“Se você não está acima da sua cabeça, como você sabe o quão alto você é?” (T.S. Eliot)
Já contamos por aqui que estou participando de duas novas pesquisas a partir deste ano – o Worlds of Journalism Study, que visa estudar os níveis de risco e incerteza que os jornalistas enfrentam no seu trabalho, e o Democracia em Perigo, que destaca os riscos da desinformação para os processos e instituições democráticas no País.
Perigo, risco e incerteza são eixos orientadores das duas pesquisas. E isso não é à toa: a ideia de crise tem configurado debates sobre o contemporâneo e sobre o jornalismo há algum tempo. As mudanças climáticas, objeto de interesse das pesquisas da profa Márcia Amaral, também são exemplo importante de como essas noções mobilizam o jornalismo.
De formas distintas, estas ideias estão pipocando nos trabalhos que eu e a Márcia temos orientado no Poscom UFSM. O trabalho da Márcia já está ativo há mais tempo e tem pensado o modo como o jornalismo narra situações limite, como acontecimentos traumáticos, em particular desastres ambientais. Este artigo dela, em parceria com colegas do Observatorio de la Comunicación del Cambio Climático da Espanha, aponta para a dificuldade dos jornalistas em tratar do tema das mudanças climáticas a partir de sua complexidade.
“Pode-se concluir que as referências a catástrofes e/ou desastres nas notícias cujo tema principal são as mudanças climáticas são vazias de conteúdo. As palavras “catástrofe” ou “desastre” relacionadas às mudanças climáticas, em vez de alertar emissores e receptores, os colocam em uma zona de conforto semântico em que a capacidade de explicar e entender é inibida como se estivéssemos diante de uma palavra estereotipada. Por que explicar ou entender mais se isso já disse tudo?” (Ascencio et al, 2022, p. 545).
Esta “inação”, como os autores definem, do jornalismo frente a situações de perigo e acontecimentos sociais complexos (como são os desastres) nos dão pistas sobre modos de existir coletivamente no contemporâneo.
A Claudine Friedrich, mestranda no Ejor, está pensando seu projeto a partir da cobertura sobre Covid-19 nos últimos anos. Uma das problemáticas da pesquisa dela tem apontado para a dificuldade de o jornalismo ser plural em um contexto de negacionismo científico. Neste texto ela escolheu pensar sobre isso a partir do trabalho da Thaiane Oliveira (UFF), que define nosso como um tempo de crise das comunidades epistêmicas. De modo distinto, a Bruna Feil, também mestranda, está pensando nas repercussões dos processos de aceleração do Tempo Social no jornalismo. Ela está estudando o trabalho do sociólogo alemão Hartmut Rosa, que defende a ideia de que a aceleração é reflexo de um modelo de sociedade que se organiza a partir de um jogo de pressões entre crescimento constante e inovação constante.
Onde quero chegar? Estamos estudando coisas tão distintas, mas olhando para um mesmo fenômeno geral: vivemos em um tempo de incertezas. Em um texto de 2015 a pesquisadora Barbie Zelizer (2015, p. 889) diz: “Dada a insistência da modernidade na ordenação racional e lógica do conhecimento, a incerteza levanta problemas particulares para seus resíduos e, em muitos casos, sua intrusão no mundo social e físico obscurece o arranjo ordenado esperado de bens simbólicos e materiais”.
Para ela, quando usamos a ideia de “crise” estamos navegando a partir da confusão que a incerteza gera sobre esses modelos de representação social já conhecidos. Mas a nossa tendência é colocar tudo no mesmo “balaio”, naturalizando diferenças entre fenômenos, nublando nossa capacidade de compreensão sobre suas circunstâncias e evitando lidar com muito do que a história nos ensinou sobre sua padronização. Nas palavras de Zelizer:
“… a noção de crise que prevaleceu entre muitos observadores repousa em temporalidades e geografias particulares no cerne de seu imaginário. Invocar a “crise” como uma forma de explicar a situação do jornalismo perde uma oportunidade de reconhecer quão contingentes e diferenciados podem ser os futuros do jornalismo. Também levanta questões críticas sobre como as instituições lidam com a incerteza em sua essência”.
A proposta geral de Barbie é sugerir a necessidade de abandonar o conceito de “crise” e aprofundar no pântano mais denso da incerteza, buscando compreender a multiplicidade daquilo que se materializa em nosso objeto particular de interesse: sua história, seus padrões institucionais e sociais, seus corporativismos. Isso nos permitirá observar o objeto científico a partir de suas multiplicidades, seus tamanhos e desenhos próprios. Não parece um convite interessante?
Lozano-Ascencio, C., Franz-Amaral, M., & Puertas-Cristóbal, E. (2022). Las catástrofes y los desastres en las noticias sobre el cambio climático en España de 2019 a 2021. Estudios sobre el Mensaje Periodístico 28 (3), 537-548. DOI: 10.5209/esmp.80591
Zelizer, B. (2015). Terms of Choice: Uncertainty, Journalism, and Crisis. Journal of Communication (65), 888-908. DOI: 10.1111/jcom.12157