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Slow journalism como manifestação da aceleração nas dinâmicas do Jornalismo

por Bruna Eduarda Meinen Feil



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“Controlados pelo relógio, dedicados ao conceito de atualidade, obcecados pela novidade, os jornalistas estão permanentemente envolvidos numa luta (aparentemente perdida) de reagir aos (últimos) acontecimentos”

Traquina (2005, p. 118)

O imperativo da velocidade nos processos de produção jornalística não é, nem de perto, algo novo. A notícia, produto clássico do Jornalismo, é efêmera e se desatualiza rapidamente não só em função da velocidade dos acontecimentos do mundo, mas também em virtude de uma lógica de operação característica da organização jornalística – que utiliza-se desta volatilidade para criar um mecanismo que fomenta a substituição regular de notícias ou seus desdobramentos, criando uma espécie de fluxo que se retroalimenta. A disputa pelo “furo”, o desejo de dar a informação “em primeira mão”, a capacidade de apurar e noticiar os fatos antes dos concorrentes são formas clássica de diferenciação competitiva no campo profissional que é capaz, inclusive, de oferecer certo “status” ou prestígio mesmo que momentâneos. 

Em nossa área de estudos, especialmente nos últimos dez anos, é possível mapear uma gama de trabalhos que discutem a intensa dinâmica de redações online/convergentes somada a urgência do mercado por jornalistas “multiplataforma” ou “multitarefas” que potencializam a pressão do tempo nas rotinas produtivas do Jornalismo. A pesquisadora Sylvia Moretzsohn, em seu livro “O fetiche da velocidade”, alerta que a tentativa de dominar o tempo e construir um simulacro da realidade indica o processo aparentemente irracional da produção das notícias. Para a autora, a velocidade converte-se em um “valor notícia” que passa a ter primazia inclusive sobre a qualidade dos conteúdos produzidos porque “antes de tudo, importa chegar na frente do concorrente” (MORETZSOHN, 2002, p.12).

Justamente em oposição a essa lógica de produção chamada por Moretzsohn de “irracional” é que surge e ganha força o movimento chamado de “slow journalism”. A expressão foi cunhada em 2007 pela teórica literária Susan Greenberg, que já na primeira década dos anos 2000 questionava a falta de investimentos dos veículos de imprensa em narrativas longas de não-ficção. A autora faz referência ao movimento slow food, fundado na Itália em 1989, como crítica à disseminação da alimentação industrializada e comercializada por empresas globais – o famoso fast food

De lá para cá, diversas publicações conceituando o movimento e distinguindo suas características vem aparecendo, inclusive no Brasil. Em um artigo publicado em 2019, Nickel e Fonseca (2019, p.18) apontam que “O que é relevante nas discussões levantadas pelo movimento é sua associação a questões éticas emprestadas dos demais movimentos slow”.  Nesse sentido, os movimentos adquirem um caráter político de resistência frente às exigências de produção e consumo veloz e irrefletido da vida contemporânea. 

As pesquisas sobre slow journalism enfatizam que o profissional precisa de tempo para que seja capaz de avaliar criticamente sua prática, começando pela escolha da pauta, que não é determinada pela pressão do que está acontecendo agora ou do que os outros veículos estão noticiando (GREENBERG, 2007). A jornalista e antropóloga dinamarquesa Anne Kirstine Hermann possui trabalhos interessantes a respeito dos movimentos slow. Ela critica o modo de produção acelerado e acredita que, por estarem obrigados a operar na velocidade das notícias online, os jornalistas tendem a optar pelo que oferece uma sensação maior de segurança: fontes oficiais e uma visão de mundo simplificada.  Para a autora, o slow journalism tem claras vantagens competitivas como negócio em um cenário de superabundância de informação e produção de conteúdo por amadores.

No contexto brasileiro, a pesquisadora Michelle Prazeres, da Universidade Cásper Líbero, também tem produzido trabalhos com foco no slow journalism. O que mais me interessa nas pesquisas dela é a articulação com a discussão sobre aceleração. Nessa entrevista publicada no site da Cásper, a professora explica que “o termo [slow journalism] engloba um conjunto de características que vêm sendo pesquisadas sob o guarda-chuva do slow media e surge em contraposição à aceleração das coisas”.

Assim como enfatiza Hartmut Rosa (2019, p.83), “o apelo à desaceleração e à nostalgia pelo ‘mundo lento”’ manifestam-se apenas quando vistos em perspectiva na Modernidade Tardia, já que a lentidão só pode ser vista e encarada como uma qualidade em contextos de intensa pressão pela aceleração. Uma vez que estamos discutindo a reivindicação do movimento slow journalism como sendo, no mínimo, plausível e interessante, esse parece ser um indício de que, de fato, há uma aceleração do tempo social e que seus reflexos no campo jornalístico são visíveis. 

Embora defenda que a experiência da modernização é uma experiência de aceleração, o sociólogo alemão aponta que, no entanto, é um erro pensar que tudo se acelera – o processo não ocorre de forma linear, mas em saltos, “de modo que sempre encontra obstáculos, resistências e contra-movimentos que podem retardar, interromper ou até mesmo inverter seu sentido” (ROSA, 2019, p.83).  Poderíamos dizer, então, que o slow journalism é um exemplo desses contra-movimentos ou elementos de inércia descritos por Rosa? Ainda não consigo afirmar com certeza, mas seguiremos discutindo e problematizando a relação do Jornalismo com o tempo em face da aceleração social por aqui!

Referências: 

GREENBERG, S. Slow journalism: Why doesn’t Britain have a culture of serious non-fiction journalism like the US? Prospect, [s. l.], 2007. Disponível: em:<http://www.prospectmagazine.co.uk/opinions/slowjournalism>. Acesso em: 05 out. 2020.

HERMANN, A. The Temporal Tipping Point. Journalism Practice, [s. l.], v. 10, n. 4, p. 492–506, 2016. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/17512786.2015.1102605>. Acesso em: 05 out. 2022. 

NICKEL, B.; FONSECA, V. P. S. O que é lento no slow journalism?: uma análise da sua relação com o tempo. Âncora: Revista Latino-americana de Jornalismo. João Pessoa: Universidade Federal da Paraíba, Programa de Pós-Graduação em Jornalismo. Vol. 7, n. 1 (jan./jun. 2020), p. 14-33, 2020.

ROSA, Hartmut. Aceleração: a transformação das estruturas temporais na modernidade. São Paulo: Editora Unesp, 2019.

TRAQUINA, Nelson. A tribo jornalística: uma comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis: Insular, 2005. 

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