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Batidas que falam por si

Conheça a história da DJ surda Lenny Vibe



Reportagem: Camila Castilho

Foto: arquivo pessoal

Interpretação: Renata Cassol

“Ela é expressão corporal. Acredito que pode ajudar nosso corpo a se abrir, se libertar.”
diz Lenny, em meio a sorrisos, quando perguntada sobre o que a música representa para ela.

Baiana por nascença e gaúcha pelo destino, Helenne Sanderson – também chamada de Lenny, como prefere – iniciou sua história com a música ainda na infância. Sentada em frente à televisão da sala, teve a curiosidade despertada ao perceber os ritmos que se formavam a partir das vibrações das caixas de som. Sua mãe, que tocava piano, a incentivava a participar de cursos e oficinas para que se desenvolvesse em diferentes áreas. Mas um porém: Lenny não era alfabetizada em Libras.

Se comunicar sempre foi um desafio. Sem o auxílio de Libras, a música foi se tornando seu método especial para expressar seus pensamentos.  Lenny lembra que, aos 16 anos, aprendeu a tocar violão. Encostado ao corpo, podia sentir as vibrações a cada acorde. E, aos 20, migrou para o contrabaixo.

Seu amor pelas festas

Antes de chegar ao Rio Grande do Sul, Lenny passou por outros estados. Numa rave em Brasília, no Distrito Federal, se apaixonou pela música eletrônica, que é composta majoritariamente por vibrações graves. Queria fazer parte disso, mas ainda não sentia segurança pela falta de acessibilidade e tecnologias na época.

Motivada por esse desejo, passou a montar combinações e criar músicas sozinha em casa. Até que um dia, levou todas suas composições para um DJ profissional. “Ele disse: ‘É uma música boa, tá bem coerente!’. Eu achei estranho, né? Porque eu não ouvia. Então perguntei: ‘Tem alguma coisa errada na música?, e ele respondeu: ‘Não tem nada de errado. Não tem nenhum barulho que seja ruim. Isso é uma redação’”  ela conta, orgulhosa.

Dali por diante, Lenny seguiu explorando novos ritmos. Com o apoio dos amigos, iniciou o processo de divulgação e assim, deu vida a DJ Lenny Vibe. E seu diferencial? Criar apenas com vibrações graves, tornando mais fácil para outros surdos senti-las e se conectarem à música.

Para além da música

Viver é se comunicar. Embora tenha feito acompanhamento fonoaudiológico e sido uma criança oralizada, Lenny relata que foi muito prejudicada por não compreender a leitura labial corretamente. Libras foi o ponto de virada.

Docente na Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), mestre e doutoranda em Educação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Lenny concilia a carreira de DJ com o ensino e pesquisa para a comunidade surda, além de dedicar suas energias à família, formada pela esposa Carlissa e a filha Sofia.

Conversamos com a DJ para entender mais sobre sua trajetória musical e acadêmica:

Bergamota: Como é estudar na UFSM? Você participa de algum projeto?

Lenny: Eu gosto muito. É uma universidade muito qualificada, tem bastante acessibilidade, vários intérpretes e alguns professores que sabem Libras. A universidade tem projetos na área da educação de surdos, livros acessíveis e oficinas, algumas que participo. Também participei do curso de basquete. A Federação dos Surdos tem dificuldade em treinar por falta de verba e lugar adequado. Quando soube que na universidade tinha basquete, aproveitei. Agora parei por causa do trabalho, doutorado e viagens, mas no futuro quero voltar.

Bergamota: Atualmente você é doutoranda pela UFSM. Você poderia nos contar sobre sua área de pesquisa?

Lenny: A minha área de pesquisa é o protagonismo surdo, principalmente na arte. Tô descobrindo que tem muitos surdos que atuam nas artes, de modo geral, que conseguem sinalizar sem tem um intérprete para intermediar. Quero estimular e que seja algo pedagógico e cultural para a identidade dos surdos. Sei que existe a falta formação pros professores para ensinar pros surdos. Muitas vezes eles têm medo de errar então acabam tirando a parte de música e quando é disciplina de artes, é básico: só pintar. Não! Precisamos estimular todas as áreas das artes.

Bergamota: O que é música para você?

Lenny: Acredito que ela dá um alívio para nós. O mundo é chato, tem muitos problemas, muita confusão, muita ansiedade nos desafios do dia-a-dia. Para mim é uma forma de expressão corporal. Eu acredito que ela pode ajudar o nosso corpo a se abrir, a se libertar. A conseguir expressar desejos, porque às vezes parece que sem a música as pessoas ficam mais fechadas, então eu quero estimular a liberdade nas pessoas.

Bergamota: Existem projetos de música para a comunidade surda aqui em Santa Maria?

Lenny: Um projeto próprio de música para surdos em Santa Maria não tem.

Bergamota: Qual a importância para a comunidade surda ter uma DJ que faça parte da comunidade?

Lenny: A maioria dos surdos, sendo bem sincera, não gosta de música porque eles foram traumatizados e excluídos. As pessoas dançam e riem felizes e o surdo? Fica só sentado num canto isolado.. Mas eu acredito que a música faz muito bem para os surdos, se estimulados da maneira correta. Eu quero mostrar para os surdos que eles podem participar de eventos com música. Eu quero que eles mudem esse conceito, que percebam que a música pode ajudar eles a se sentirem mais livres. De mente aberta, de coração e corpo aberto.

Bergamota: Você viveu anos da sua vida sem saber Libras. Qual foi a mudança que você mais sentiu ao aprender a língua de sinais?

Lenny: Antes eu pensava que eu precisava ser igual aos ouvintes. Achava que tinha que trabalhar igual, fazer os mesmos cursos, estudar as mesmas coisas. Eu precisava treinar, usar a minha prótese auditiva. Eu achava que eu era meio um robô que tinha que estar imitando as outras pessoas e que tinha que ter um padrão de vida daquela sociedade ouvinte. Depois que eu aprendi libras, eu consegui me comunicar melhor. Por exemplo, “o que que você gosta de gostar de esporte? Gosta de computador? Por quê? Gosta de dançar? Ah, não gosta de dançar? Por quê?”. Comecei a perceber que as pessoas não eram todas iguais e sim diferentes. E eu também poderia ser diferente. Fiquei livre. Eu comecei a matar minha curiosidade, eu pensei: “Será que eu posso casar com uma mulher? Posso ter uma filha?” Muitas informações foram esclarecidas. Fui aprendendo que o surdo tem capacidade para cuidar de filho, o surdo pode dirigir. O meu espírito é aberto, ele é livre.

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