Por Bianca Persici Toniolo (Doutora em Ciências da Comunicação, professora nas universidades da Beira Interior e de Coimbra e investigadora no LabCom – Portugal)
No dia 28 de abril de 2025, a Península Ibérica mergulhou num apagão de proporções históricas, comprometendo sistemas elétricos, telecomunicações e internet em larga escala. Em meio ao colapso das infraestruturas tecnológicas, à falha na rede de comunicação de emergência do Estado Português (SIRESP), à propagação de desinformação de forma generalizada e, até mesmo, por autoridades públicas, um canal de comunicação tradicional evidenciou a sua resiliência: o rádio. Este episódio resgatou a relevância do rádio na comunicação de emergência, desafiando a ideia de que as tecnologias analógicas são obsoletas. Mais do que uma lembrança nostálgica, o rádio mostrou ser fundamental para informar e coordenar respostas públicas.
Durante emergências, a comunicação deve estar estruturada num o fluxo contínuo entre e intra organizações, média de massa e o público afetado. No entanto, com o apagão de 2025, o fluxo direto de informações entre os cidadãos e as organizações públicas, bem como o intercâmbio entre os próprios cidadãos, foi abruptamente interrompido. Sem internet e sem redes móveis, o rádio assumiu um papel central de recomposição funcional da comunicação de emergência. Ainda, o rádio revelou-se um elo comunitário, reforçando laços entre os cidadãos através de rádios regionais e comunitárias e de programas de serviço público que compartilhavam relatos locais e necessidades urgentes. Contudo, o Governo de Portugal mostrou não saber se aproveitar desse canal para manter operacional a comunicação das organizações públicas com os cidadãos.
O rádio já vem sendo apontado como o meio mais confiável em desastres naturais e falhas de infraestrutura em diversos estudos sobre comunicação de emergência. Com transmissores alimentados por geradores e recetores acessíveis, o rádio continuou funcionando mesmo quando a internet e a telefonia colapsaram. Durante o apagão da passada segunda-feira, foi através do rádio que alertas, boletins de emergência e orientações chegaram aos cidadãos. Ao contrário das redes sociais digitais, afetadas por rumores e desinformação, o rádio permitiu uma comunicação mais precisa, controlada e ética. As emissoras locais, como historicamente demonstrado pela rádio KPBS na ocasião dos incêndios de San Diego (Estados Unidos), em 2003, atuam como agregadores de informação confiável. Durante o apagão, esse papel foi reafirmado pelas rádios portuguesas.
Diante da importância do rádio, urge que a comissão técnica independente criada pelo Governo Português para apurar os acontecimentos relacionados ao apagão conte com especialistas em comunicação de risco e crise. O episódio também mostrou a urgência de políticas públicas que garantam a manutenção e modernização das infraestruturas de rádio. A integração de rádios regionais e comunitárias nos planos de contingência e nos protocolos da proteção civil devem ser uma prioridade nos planos de gestão de risco. Acima de tudo, este apagão nos recorda que devemos valorizar o rádio como um símbolo de autonomia comunicacional, um aliado estratégico em tempos de crise.
O apagão da Península Ibérica em abril de 2025 não foi apenas um evento técnico, mas uma revelação estratégica: a comunicação de emergência não pode depender exclusivamente das redes sociais digitais. O rádio, frequentemente subestimado, mostrou-se essencial para informar, proteger e conectar a população num momento crítico. É hora de redesenhar políticas públicas à luz dessa evidência e — por que não? — garantir que todos nós tenhamos um “radinho” de pilha sempre por perto.
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Artigo publicado no Jornal do Fundão, Ano 79.º, N.º 4108 (Portugal).
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