Para Thomas Kuhn¹, uma revolução na ciência requer o abandono de paradigmas equivocados para atingir um patamar mais elevado do conhecimento. E não há ideia mais ultrapassada que pensar que ciência não é lugar de mulher.
A pesquisadora Thaisa Storchi Bergmann é, nessa revolução, um exemplo e uma inspiração para muitas meninas e mulheres. Hoje, no Dia Internacional da Mulher, o PET Divulga traz alguns trechos da entrevista conduzida com a pesquisadora em Novembro de 2018, falando sobre a participação da mulher no meio acadêmico e sobre a sua trajetória científica.
“Quando entrei na física haviam poucas mulheres. Eu diria que as coisas melhoraram na ciência quanto à participação das meninas – inclusive estou entusiasmada, que aqui em Santa Maria se vê muitas mulheres na física -, mas eu acho que ainda podia ter mais. O objetivo é chegar nos 50%; somos 50% da população.”
A pesquisadora recebeu seu título de Doutora em Física pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) em 1987, com uma tese sobre galáxias ativas – cuja luminosidade está entre as luminosidades de galáxias típicas e quasares, e que possuem um núcleo ativo (AGN) – com linhas de emissão intensas de nitrogênio. No seu trabalho recente junto com o Grupo de Astrofísica da UFSM, estudou os inflows(matéria caindo em direção ao centro do buraco negro) e outflows(ejeções de matéria a partir do buraco negro). Ela também apareceu no exemplar de January 2019 da Nature Astronomy, em um artigo de revisãoonde discutiu os aspectos de alimentação de buracos negros junto do professor Allan Schnorr-Müller.
“Existem diferenças entre homens e mulheres, até nos projetos científicos – e acho que esse lado feminino de ver as coisas é muito importante, é relevante trazer novas visões.”
Em 2015, Thaisa recebeu o prêmio internacional L’Oreal-UNESCO para Mulheres na Ciência. O prêmio recompensa, incentiva e coloca sob os holofotes excepcionais cientistas. Duas delas inclusive foram posteriormente reconhecidas com o Prêmio Nobel: as Dras. Ada Yonath e Elizabeth Blackburn.
“Temos que continuar estimulando [a participação das mulheres], porque não tem muito modelo. Pra uma menina de 10, 12 anos, não se vê muita referência de cientista. Está melhorando um pouco, alguns têm, mas não é tão frequente ainda. Ainda dominam os exemplos de atrizes, cantoras como sendo a coisa mais glamourosa, então eu acho que esses prêmios são importantes pra isso: eles alcançam cada vez mais diferentes meios de comunicação, e acabamos nos tornando um role-model pra essas meninas. Isso mostra para elas que fazemos sucesso.”
“Paradoxalmente, como ainda somos minoria, acabamos ganhando mais destaque: quando ganhamos notoriedade, destoa. Mas ainda tem muita menina que fica intimidada. Às vezes elas são feitas pensar que os meninos têm mais capacidade na computação, pra matemática, e eu diria que é algo que podemos vencer.“
A pesquisadora foi elencada pela jornalista Débora Thomé como uma figura uma das 50 Brasileiras Incríveis pra conhecer antes de crescer, em seu livro.
“Eu me orgulho bastante desse livro, porque recebi o reconhecimento como cientista.”
A obra é voltada ao público infantil, entre 5 e 12 anos. Quando questionada sobre a relevância desse material, a astrônoma considera importantíssimo:
“Dei algumas palestras para crianças. Parece-me que quando bem jovens as meninas e os meninos têm interesses semelhantes, até aproximadamente os 8 anos. Não sabemos dizer exatamente até que ponto isso é um fator social, mas certamente ele influencia na afeição pela ciência.”
A prof. Thaisa também produz vídeos sobre ciência e os divulga na internet. Para ela, as mídias sociais são importantes porque democratizam o acesso ao conteúdo.
“Cada um procura e acha o que gosta, e se a pessoa está fazendo algo que os outros gostam, ela tem sucesso na empreitada. Ela te permite ter o teu espaço, mesmo com poucos seguidores, que pensam como você. É importante explorar essa ferramenta – o mundo é assim agora.”
A sua convicção é que há um caminho para mudarmos as mazelas sociais, e aumentar o suporte a quem tiver interesse numa carreira científica.
“Pra gente mudar o estado das coisas é o velho investimento na educação. Todas crianças são curiosas; de alguma forma essa curiosidade vai mudando com o tempo, e o papel do educador é fundamental para manter aceso esse interesse.”
Na sua opinião, já há projetos muito legais sendo feitos com esse intuito.
“Lá no Institudo de Física [da UFRGS] tem a Daniela Pavani, que é a nossa Diretora do Planetário, com programas de oficinas que ela leva às escolas, – especificamente pras meninas -, pra despertar o interesse e mostrar que elas podem fazer coisas que são interessantes pra ciência. Mostrando coisas simples que dão “o gostinho” de fazer ciência, dando motivação pra trilhar uma trajetória acadêmica, pra não perder a vontade.”
Neste mês de Março, o PET – Física parabeniza todas as mulheres que pesquisam, ensinam e inspiram na empreitada de construir um mundo mais justo.
[1] Thomas Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions(2ª edição).
Entrevista feita pela equipe do PET-Física e texto por Luis Fernando Fontoura, membro do PET – Física.