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Vozes femininas: reflexões sobre as mulheres na ciência no Workshop in Complexity of Water and Other Liquids



No início deste mês, a Universidade Federal de Santa Maria sediou a 14ª edição do Workshop in Complexity of Water and Other Liquids. O evento, com duração de três dias, foi organizado pelos docentes da UFSM Carolina Jauris, do Departamento de Química, Mateus Köhler do Departamento de Física, pelos docente da UFPel José Bordin da Universidade Federal de Pelotas  e pela docente da UFRGS Marcia Barbosa, atualmente Secretária de Políticas e Programas Estratégicos do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A reunião aconteceu no auditório C, anexo ao prédio 18 do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE). O workshop visou reunir diversos grupos do Brasil e do exterior que trabalham com líquidos, interfaces líquido-sólido e soluções aquosas para discutirem sobre os mais recentes resultados na área. 

O primeiro dia foi direcionado ao evento satélite “Mulheres na Ciência” vinculado ao Workshop, que contou com a apresentação de teatro “A saga de Carlota” e a mesa redonda Parents In Science  – paternidade/maternidade na ciência em português – com a participação das cientistas renomadas Marcia Barbosa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), Carolina Brito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Lucimara Roman da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o debate foi mediado pela Profª Daiani Leite da UFSM. 

Cerimônia de abertura 

Durante a abertura do evento, a Profa. Carolina Jauris, do Departamento de Química da UFSM e integrante da Comissão Organizadora deste, iniciou, marcando o segundo ano consecutivo deste evento em Santa Maria, que ocorre desde 2010. Além de agradecer a todos os presentes, a docente chamou ao palco a Pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa (PRPGP) e docente do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular, Cristina Nogueira, para proferir algumas palavras antes do início das apresentações.

Cerimonia de abertura pela Profa. Carolina Jauris

Em sua fala, a Pró-reitora expressou sua admiração pela coragem das palestrantes da mesa redonda e das responsáveis pelo teatro, Carolina Brito e Marcia Barbosa em abordar “verdades inconvenientes”, como a não valorização das mulheres  cientistas. Ela ressaltou um ponto marcante: a ausência, ao longo dos 60 anos da UFSM, de uma Vice-Reitora em gestões passadas e a recente inclusão de uma Vice-Reitora e Pró-Reitora de Pós-graduação e Pesquisa na nova gestão. Com isso, destacou a presença minoritária de mulheres em cargos de destaque na instituição, apontando a desigualdade de gênero nos níveis mais altos de gestão.

A professora também compartilhou sua experiência quanto à distribuição espacial em reuniões de gabinete, onde os homens sentam inicialmente nas cadeiras disponíveis, deixando as mulheres para trás. Ela revelou a mudança ao longo do tempo, com as mulheres se organizando para ocupar os lugares, formando um grupo coeso durante as reuniões.

A ciência como ela é: “A saga de Carlota” 

Peça “A saga de Carlota”, apresentado pelas cientistas Carolina Brito e Marcia Barbosa

Carolina Brito, docente da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e protagonista da peça, relata que suas experiências eram usualmente apresentadas em slides. Contudo, um momento desafiador surgiu quando teve que compartilhar esses episódios em um ambiente fora do ambiente acadêmico, sem recursos técnicos. Foi então que optou por transformar esses slides em uma peça teatral.

“A saga de Carlota” é uma peça que aborda temas relacionados à ciência, mas especificamente focada na figura de Carlota, nome da personagem principal, igualmente  cientista, como a atriz que a interpreta.

Trecho da apresentação no auditório Marie Curie, anexado ao prédio 17 da UFSM

A narrativa  aborda momentos específicos da jornada de Carolina, revelando os desafios enfrentados desde a infância até seu doutorado. Dentre estes, estão questões como maternidade, assédio por parte de professores e colegas, participação feminina na esfera política, preconceitos acadêmicos, assédio de superiores e questões de diversidade racial. Frequentemente, ela apresentava um olhar crítico e cômico sobre o universo da pesquisa científica e suas nuances.

Para quem quer mais informações sobre a peça teatral, ela se encontra disponível no canal do Youtube NAPEAD através da playlist “Meninas na Ciência” também e pode ser ouvida em formato de podcast no site da UFRGS.

 

Mesa Redonda: “Parents In Science”

A mesa redonda propôs aprofundar as discussões sobre gênero e maternidade na ciência. Teve como objetivo explorar e compartilhar experiências  para promover a inclusão de diversas gerações de mulheres no campo científico, sendo mediada pela Profª Daiani Leite, do Departamento de Física da UFSM. A dinâmica do debate abordou temas tratados na peça teatral, ampliando para a questão mais complexa:a maternidade na ciência. Com o intuito de inspirar as mulheres presentes e destacar as questões persistentes relacionadas às mulheres na sociedade e no ambiente acadêmico, finalizaram com um diálogo interativo entre elas e o público. 

Na mesa de debate, o primeiro tópico abordado foi o fenômeno conhecido como “efeito tesoura” ou “funil”. Este efeito evidencia que, embora as mulheres sejam maioria na graduação e pós-graduação, essa representação diminui consideravelmente em áreas como pesquisadoras recém-contratadas, bolsistas de produtividade e cargos de liderança superiores, ou seja, representados pela ponta do funil ou da tesoura. Surgiu, então, a indagação sobre as experiências das palestrantes em relação a esse fenômeno ao longo de suas trajetórias e se isso continua sendo um problema. 

Lucimara Roman (UFPR) compartilhou sua visão, apontando que esse efeito tem uma amplitude considerável, e relembra que, em sua época de estudante, eram poucas mulheres que ingressavam em cursos como química, física e engenharia. Embora a situação atual seja diferente, a progressão dessas mulheres para posições de destaque ainda é limitada. Ela ressaltou, ainda, que esse tipo de obstáculo pode influenciar a autoconfiança, levando muitas a duvidarem de sua competência e, consequentemente, a se absterem de assumir cargos condizentes com seu potencial. Além disso, relembrou uma experiência pessoal durante seu mestrado na UFPR:

 “Fui a um congresso onde todos os alunos recebiam hospedagem e alimentação. Ao chegar para pegar meu quarto, o atendente disse que não havia quartos para meninas. Tive que procurar outro lugar e pagar com meu próprio dinheiro.” 

Lucimara Roman (UFPR)

Na discussão, a mediadora, Profª. Daiani, retoma um aspecto crucial destacado nas respostas: a autoexclusão e a exclusão às mulheres imposta pela sociedade. Ela aponta que, muitas vezes, as mulheres agem somente quando têm certeza de que vão acertar, vivenciando uma constante vigilância para realizar as ações da maneira mais correta possível, visando evitar julgamentos. Isso se contrapõe à postura masculina, onde há uma maior disposição para assumir responsabilidades e riscos, independente do resultado, e, mesmo que não alcancem o sucesso, são menos julgados, recebendo uma avaliação como “ele não conseguiu, mas ao menos tentou”. Essa discrepância nos padrões de julgamento baseados no gênero pode impactar profundamente as mulheres no ambiente acadêmico e profissional.

A segunda questão em discussão foca em “como alcançar de maneira efetiva aqueles que precisam ouvir” o que foi discutido durante a mesa redonda. O público presente pode carregar preconceitos inconscientes, mas demonstra, ao menos, um mínimo interesse em compreender e aprender sobre o tema. No entanto, a preocupação central é como atingir aqueles que não estão presentes, mas que deveriam estar, ampliando o alcance das discussões para além do grupo atual.

Mesa redonda composta pelas cientistas Lucimara Roman (UFPR), Marcia Barbosa (MCTI) e Carolina Brito (UFRGS) mediado pela Profª Daiani Leite da UFSM

Marcia Barbosa (MCTI) recorda um evento da Sociedade Brasileira de Física em que esse tópico foi abordado pela primeira vez. Durante um encontro que reunia membros da comunidade, incluindo mulheres, surgiu uma discussão que, ao despertar a curiosidade, colegas interromperam suas atividades para criticar. Barbosa observa que esses críticos não haviam contribuído com artigos sobre o tema, mas todos defendiam apenas “opiniões” sobre o porquê não havia mulheres na ciência. Ela enfatiza a necessidade de apresentar dados, artigos e números concretos em vez de depender de suposições ou achismos. A pesquisadora destaca o impacto desse movimento e que começou a partir desta vivência criar um grupo dedicado a buscar dados, números e políticas concretas.

Para a terceira questão, a Profa. Daiani apresentou dados do artigo intitulado Bias against parents in science hits women harderO preconceito contra os pais na ciência atinge  mais severamente as mulheres, traduzido para a língua portuguesa – , publicado neste ano, que explorou a perspectiva de pais e mães que atuam como professores. Este estudo revelou um viés negativo associado à maternidade, sugerindo que ser mãe pode ser percebido como um obstáculo para o avanço na carreira acadêmica, em vez de ser encarado como um caminho para o sucesso.

A sentença apresentada aos participantes desta pesquisa foi a seguinte: “Ter filhos não mudou as percepções dos meus colegas e chefia em relação ao meu comprometimento e competência em relação ao meu trabalho.” Curiosamente, 63% dos pais concordaram com essa afirmação, enquanto 35% das mães concordaram completamente com a frase.

Neste contexto, foi proposto que as professoras e pesquisadoras Carolina e Lucimara compartilhassem suas experiências com a maternidade e respondessem à questão levantada na pesquisa, baseando-se em suas vivências pessoais, expressas a seguir.

Carolina Brito (UFRGS) compartilha uma perspectiva diferenciada sobre a maternidade aos 45 anos. Ela recorda que, até seus 39 anos, tinha uma visão diferente das mulheres grávidas, mas ao considerar as estatísticas que apontam para maiores complicações após os 35 anos, percebeu a dimensão biológica dessa questão. “Em que momento da minha vida, eu que me considero uma pessoa científica, ignorei a ciência?” , reflete Carolina; mas reconhece que, na vida acadêmica, é comum que as pessoas se estabeleçam tardiamente, complementando: “podemos tudo, exceto o que a biologia não deixa.” 

Sua experiência pessoal, como mãe de um bebê prematuro, foi intensa no início, mas que atualmente está tudo bem. Ela levanta a questão das dificuldades enfrentadas pelas acadêmicas, especialmente aquelas na graduação, que não têm direitos assegurados por lei, como licença maternidade. Em contraste, as estudantes de pós-graduação têm um período definido, embora insuficiente, de quatro meses. Este tempo é auxiliar no processo, mas não resolve a questão em sua totalidade. 

Em complemento, uma vitória a favor das mães pós-graduandas a nível nacional, neste ano, foi a aprovação do Projeto de Lei nº 1.741/2022. Este institui o direito à prorrogação de prazos de defesas de dissertação ou tese a mulheres que se tornaram mães durante a realização dos cursos. Com essa garantia, não precisarão se preocupar em produzir conteúdos e produtos científicos no período de licença maternidade, possibilitando se dedicar mais aos cuidados maternos. 

Desde o início, Lucimara Roman (UFPR) não planejava ser mãe, seu foco estava na carreira científica e a maternidade chegou trazendo um amadurecimento inesperado. Sentia que precisava planejar para conciliar o sucesso na ciência com a maternidade. Ter liberdade e apoio para equilibrar ambos seria seu desejo ideal, mas a realidade foi diferente. Ingressou como professora e consolidou seu laboratório. Quando viu seus primeiros alunos prontos para lidar com o laboratório durante sua licença maternidade, decidiu ter filhos, um total de três. 

Lucimara também relembra outra situação: antes do nascimento do filho previsto para outubro, ela comunicou ao chefe de Departamento sobre a necessidade de agilizar a busca por um professor substituto devido à licença maternidade. No entanto, o chefe não compreendia a urgência e chegou a questionar: “Lucimara, por que você está falando tanto disso? São apenas dois, três dias de aulas perdidas, que diferença faz, é só repor depois”. Lucimara teve que explicar: “Veja, eu não sou o pai, eu sou a mãe da criança”, relembrando o chefe de que o afastamento materno é de quatro a seis meses e não apenas 20 dias como o afastamento paterno – que é outra questão relevante a ser debatida. 

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Alguns comentários que surgiram durante o debate:

  • “Onde estão as pessoas pretas e como podemos incluí-las mais nestes ambientes?” Essa foi a primeira pergunta realizada pela Profa. Adjunta da UFSM Luciana de Oliveira que estava na plateia.

A Profa. Daiani, como mediadora, respondeu mencionando que não foi possível abordar o tema das mulheres pretas e indígenas, citando dados sobre uma pesquisa realizada pelo Parent in Science ainda deste ano onde é possível observar que de 1.192 bolsas ofertadas do painel do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ) apenas 27,2% são para mulheres e nenhuma delas se autodeclara preta ou indígena para cargos de nível 1A (cargo alto, onde pesquisadoras que possuem liderança científica), o que evidencia mais um problema a ser enfrentado. 

Carolina (UFRGS) acrescentou que é difícil discutir sobre mulheres na ciência sem considerar a representatividade das mulheres pretas e indígenas. Ela ressaltou também a importância de ampliar essa discussão para incluir outras questões, como a presença de pessoas com deficiência. O consenso foi que a ausência dessas vozes no evento foi alarmante e merece ser abordada com urgência.

  • “Como diferenciamos o autoritarismo de uma pessoa com o machismo descarado?”, perguntou uma acadêmica de curso da área das ciências exatas que estava na plateia. 

Marcia (MCTI) respondeu apontando que entre o autoritarismo e o machismo não existem diferenças e que pode ser considerado como assédio moral. Ela enfatizou a importância de garantir que a instituição tenha estrutura para receber denúncias desse tipo. Além disso, aconselhou a buscar apoio dos colegas, pois a união nesse tipo de situação pode fortalecer as denúncias. Sugeriu recorrer a lugares como ouvidoria, comissão de graduação e chefia de departamento, enfatizando a importância de não enfrentar esse tipo de situação sozinha. “O poder e a proteção que a instituição tem uns com os outros sempre terminam fragilizando a estudante que faz a denúncia”, relata Marcia.

  • A terceira questão levantada por Alexsandra dos Santos, doutoranda em Física na Universidade Federal de Pelotas (UFPEL) e mãe de Lorena, aborda a percepção da maternidade como um obstáculo, apesar de não ser subjetivamente um empecilho.

A estudante destaca a diferença entre igualdade de direitos e equidade, ressaltando que mulheres mães não necessariamente precisam dos mesmos direitos que os homens, pois as circunstâncias são distintas. Alexsandra menciona a atual licença maternidade de quatro meses da criança, contrastando com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) que recomenda o aleitamento materno exclusivo até os seis meses, questão já enfatizada por Lucimara em sua fala. Além disso, aponta a falta de estrutura e suporte nas instituições acadêmicas, como a ausência de locais para retirar e armazenar o leite materno, fraldários, cadeirinhas e espaços de acolhimento para bebês. Assim, ressalta que a falta de infraestrutura comunica a exclusão das mulheres e dos pais que se preocupam com a paternidade ativa.

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Texto: Maria Eduarda Silva da Silva, acadêmica de jornalismo e bolsista da Subdivisão de Comunicação do CCNE.

Revisão e edição: Natália Huber da Silva, Chefe da Subdivisão de Comunicação do CCNE.

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