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Em busca da fórmula da beleza



 

O conceito de beleza não é algo estático, é modificado ao longo dos anos de acordo com cada sociedade. No período do Renascimento, o ideal de beleza, como podemos notar nas telas de Leonardo da Vinci, era bem diferente do que concebemos hoje. Ainda que esse conceito venha sendo transformado pode-se notar atualmente uma preocupação exacerbada com o corpo. Cada vez mais pessoas se submetem a práticas extremas como uso de medicamentos e até mesmo cirurgias plásticas, para se encaixar no padrão vigente. Isso ultrapassa questões como faixa-etária, classe social e gênero.

De um modo geral, grande parte das sociedades tenta alcançar um padrão, e muitas vezes essa busca acaba virando uma obsessão, colocando em risco a saúde das pessoas. Mas de que maneira esse culto à vaidade interfere nas relações sociais e diretamente na nossa sociedade? A professora do curso de Ciências Sociais da UFSM, Débora Krischke Leitão, mestre e doutora em antropologia social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), explica algumas questões sobre de que maneira chegamos ao ideal de beleza que temos hoje, o porquê das mulheres serem as mais atingidas por essas práticas e o que a mídia tem a ver com a criação e manutenção desses padrões.

Natascha Carvalho – O ideal de beleza hoje é ser jovem e magro. De onde surgiu esse estereótipo?

Débora Krischke Leitão – Esse padrão não surgiu em um momento específico, mas foi sendo construído nos últimos 100 anos.  Essa ideia de juventude como beleza, ou até mesmo como uma categoria que marca um grupo com interesses específicos, surge no início das décadas de 1950 e 1960. Antes disso passava-se da infância para a vida adulta. E mesmo a associação entre beleza e saúde, e, portanto, ligada à juventude, tem uma conexão interessante que podemos pensar que é essa ideia de negação da velhice, enfatizar a juventude pelo próprio medo diante do envelhecimento e da morte. O processo natural da vida é esse, então negar isso é negar, de certo modo, a existência da morte. Esse conceito começa a surgir no início do século, quando os médicos indicavam praticas de embelezamento e ginástica que antes não eram associadas à saúde, e sim ao prazer. A partir dos anos de 1920 que inicia essa transformação. Foi ao longo desse processo que foi sendo construído esse padrão, que, entretanto, não é universal. Assim como a sociedade brasileira, a norte-americana enfatiza muito juventude como beleza, já na Europa é um pouco diferente, é comum mulheres com cabelos grisalhos, que façam menos cirurgia plástica, etc. Então depende da sociedade, umas enfatizaram mais outras menos.

N.C. – Segundo o Conselho Federal de Medicina, o Brasil é hoje o segundo colocado no ranking de cirurgias plásticas estéticas, só perdendo para os EUA. O que isso significa para a nossa sociedade?

D.K.L – Isso representa uma ênfase muito grande na dimensão do corpo. No caso brasileiro, passa por uma ideia de um corpo que precisa ser trabalhado e exibido. Nós costumamos achar que a nossa sociedade hoje é mais liberal, no sentido que as pessoas andam mais com o corpo à mostra e, a partir disso, tem-se a ideia de que há uma liberalização. Entretanto, nem sempre essa liberalização quer dizer liberdade. Existe sim um afrouxamento desses padrões morais, não só como nos apresentamos perante a sociedade, mas também na forma com que nos relacionamos com o outro. Apesar dos corpos estarem mais amostra, mais visíveis, eles estão mais controlados, e esse controle passa a ser interno.  Então o que existe é uma nova moralidade que diz que as pessoas têm que ter esse auto-controle, essa obrigação de cuidar de si mesmo. A partir da expectativa dessa obrigação de se cuidar, a cirurgia plástica é uma estratégia de investimento na sua própria aparência. Uma pessoa que não tem cuidado com o seu corpo, por exemplo, vai ser vista como largada, desleixada. Até o fato das roupas de ginástica entrarem na moda, não só para serem usadas exclusivamente em práticas esportivas, demonstra o cuidado das pessoas com o próprio corpo. Anos antes, as pessoas faziam questão de esconder, quando faziam plásticas, já hoje, elas falam abertamente que fizeram e se orgulham disso. O próprio aparelho ortodôntico é uma coisa muito disseminada aqui no Brasil, mas que acaba surpreendendo estrangeiros pelo número de pessoas que fazem uso dele.

N.C. – Doenças como a bulimia e a anorexia surgem junto com esse ideal de beleza vigente, e até mesmo pessoas têm arriscado suas vidas para alcançar esse padrão em mesas de cirurgia sem as condições adequadas. O que acontece com essas pessoas a ponto de colocarem sua saúde em risco em nome da beleza?

D.K.L –  Primeiro há um controle social muito forte. Para a pessoa ser aceita ela precisa participar desse universo de beleza e juventude, e muitas vezes essas pessoas já estão doentes psicologicamente e acabam buscando isso a qualquer custo. Quando pessoas recorrem operações que acabam dando errado, elas conferem a culpa ao médico, não param para refletir sobre a técnica, que é algo realmente arriscado. A pessoa busca através dessa transformação, uma aceitação social.

N.C. – Por que as mulheres são mais afetadas por essa busca incessante pela beleza do que os homens?

D.K.L –  No imaginário da nossa sociedade tudo que é referente a se embelezar está ligado ao mundo feminino. Atualmente, entretanto, a gente vê que alguns homens recorrem à limpeza de pele, até mesmo à cirurgia plástica, mas isso é algo realmente muito recente. Eu acredito que passa pela própria configuração histórica da nossa sociedade capitalista, quando no início do século XVIII, nas famílias burguesas, os homens trabalhavam e as mulheres eram um adorno, um enfeite, que mostrava a riqueza de seu marido. Talvez ainda haja resquícios desses valores representados na nossa sociedade.

N.C. – Hoje em dia, cada vez mais adolescentes recorrem às correções oferecidas pela medicina. A que se deve esse fato?

D.K.L –  Pelo próprio sentimento de aceitação perante a um determinado grupo, muitas vezes até influenciada e incentivada pelos próprios pais. E também pela diminuição da infância, como a gente concebia até certo tempo atrás na nossa sociedade o que era infância e o que a gente concebe hoje. As crianças se tornam adolescentes cada vez mais cedo agora.

N.C. – Como a sociedade encara hoje essa vaidade extrema pela parte do indivíduo?

D.K.L –  A sociedade valoriza essa busca pela beleza e torna isso positivo, de maneira que, entre as relações sociais, a pessoa acaba se sentindo mais inserida. Mas existem também grupos que criticam isso, então esse conceito não é algo completamente fechado e que afete a sociedade como um todo. Embora as pessoas recorram às práticas de embelezamento, há uma crítica social em relação a isso. Já há esse questionamento e a gente espera que as pessoas o continuem fazendo. Mas o que a gente tem que pensar, é que essa manipulação dos corpos para buscar um padrão imposto, não é algo exclusivo da nossa época. Séculos atrás as mulheres chinesas, por exemplo, deformavam seus pés para que eles ficassem pequenos, esse era o padrão da época delas. Bem como as mulheres do século XVI, que usavam espartilhos para afinar a cintura.

N.C. – Por que essa submissão tão antiga para alcançar os padrões impostos como ideais?

D.K.L –  Primeiro para fazer parte de um grupo social, segundo para se tornar “humano”. Por incrível que pareça, quando a gente nasce nós vamos sendo manipulados e transformados de uma natureza para o mundo da cultura, o mundo da sociedade. Nós vamos nos humanizando. Claro que cirurgia plástica é um processo extremo, mas ao longo do processo lento que atravessamos, tudo isso simbolicamente significa ser humano. Inicialmente pertencer à humanidade e depois a um grupo específico.

N.C. – De que maneira a mídia contribui para isso?

D.K.L –  Talvez aí esteja a diferença entre o que as pessoas fazem atualmente para se encaixar nesse padrão em relação a outras épocas. Nós vivemos em uma sociedade de massas e de consumo, então essa norma social de beleza é disseminada em larga escala para toda a população. Por outro lado, é através da mídia também que chega um discurso crítico que abrange um grande número de pessoas. Não acredito que a mídia seja uma vilã nessa história, a mídia é uma extensão da nossa sociedade.

N.C. – Como podem ser analisados grupos que vão de encontro ao padrão de beleza?

D.K.L –  Esses grupos têm estratégias de contestação, mas por outro lado eles consomem os bens que fazem parte do estilo de vida deles. Então, de certa maneira, eles também seguem um padrão, só que não é o mesmo que a maioria. Eles fazem essa contestação de acordo com termos ideológicos. Essa crítica social pode ser feita, entretanto, de diversas maneiras na vida cotidiana como nas artes, no cinema etc.

Repórter:

Natascha Carvalho – Acadêmica de Jornalismo.

Edição:

Lucas Durr Missau.

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