Ir para o conteúdo PRE Ir para o menu PRE Ir para a busca no site PRE Ir para o rodapé PRE
  • International
  • Acessibilidade
  • Sítios da UFSM
  • Área restrita

Aviso de Conectividade Saber Mais

Início do conteúdo

UFSM no Distrito Criativo e a pluralidade étnica de Santa Maria: a cultura negra

Em entrevista, egresso da UFSM fala sobre a preservação do conhecimento acerca da cultura negra da cidade



Na segunda entrevista da série “UFSM no Distrito Criativo e a pluralidade étnica de Santa Maria”, a Pró-Reitoria de Extensão (PRE) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) retomou contato com o doutor egresso do Programa de Pós-Graduação em História da UFSM, João Heitor Silva Macedo, para abordar a cultura negra em uma perspectiva local. Na matéria anterior, que pautou a cultura indígena, o arqueólogo destacou a importância da preservação e difusão de saberes sobre a diversidade étnica da cidade. Para ele, o contato com novas fontes de conhecimento ampliam o escopo humano de interpretação do mundo.

A fim de evidenciar a cultura negra e o lugar da Universidade e de seu vínculo com o Distrito Criativo Centro-Gare no olhar para a identidade de Santa Maria (RS), a PRE conversou novamente com João Heitor. A seguir, você confere a entrevista:

 

PRE: Como podemos pensar a pluralidade da identidade étnica de Santa Maria a partir do olhar para a cultura negra?

João Heitor: Pensar a pluralidade cultural de Santa Maria, principalmente na perspectiva de olhar para o presente e visualizar essa cidade que hoje, em 2022, é extremamente cosmopolita e que se orgulha de sua história cosmopolita – vinculada à Universidade, à presença militar –, antes de mais nada, é identificar esse pilar importante da presença africana na cidade. Essa presença remonta, pelo menos, ao início do século 19, quando as primeiras estancieiras militares portuguesas começaram a se estabelecer na região. 

É praticamente uma afirmação catedrática através da pesquisa histórica, pois sempre que esses militares estancieiros se estabeleciam na região através das suas sesmarias, eles recebiam também um número de escravizados. Não é de se surpreender quando a gente encontra habitações antigas na cidade, do século 19, parte do patrimônio histórico da cidade, e essas casas tem senzalas. Essas senzalas, então, retificam essa presença africana. 

Mas a gente puxa também um viés importante sobre essa presença africana aqui, que é um processo de migração contemporânea que faz com que essa população negra também venha de outras regiões para cá. E eu chamo atenção particularmente para a questão das migrações contemporâneas das comunidades quilombolas, que em busca de uma qualidade de vida melhor, ou seja, de oportunidades, vão à Santa Maria.

Isso foi alavancado pelo estabelecimento da ferrovia em Santa Maria. Isso não quer dizer que a ferrovia abriu vagas de emprego – no início, ela era de uma companhia belga, uma empresa racista que não contratou negros até a década de 1920, século XX –, no entanto, trouxe consigo a explosão cultural da modernidade. Assim, a cidade se impulsionou no seu desenvolvimento e, com isso, várias outras frentes de trabalho foram abertas junto à ferrovia. E são essas frentes de trabalho que impulsionaram um processo migratório de atração da população negra para Santa Maria. 

Na região central, então, vários vão ser os processos de famílias que virão por conta disso, de comunidades negras rurais, do interior de São Gabriel, de Caçapava e de Lavras do Sul. Isso vai aumentando potencialmente no processo de abolição, anterior à própria abolição da escravatura oficial, o que faz Santa Maria, se não me engano, no último senso antes da abolição da escravatura, ter mais negros do que brancos. Ou seja, a origem histórica da cidade, com toda a sua diversidade formativa, que tem colonizadores ibéricos e europeus do século XIX, também tem como pilar ancestral, de maneira significativa, esse processo de presença negra. 

Em Santa Maria, essa presença aparece especialmente no bairro Nossa Senhora do Rosário, que se torna um grande centro aglutinador dessas famílias que inicialmente se reúnem ali através de uma prática de associativismo, criando clubes sociais negros. Alguns são: o Clube União Familiar, a Irmandade do Rosário e o Museu Treze de Maio. Todas essas associações de ajuda que foram criadas fizeram com que a população negra se concentrasse nessa região e desse origem à população negra que nós temos hoje. Ou seja, ao falar de diversidade cultural em Santa Maria, nós temos que falar, sim, dos negros e negras que ajudaram a construir a cidade desde a sua origem, como mão de obra, no aspecto rural, na pecuária, na criação, mas também na construção da urbanidade.

 

PRE: Como as ações culturais presentes em Santa Maria auxiliam na preservação dessa cultura?

João Heitor: Acredito que nós vivemos um momento muito importante de projeção e ações culturais em Santa Maria. Há pelo menos 20 anos atuando junto ao Museu Treze de Maio, com bastante envolvimento com o aspecto de valorização e preservação da produção cultural e combate ao racismo, nós conseguimos visualizar uma série de focos irradiadores da cultura popular em Santa Maria que estão ligados à negritude.

Com isso, a gente traz à tona toda uma trajetória de escolas de samba da cidade, de casas de terreiro, de coletivos jovens da periferia e grupos de rap que começaram a surgir na cidade. Além disso, a própria ação que nós desenvolvemos no Museu Treze de Maio aparece como uma referência física, material e cultural para catalisar esses processos culturais, onde a realização de oficinas, a divulgação da história, a preservação do patrimônio, a montagem de exposições, ou seja, toda essa diversidade de difusão de cultura, permite que a cultura negra seja mais visualizada e reconhecida em Santa Maria. 

Esse processo histórico que faz com que o aspecto cultural seja determinante para a autoafirmação da população negra e para essa virada cultural, digamos assim, que acontece desde a criação da lei 10.639.  Essa virada cultural que exige o ensino de História e Cultura Afro-brasileira desde 2003 das escolas também impulsionou uma série de ações que, de uma maneira bastante incipiente, lá em 2013, mas hoje com um pouquinho mais de força, fez com que escolas e universidades coletivas se empenhassem em produzir cultura para a população negra e desse visibilidade para a produção dessa cultura. Hoje, nós conseguimos dialogar com vários espaços culturais que antes eram considerados espaços brancos, da elite, que não permitiam a população negra. Posso falar do próprio Theatro Treze de Maio, assim como a Universidade. 

Então, todo esse espaço não é um espaço só de efervescência cultural, à medida em que se percebe ela como espetáculo; mas de difusão, criação e circulação da cultura. Nós conseguimos perceber que a população negra de Santa Maria consegue, hoje, estar e dialogar em vários espaços, e a manutenção e ampliação desses espaços, principalmente com o Distrito Criativo Centro-Gare, que coloca a história da população negra também como pilar importante de formação da cidade, faz com que as ações que estão sendo desenvolvidas nos espaços culturais e na Universidade sejam ainda mais reconhecidas como necessárias na sedimentação de uma identidade cultural diversa no município.

 

PRE: Como você observa a atuação da Universidade para a preservação e difusão de saberes nesse contexto?

João Heitor: Eu me considero um filho da UFSM. Eu acho que eu devo muito do que eu sou enquanto pesquisador à Universidade e noto que grande parte das pessoas que passaram por ela tem o mesmo sentimento. Nós percebemos que desde o momento em que a Instituição entrou no debate das cotas, no ano de 2007, e hoje com toda uma política desenvolvida de reconhecimento e valorização dos coletivos, através de várias ações – que incluem os próprios cursos, a Pró-Reitoria de Extensão e o Observatório dos Direitos Humanos –, nós percebemos que a Universidade é um fator de extrema importância para a produção de conhecimento e a realização de debates voltados a essa cultura que nós queremos defender – de diversidade, de educação antirracista e de combate ao racismo. Esse espaço catalisador de conhecimento, que é, na verdade, de diversidade cultural, tem que ser também um ambiente de representatividade. 

Essa representatividade durante muitos anos foi silenciada, mas agora tem a oportunidade de encontrar em alguns currículos, em alguns coletivos, em algumas ações a verdadeira forma prática de se colocar efetivamente o combate ao racismo, seja quando se abre debate em uma disciplina, quando a gente vê uma ação específica desenvolvida pelas Pró-Reitorias ou, mais do que isso, quando a gente vê uma densidade muito grande de produções científicas ocorrendo na graduação e na pós-graduação. Toda essa produção cultural e intelectual deve servir à sociedade, não só circular no ambiente acadêmico. Deve existir como um catalisador para ações da sociedade, para ações públicas dos gestores públicos; deve existir como instrumento e material de consumo para que a sociedade continue mudando, e a gente possa definitivamente reconhecer uma Santa Maria diversa, que compreende uma origem também africana.

 

PRE: Quais escolhas narrativas são importantes na realização dessa comunicação?

João Heitor: Falando um pouco da pesquisa* que eu desenvolvi durante o doutorado e que agora já segue no caminho de pós-doutorado no Centro de Educação: é muito importante que, nesse momento da história de Santa Maria, a gente valorize as narrativas pessoais através das pesquisas já desenvolvidas e em processo de desenvolvimento. Ouvir as narrativas pessoais daqueles que vieram antes, negros e negras que ajudaram a construir a cidade, permite que a população se sinta identificada com essas histórias contadas. 

Essas narrativas precisam ganhar espaço, precisam sair do acadêmico e chegar ao público em geral. Elas têm que ser catalisadoras, motivadoras de ações para o combate ao racismo. Ouvir as pessoas e as suas narrativas é, de certa forma, tornar o patrimônio realmente um patrimônio vivo, pois à medida que as pessoas contam as suas histórias e se identificam com outras histórias, criam um elo de identidade coletiva. Um elo que é compartilhado, sentido e, assim, faz sentido a todos aqueles que têm as suas histórias narradas e se sentem representados nas narrativas dos outros.

 

*João Heitor Silva Macedo é autor do livro “Cultura, educação e ensino de história para o combate ao racismo: narrativas sobre a Lei 10.639/03”, resultado de sua pesquisa de doutorado defendida na UFSM.

Esta entrevista foi editada para fins de concisão.

 

Texto: Anna Júlia da Silva | Pró-Reitoria de Extensão UFSM

Revisão: Camila Steinhorst | Pró-Reitoria de Extensão UFSM

Divulgue este conteúdo:
https://ufsm.br/r-346-7152

Publicações Relacionadas

Publicações Recentes