Com a expressão “Anapuaiake unai!”, a indígena Edna Marques da Silva, 18 anos, da etnia Terena, agradecia a oportunidade de estar mais perto de realizar seu sonho: cursar Direito. Edna, que reside em uma aldeia junto com mais 80 famílias no Mato Grosso do Sul, enfrentou 28 horas de viagem para estar em Santa Maria na manhã do último domingo (17) a fim de realizar a prova do primeiro Processo Seletivo Indígena da UFSM.
A ideia de criar um vestibular específico para índios aldeados veio de uma demanda da própria comunidade indígena, e se concretiza dentro das previsões do Programa de Ações Afirmativas da instituição. Por meio de uma prova com questões específicas da temática indígena, os candidatos terão nova chance de ingressar na universidade: são 20 vagas ofertadas em 20 cursos de graduação.
O edital foi elaborado em 2015 junto à Comissão de Implementação e Acompanhamento do Programa Permanente de Formação de Acadêmicos Indígenas, responsável pelos assuntos relacionados ao ingresso de indígenas na universidade. Com isso, foi possível que a escolha dos cursos se desse também conforme a necessidade dos próprios indígenas.
Ao todo, foram 129 inscritos no processo seletivo, sendo que, destes, 101 realizaram a prova em Frederico Westphalen, e 28 no campus de Santa Maria. A abstenção foi de 30%.
A prova
O processo classificatório da Seleção Indígena 2016 foi constituído por uma prova com 20 questões de múltipla escolha, composta pelas disciplinas de Biologia, História, Língua Portuguesa e Matemática, e por uma prova de redação relacionada à temática indígena (equivalente a cinco acertos).
Para conseguir contextualizar o assunto de maneira acessível, a banca responsável pela elaboração da prova teve auxílio de um pedagogo indígena.
A pró-reitora de Graduação, professora Martha Adaime, explica que o processo seletivo específico “aproxima o candidato e faz com que ele seja devidamente avaliado dentro das suas particularidades, de forma mais justa”.
Joceli Sirai Sales, 22 anos, entrou para o curso de História da UFSM pelo sistema de cotas em 2015. Proveniente da aldeia do Guarita, localizada na região Celeiro do Estado, ele conta que teve certa dificuldade para a realização do vestibular tradicional. Para ele, a criação de um processo seletivo específico representa, junto à luta e à resistência do povo indígena, uma nova forma de aproximar as culturas. “O vestibular específico deve cumprir sua finalidade. Tem que ser específico na prova, com atendimento diferenciado. Com a prova assim, podemos, de fato, mostrar nossos conhecimentos e reforçar nossa cultura”, ressalta o estudante.
Na companhia de mais dois aldeados, Mara Pedroso Lima, 20 anos, veio da aldeia de Serrinha, localizada em Ronda Alta, para concorrer a uma vaga no curso de Tecnologia em Alimentos. A representante da etnia Kaingang está confiante sobre o resultado da prova e, se for aprovada, planeja dar o seu máximo nos estudos para interligar as culturas. Depois de formada, ela pretende voltar para sua aldeia para poder transmitir ao seu povo todo o conhecimento adquirido.
Ingresso e permanência
A indígena Edna, do início da matéria, revela que só o fato de ter o nome na lista da prova do vestibular foi motivo de festa em sua aldeia. Apesar de ter alguns parentes estudando em universidades, nenhum deles fica na região Sul do Brasil. Mesmo sem conhecer ninguém por aqui e ter de conviver com uma cultura diferente da sua, Edna diz estar ansiosa pelo resultado da prova, já que a UFSM é referência na assistência estudantil.
“Meu avô sempre me incentivou a estudar, a buscar conhecimento fora e repassar para os outros o que eu já sei, levar a minha cultura. Quero cursar Direito para aprender as leis, reconhecer meus direitos e passar para o meu povo. Mas é difícil sair da aldeia para um lugar novo. Fiquei sabendo que a UFSM dá apoio aos índios e, por isso, seria uma alegria enorme vir para cá”, revela Edna.
Rosane Brum Mello trabalha com ações afirmativas na Pró-Reitoria de Graduação e afirma que a universidade avançou tanto nas políticas de acesso à graduação quanto no processo de ingresso e permanência. “A UFSM tem, cada vez mais, se destacado na assistência estudantil. A partir do momento em que o indígena entra na universidade, tem acesso à Casa do Estudante, à bolsa auxílio-alimentação e, em casos específicos de cursos como Odontologia, à kits pedagógicos”, explica Rosane.
Atualmente, cerca de 40 indígenas estão matriculados em cursos de graduação da UFSM. Em março do ano passado, a universidade anunciou a construção de moradias exclusivas para estudantes indígenas no campus. O projeto, que já está em andamento, configura-se como inédito no Brasil e tem como objetivo proporcionar maior integração entre os indígenas e fortalecer suas culturas.
Mais informações sobre o Processo Seletivo Indígena no site da Coperves.
Texto e fotos: Tainara Liesenfeld, acadêmica de Jornalismo, bolsista da Agência de Notícias