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Palestra tematiza a Ditadura Militar na Argentina



 

Na última quinta-feira (20), o professor de História da Universidade Nacional de Mar Del Plata, Miguel Ángel Taroncher, ministrou palestra sobre a produção historiográfica e a Ditadura Militar na Argentina, dentro da programação da Jornada Acadêmica Integrada, que se encerrou na sexta-feira (21). Além da programação da Jornada, o professor argentino ministrou também o curso “Principais Temas e Problemas da Argentina no séc. XX” e participou do ciclo de cinema histórico “Olhar Argentino”, comentando o filme Martín Fierro, dirigido por Leopoldo Torre Nilsson em 1968. Miguel Ángel Taroncher é professor e pesquisador da Universidade de Mar Del Plata e doutor em História e Geografia pela Universidade de Valencia, na Espanha. Sua especialidade é na investigação do discurso político na imprensa durante o golpe de Estado de 1966. Escreveu, entre outros livros, Caida de Illia, obra que trata do papel exercido pela mídia no golpe de estado que derrubou o presidente Arturo Illia. Na sexta-feira, dia 21, o professor Miguel concedeu a seguinte entrevista.

Giuliana Matiuzzi: Recentemente, foi aprovada pelo Congresso Nacional do Brasil a chamada Comissão Nacional da Verdade, cujo objetivo é julgar os crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante o período ditatorial, de 1964 a 1985. A investigação dos arquivos desse período e a instituição dessa comissão se fazem a exemplo de outros países latino-americanos. Na questão de abertura de arquivos, como se deu esse processo na Argentina?

Prof. Miguel Taroncher. Na Argentina, o que existia nesses arquivos os militares microfilmaram todo o material e destruíram essas provas. Esses microfilmes se sabem que existem, mas não onde estão. Antes de assumir, em 10 de dezembro 1983, o presidente Raúl Alfonsín, o primeiro presidente democrático, houve rumores de que um avião com documentação havia saído do país. Provavelmente estejam na Suíça, estejam guardados em outro país. Mas isso são coisas prováveis, hipóteses. Não existiu esse debate de abertura porque na Argentina não havia propriamente esse arquivo, diferentemente do que ocorreu no Paraguai, no Chile e no Brasil, onde os militares controlaram o processo de transição para a democracia. Hoje, esses grupos militares desses países conservam um poder e sabem que existe certa impunidade. Esses arquivos hoje são uma questão de Estado; abri-los ou não daria início a um processo judicial que o atual estado da democracia brasileira tem que estar forte para sustentar e para poder resistir à pressão dos militares devido ao início dos julgamentos.

Giuliana: Mesmo sem o acesso a esse material, como se deram os julgamentos em seu país?

Prof. Miguel: Na Argentina, com os poucos documentos existentes, aqueles que puderam encontrar, especialmente das duas primeiras juntas militares. Em 1985, se julgou a primeira junta militar, que governou entre 1976 e 1981, e a segunda junta, que governou entre 1981 e 1982. A base foram os depoimentos, feitos a um tribunal especial criado para julgar os militares a partir dos testemunhos de sobreviventes de campos de concentração, políticos que haviam trabalhado em direitos humanos, organizações defensoras dos direitos humanos – julgamentos que se basearam em leis e códigos a respeito de crimes de guerra. Fundamentalmente, tiveram como base depoimentos orais e algumas provas materiais disponibilizadas pela equipe forense argentina que analisou a tumba dos chamados “nn”s (não nomeados). Quando os militares assassinavam os militantes políticos ou quaisquer pessoas, as sequestravam e levavam a campos de concentração que podiam ser em quartéis ou em lugares especiais, como casas distantes, campos. Ou atiravam seus cadáveres no Rio da Prata, ou mesmo gente viva. Ou então morriam torturados e fuzilados. Muitos desses corpos eram levados aos cemitérios e os colocavam em fossas comuns, não nomeados: NN, No Nombre [Sem Nome]. Entretanto, devido a exames de DNA e especialmente devido ao trabalho dos antropólogos físicos que analisaram os cadáveres, com as marcas dos tiros, enfim, tudo isso foi também prova para esses processos criminais.

Giuliana: Muitos grupos se opõem a esses procedimentos de abertura de arquivos e investigações sobre períodos ditatoriais. Outros, no entanto, argumentam que eles são necessários para que a sociedade como um todo possa sarar essas feridas, que são desaparecimentos sem solução e crimes impunes. Como o senhor entende essa questão?

Prof. Miguel: Eu acredito que sem justiça não há possibilidade de pacificação social. Desde 1985, tínhamos já quase 80% da população que cobrava o julgamento dos militares pelos crimes de desumanidade – como se considera agora – que são crimes imprescritíveis, ou seja, que sempre estarão vigentes para serem julgados. Isso é importante porque durante o governo Alfonsín se editaram duas leis, Obediencia Devida e Punto Final, que cortaram o processo de seguir julgando; somente julgaram as juntas militares e não os subalternos. Por pressões militares, por levantamentos dos militares, o presidente enviou ao Congresso essas duas leis que serviram para que não avançasse esse processo. Em 1990, o presidente Menem [Carlos Saúl Menem, presidente argentino entre 1889 e 1999] indultou essas duas juntas militares que haviam sido condenadas e acabaram em liberdade. Em 2004, durante o governo de Néstor Kirchner, essa anistia foi considerada inconstitucional e foram a julgamento por apropriação dos filhos dos desaparecidos. Agora com a reabertura dos julgamentos estão fazendo tudo que não puderam fazer desde 1985. Um tema que havia se acalmado, que durante o governo de Menem, que foram dez anos, do governo de La Rúa, dois anos, Eduardo Duhalde, somente a partir do governo de Néstor Kirchner e depois do de Cristina [Kirchner] foi tratado como um tema de Estado. O Estado atua propiciando que se volte a julgar tanto a polícia quanto as forças armadas que intervieram no desaparecimento de diversas pessoas, ligadas à guerrilha armada em alguns casos, e em outros militância social e política de diferentes setores. Esses processos seguem até hoje.

Giuliana: Não é a primeira vez que o senhor vem a Santa Maria e contribui com a graduação e o mestrado em História da nossa instituição. Como o senhor analisa a importância dessas trocas acadêmicas?

Prof. Miguel: A primeira vez que estive em Santa Maria foi através de um convênio com a Universidade Nacional de Mar Del Plata, em 2007. Vim realizar atividades de graduação, pós-graduação e participar das atividades do Departamento de História. A outra foi no ano passado, em 2010; agora em 2011, e virei no ano que vem. O professor Diorge Konrad [do Departamento de História da UFSM] irá a Mar Del Plata no ano que vem como parte dessa troca. É muito importante porque nos oferecem as conversas, o trabalho, o curso de mestrado e a graduação dão outras perspectivas, nos permitem comparar nossas próprias histórias e propor outros temas. Nas avaliações internacionais, que se fazem da qualidade do ensino superior, um dos itens, além de bibliotecas, de quantidade de professores e publicações, avaliam quais intercâmbios tem a universidade. Não é importante somente porque um organismo internacional avalia que essa troca seja um item relevante, mas porque em si é favorável. A verdade é que nos abre caminhos, nos permite formar grupos de pesquisa, onde podemos disponibilizar bibliografias. A diversidade que nos oferece missões diferentes, e fundamentalmente nos traz diálogo. O pensar de outro lugar as questões acadêmicas, enfim, nos dão como resultado final um trabalho muito mais rico, mais explicativo, menos descritivo que permite outros pontos de vista.

 

Repórteres

Giuliana Seerig e Iuri Müller – Acadêmicos de Jornalismo.

Edição:

Gisele Dotto Reginato – Professora da disciplina de Teoria e Técnica de Jornalismo Digital II.

Matéria produzida na disciplina de Teoria e Técnica de Jornalismo Digital II, do curso de Jornalismo da UFSM.

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