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Comunicação de risco em desastres



Por Ana Karin Nunes* (Professora e Pesquisadora da Fabico/UFRGS, Doutora em Educação.)

 

As enchentes e inundações que causaram o maior desastre climático da história do Rio Grande do Sul, em maio de 2024, afetando mais de 2,3 milhões de pessoas, em 93% do total de municípios do Estado, colocaram luzes sobre a necessidade de políticas públicas eficientes na gestão dos riscos decorrentes da reorganização climática mundial.

Os efeitos catastróficos da sucessiva degradação do meio ambiente pela ação do homem, já previstos há décadas por especialistas, estão definitivamente instalados na vida e no cotidiano da população gaúcha. O negligenciamento histórico da gestão do risco, por diferentes governos e gerações, faz crescer agora o senso de urgência no planejamento de cidades e soluções mais resilientes à nova ordem climática. Nesse contexto, também ganha destaque o debate em torno da comunicação de risco, parte do processo de gestão de risco.

A comunicação de risco é uma área interdisciplinar, que se abastece de conhecimentos das Ciências da Saúde, Humanas, Sociais Aplicadas, Exatas e da Terra. Tem sua origem na área da Saúde, através da atuação de organizações como OMS e OPAS no enfrentamento a doenças infectocontagiosas e infodemias. Também é a partir da experiência de campo da área da Saúde que a comunicação de risco ganha destaque como processo de mão-dupla, de permanente compartilhamento de informações entre vários sujeitos no sentido de construir mensagens confiáveis e que permitam a tomada de decisão rápida frente a situações de perigo.

A Política Nacional de Proteção e Defesa Civil (PNPDEC), instituída pela Lei Federal Nº 12.608/2012 no Brasil, diz que o processo de Gestão de Risco e Gerenciamento de Desastres envolve cinco grandes fases: prevenção, mitigação, preparação, resposta e recuperação. A comunicação de risco de risco está presente em todas elas, como um processo desencadeado de forma contínua e permanente e não apenas em situações de emergência.

A comunicação de risco como processo interativo de troca de informações e opiniões entre diversos públicos, compreende múltiplas mensagens sobre a natureza dos riscos e a maneira como são identificados, analisados, gerenciados e incorporados na vida das pessoas. É da comunicação de risco a tarefa de informar sobre a natureza e consequência dos riscos, mas, sobretudo, de coletar opiniões sobre como os cidadãos interagem com os riscos no dia a dia e como percebem suas peculiaridades. No caso de desastres como o que aconteceu no Rio Grande do Sul em maio de 2024, muito se questionou sobre a ineficiência de mensagens de comunicação de risco que não orientavam a população claramente sobre o que fazer durante as inundações, sobre como proceder uma evacuação de forma segura, entre outras situações. Uma ineficiência que é resultado de uma comunicação feita às pressas, onde pouco se sabia sobre os riscos que deveriam ser comunicados, tampouco sobre o perfil e formas de interação com quem deveria receber a mensagem em tempo real. Quando a gestão falha, a comunicação não faz milagres.

Prevenção, mitigação e preparação são as três fases da gestão do risco que antecedem a gestão do desastre. A comunicação de risco atua nessas fases por meio da escuta ativa das partes interessadas no risco, na identificação, mapeamento e monitoramento de ameaças e vulnerabilidades. Também tem papel determinante na educação para riscos, auxiliando em simulações, capacitações e treinamentos junto à população e públicos estratégicos como autoridades, gestores e imprensa. Na fase de preparação, cabe também à comunicação de risco auxiliar no desenvolvimento de sistemas de alerta e monitoramento precoce, em canais efetivos de interação com a população, que tanto permitam agilidade na entrega de dados quanto no retorno sobre o que está acontecendo nas comunidades que interagem com os riscos.

Na fase de resposta em situações de desastre, os sistemas de comunicação precisam estar preparados para fornecer informações claras e precisas sobre os riscos. Um trabalho que requer atuação em rede de especialistas, órgãos públicos, imprensa e sociedade. O desencontro de informações que se presenciou durante o desastre climático no Rio Grande do Sul reflete a realidade de uma sociedade que não gerencia riscos, que não consegue trabalhar em rede e que, via de regra, dá pouquíssimo valor ao conhecimento científico que produz. Em meio ao que diz o rádio, o jornal, o prefeito, a rede social e o Grupo de WhatsApp da família, quem sofre é quem vê a água chegando na porta de casa e não sabe se deve sair, tampouco para onde ir.

No caso dos municípios da região metropolitana de Porto Alegre, observou-se um conjunto de gestores públicos despreparados para lidar com situações de emergência. Um despreparado que passa pela falta de entendimento sobre gestão de risco, de volume de pessoal capacitado para lidar com desastres, de sistemas robustos de geração de informação sobre a interação dos riscos. Quanto à comunicação, ficou clara a necessidade urgente de profissionalização, em termos de sistemas, processos e pessoas.

O Marco de Sendai, acordo internacional que estabelece objetivos e metas para reduzir o risco de desastres no mundo, firmado durante a 3ª Conferência Mundial sobre a Redução de Risco de Desastre, em 2015, no Japão, coloca a comunicação como prioridade para a compreensão do risco de desastre, para a melhoria dos sistemas de preparação e reconstrução e para o diálogo entre as partes interessadas. Nessa direção, recomenda-se o fortalecimento de meios de comunicação, incluindo mídias sociais e meios tradicionais, big data e redes de telefonia móvel para apoiar medidas de comunicação bem-sucedida. Também se enfatiza o desenvolvimento de tecnologias sociais e sistemas de telecomunicações de monitoramento de perigos, além de canais de difusão de alerta precoce sobre desastres naturais. Nesse contexto, os meios de comunicação são chamados a assumir papel ativo e inclusivo, contribuindo para a sensibilização e entendimento público sobre riscos de desastres, em estreita cooperação com autoridades, especialistas e sociedade.

De forma geral, pode-se dizer que temos bons marcos teóricos sobre o papel da comunicação de risco em desastre. Mas, há um longo e desafiador caminho no que diz respeito à apropriação dessa lógica e profissionalização de pessoas, em todas as esferas, para a gestão e comunicação de riscos. Autoridades, figuras públicas e veículos de comunicação devem se preparar melhor para um processo permanente de educação para riscos junto à população. Os sistemas de alerta precisam ser melhorados, gerando informações confiáveis, oportunas, simples, e que cheguem de forma rápida a todas as pessoas, especialmente aquelas em situação mais vulnerável. Por sua vez, as pessoas precisam saber o que podem ou não esperar dos sistemas de alerta e que decisão devem tomar frente aos perigos. Profissionalização e confiança são duas palavras-chave nesse caminho.

 

*Ana Karin Nunes é Doutora em Educação (UFRGS), Professora e Pesquisadora de Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação (Fabico) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Interinstitucional (UFRGS e PUCRS) Risco, Crise e Comunicação (RCCom). Vice-Diretora do Centro Universitário de Estudos e Pesquisas sobre Desastres do Rio Grande do Sul (CEPED RS).

 

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