público é insuficiente.
O surgimento dos projetos sociais está diretamente ligado a períodos de profundas transformações. No cenário mundial, as primeiras experiências remontam à Revolução Industrial, entre os séculos XVIII e XIX, quando o crescimento das cidades trouxe consigo precarização do trabalho, más condições de vida e novos desafios sociais. Inicialmente marcados pela filantropia e pela caridade, esses projetos só ganharam caráter mais estruturado no século XX, com o avanço dos direitos humanos.
Marcos importantes, como a criação da Cruz Vermelha (1864), a fundação da Organização Internacional do Trabalho (1919) e a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), foram determinantes para consolidar a institucionalização de projetos sociais e políticas de proteção cidadã em escala global.
No Brasil, a trajetória está intimamente ligada à formação do Serviço Social, no início do século XX, como resposta às demandas sociais geradas pela industrialização. Durante as primeiras décadas, a atuação era dominada por entidades religiosas e filantrópicas, voltadas a hospitais, escolas e orfanatos. A partir dos anos 1930, com o Estado Novo e as primeiras políticas sociais para trabalhadores e famílias, a área se profissionalizou e ganhou inserção institucional.
Contudo, o maior avanço veio apenas com a Constituição Federal de 1988, que reconheceu a assistência social como direito de todos e dever do Estado. A criação do Sistema Único de Assistência Social (SUAS) e a Lei Orgânica da Assistência Social (1993) ampliaram o alcance dos projetos para além da filantropia e consolidaram o papel do Estado como principal garantidor de direitos.

Estrutura Social no Município
Em Santa Maria, a rede de proteção social está organizada a partir dos Centros de Referência de Assistência Social (CRAS) e do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS).
O CRAS é a principal porta de entrada do SUAS e atua em áreas de maior vulnerabilidade social. Entre suas ações estão acolhimento, acompanhamento de famílias, visitas domiciliares, oficinas de convivência, campanhas, palestras e encaminhamentos para outros serviços. Atualmente, a cidade conta com três unidades: CRAS Leste (Camobi), CRAS Oeste (Nova Santa Marta) e CRAS Norte (bairro Carolina).
Já o CREAS concentra o atendimento de casos mais graves, quem envolvem violações de direitos como violência física, psicológica e sexual, negligência, trabalho infantil, situação de rua e discriminação. O órgão também articula políticas públicas e instituições de garantia de direitos, com foco em evitar a reincidência de riscos, fortalecer a autonomia dos usuários e promover a defesa dos direitos humanos.
Em entrevista para entendermos a gestão dos projetos, o secretário de Desenvolvimento Social, Juliano Soares, explicou que a pasta administra recursos destinados a cerca de 100 projetos em Santa Maria. “Esses recursos vêm de emendas parlamentares, fundos municipais e programas estaduais e federais. A secretaria é responsável pela gestão e pela prestação de contas”, destacou.
Segundo ele, atualmente há cerca de 160 pessoas em situação de rua na cidade — número bem abaixo do registrado no Cadastro Único. “O CadÚnico acumula inscrições, muitas pessoas acessam e depois vão embora. Só neste ano, nossa equipe do CREAS atendeu 350 pessoas, mas o número real em situação de rua é de aproximadamente 160”.
Entre os projetos em andamento ou previstos, Soares citou o Centro POP, o CRAS Sul (com obras previstas para o próximo ano), o Centro Dia/Creche do Idoso em Camobi, além do Conselho Tutelar Sul. A secretaria apoia ainda 10 cozinhas comunitárias e 14 cozinhas solidárias, responsáveis por entregar refeições diárias a pessoas em vulnerabilidade. Uma dessas cozinhas comunitárias é o projeto Panela do Bem, que leva solidariedade às ruas de Santa Maria.
Solidariedade que alimenta corpo e coração
Em Santa Maria, um grupo de voluntários decidiu transformar empatia em ação. Assim nasceu o Panela do Bem, projeto que alimenta pessoas em situação de rua e famílias em vulnerabilidade social.
A iniciativa surgiu dentro do Projeto Esperança/Cooesperança, ainda sob coordenação da irmã Lourdes, e desde então tem mudado a realidade de quem mais precisa. Hoje, cerca de 170 pessoas recebem, semanalmente, não apenas uma refeição quente, mas também acolhimento e atenção.
O Panela do Bem funciona a partir de doações de alimentos, apoio de comerciantes locais e o esforço coletivo de 40 voluntários, que se revezam no preparo das marmitas. A cada quarta-feira, em um espaço improvisado cedido pela prefeitura, as entregas acontecem em clima de solidariedade e escuta. Mais do que comida, o grupo busca oferecer dignidade e esperança a quem enfrenta dificuldades.
Segundo o coordenador Clarício Severo Marques, conhecido como Katito, a meta é expandir o alcance do projeto para além do centro da cidade. “Mais do que comida, queremos levar esperança”, resume.
O grupo mantém uma rede ativa nas redes sociais, onde divulga o calendário de distribuição, organiza campanhas de arrecadação e conquista novas parcerias. Cada publicação impulsiona o engajamento da comunidade e garante que a iniciativa se fortaleça e alcance mais pessoas.
A produção das marmitas é planejada para evitar desperdícios e direcionar a ajuda de forma eficiente. “O objetivo é olhar a realidade de frente e lançar um olhar diferenciado às minorias que mais sofrem”, explica Katito.
Os voluntários atuam no projeto através de doações de alimentos, contribuições financeiras ou no preparo e entrega das refeições. Porque, quando a panela é do bem, a mesa se estende para todos.

Controle e transparência do Município
A destinação dos recursos pode ser acompanhada no site da prefeitura. O secretário afirmou que todos os projetos devem prestar contas regularmente e passam por fiscalização. Ainda assim, casos de desvios já ocorreram.
“Uma instituição chegou a receber 25 mil reais e simplesmente desapareceu. Estava tudo certo com a documentação, mas depois sumiu. Por isso foi cortada do programa”, relatou Juliano.
Para que um projeto social receba apoio municipal, é necessário estar inscrito em um dos seis conselhos municipais (como os de Assistência Social, Criança e Adolescente e Idoso). Apenas entidades com CNPJ ativo há pelo menos um ano podem concorrer aos recursos. Além disso, parcerias com vereadores, por meio de emendas parlamentares, também são uma via de acesso a verbas.
Apesar da rede de serviços, Santa Maria ainda enfrenta desigualdades regionais. A zona sul, sem um CRAS próprio, é considerada a área mais desassistida, enquanto a região oeste concentra maior número de projetos e cozinhas solidárias.
Para o secretário, o desafio é ampliar a cobertura da rede e fortalecer a articulação entre as secretarias municipais. “Trabalhamos em conjunto com saúde, habitação, cultura e lazer, porque a assistência social não se faz sozinha. O objetivo é garantir que esses projetos realmente transformem realidades e assegurem direitos fundamentais”, concluiu.
Histórias transformadas pela arte
Em Santa Maria, associações sem fins lucrativos têm desempenhado um papel fundamental na promoção da cidadania e da inclusão social. Entre elas, uma iniciativa se destaca: a Associação Orquestrando Arte.
Fundada em 2014, a Orquestrando Arte nasceu no bairro Alto da Boa Vista, passou pela Ulbra e hoje funciona na Antiga Reitoria da UFSM, em espaço cedido, enquanto busca sua sede própria. Atualmente, o projeto atende 177 alunos no contraturno escolar, e oferece oficinas de música, dança, teatro, crochê, costura criativa e feltro. As atividades surgem conforme as demandas dos estudantes e a disponibilidade dos voluntários.

A coordenadora pedagógica e professora de português, Lauren Moraes, entrou no projeto em 2016. Convidada por amigos, foi conhecer a iniciativa e nunca mais saiu. “Eu fui conhecer e tô conhecendo até hoje”, brinca. Ela começou como professora em aulas de reforço escolar e, com o tempo, se envolveu cada vez mais.“É um projeto que não é apenas para fazer parte, mas para acreditar no trabalho. A gente vem achando que vai só disponibilizar aulas, mas acaba recebendo muito em troca. É uma troca imensa, tanto profissional quanto pessoal”.
A Orquestrando Arte se sustenta com doações e com a aprovação em editais municipais, estaduais e federais, como a Lei de Incentivo à Cultura. A partir desses apoios, organiza espetáculos que levam ao palco a arte produzida dentro da instituição. O próximo, intitulado “Enquanto a Linha Toca”, está previsto para 5 de dezembro de 2025, no Centro de Convenções.
As oficinas abrangem dança, teatro, contrabaixo acústico e elétrico, guitarra, violão, percussão, flauta transversal, piano, trompete, violino, viola e coral, além da musicalização infantil. Como a estrutura depende de voluntários, novas atividades são abertas conforme a equipe cresce.
“A gente vai conseguindo conforme o que vai se acrescentando”, explica Lauren.
Hoje, a associação reúne cerca de 82 voluntários entre professores, estagiários, equipe administrativa e de comunicação.
Para Lauren, o vínculo vai além do trabalho: “É muito gostoso estar aqui. Claro que existem muitas demandas, mas acaba se tornando uma família. Cada dia é um presente”.
A transformação proporcionada pelo projeto pode ser percebida nas trajetórias de quem participa. É o caso de Taís Ramos, que conheceu a Orquestrando Arte quando as filhas, de 12 e 8 anos, ingressaram nas oficinas de dança. Mais tarde, seu filho também entrou na percussão. Com o tempo, ela passou a se envolver cada vez mais e, hoje, atua como assistente administrativa e aluna de dança.
“Eu vinha trazer ele e ficava observando as rotinas, as crianças chegando, o ambiente acolhedor e respeitoso. Isso tudo me chamava atenção. Um dia pensei: como eu poderia fazer parte disso? Até que veio o convite e fiquei”, lembra.A experiência não apenas aproximou Taís do universo da arte, mas também transformou sua vida pessoal.
“Tudo fez muita diferença, impactou muito. Como pessoa, me trouxe um crescimento, abriu meus olhos para aquilo que é importante. Foi através da arte e da cultura, que primeiro fizeram bem para minhas filhas e, depois, transformaram a nossa casa inteira”.
Quando chegou ao projeto, Taís havia recém concluído o Ensino Médio pelo EJA. Inspirada pelo ambiente, decidiu voltar a estudar, foi aprovada no Enem e hoje cursa Direito na UFSM. “Todos esses acontecimentos vieram a partir do Orquestrando. A convivência aqui me fez querer melhorar de alguma forma, para poder agregar mais”.
Outra história é a de Nicole Machado, filha da idealizadora e coordenadora da Orquestrando Arte. Ela costuma dizer que “já nasceu dentro do projeto”, pois sempre acompanhou a mãe.
Mesmo antes da idade mínima para ingressar, Nicole frequentava o espaço no contraturno escolar. Seu primeiro instrumento foi o violino, mas logo migrou para a flauta transversal — seu “instrumento do coração”. Além das aulas de música e dança, passou a ajudar também na área de comunicação, a partir de 2021, quando percebeu a necessidade de mais apoio.
“Eu fui ficando, fui aprendendo e ajudando como podia. Hoje não consigo imaginar minha vida sem o projeto. Desde que nasci estou aqui, então é estranho pensar em como seria viver fora dele”, afirma.
Com base no trabalho voluntário e no envolvimento comunitário, a Orquestrando Arte tem impactado não apenas os alunos, mas também suas famílias. Ao oferecer oficinas acessíveis de arte e cultura, a associação cria oportunidades de aprendizado, fortalece vínculos e promove inclusão social.
Histórias como as de Lauren, Taís e Nicole mostram que, mais do que ensinar música ou dança, o projeto transforma vidas e constrói cidadania.
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