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Marco Aurélio e os “velhos” do Acampavida



Ele não vê problema em chamar os idosos de velhos. E não concorda com a ideia de que “todos os vovozinhos são santos”.  Mas há mais de 25 anos, não sabe viver sem eles. Grande conhecedor da Gerontologia, o professor Marco Aurélio Acosta, do Centro de Educação Física e Desportos (CEFD) da UFSM, coordena o Acampavida desde o primeiro ano do evento. A 14ª edição acontece nos dias 26, 27 e 28 de outubro, no Centro de Eventos da Universidade, e é destinada a adultos acima de 55 anos.

Na entrevista a seguir, Marco Aurélio conta sobre sua inserção neste mundo dos velhos e todo o trabalho voltado à terceira idade que tem sido realizado na UFSM. 

Luciane TreuliebComo você se envolveu com o Acampavida?

Marco Aurélio Acosta– A Educação Física sempre se caracterizou pelos projetos de extensão, é uma profissão que coloca sempre a mão na massa. Então, ainda na graduação, eu me envolvi em vários projetos com o professor Juca [José Francisco Silva Dias, pioneiro nas discussões sobre envelhecimento e terceira idade na UFSM. Depois, em 1998, entrei no mestrado. Foi ali, junto com outros colegas, que nos demos conta que, além dos projetos permanentes, a gente precisava estabelecer uma relação diferente com os velhos. Foi quando surgiu a primeira edição do Acampavida.

Eu tive distintas experiências no curso: trabalhei com deficientes, com escolinha de futebol… mas com nenhum desses segmentos eu me identifiquei tanto quanto trabalhar com os idosos. Eu costumo dizer que é meio egocêntrico, porque eles gostam e valorizam o meu trabalho. Se você vai dar aula numa escola, muito comumente parece que você os atrapalha, porque o aluno só quer ir lá jogar bola; se você trabalha na academia, o professor é o carrasco, o que te faz suar.  Já com os velhos é diferente, tem um retorno muito grande, eles enaltecem a presença do profissional. Eu gosto disso e já estou há 25 anos neste trabalho.

L.T.- O que te incentiva a seguir com este trabalho?

M.A.A- É uma questão humana. Eu comecei a trabalhar e continuo até hoje pela capacidade de relacionamento que a gente tem com eles. O objeto do meu trabalho, que é o exercício físico, me permite estar com eles de uma forma que dá muito retorno. Tem muita troca. Todo o nosso trabalho aqui na UFSM foi pensado dessa forma horizontal, freiriana, que é uma educação dialogada. Inclusive na minha tese de doutorado eu coloquei assim: “Obrigado aos livros que me ensinaram, e obrigado aos velhos, que me ensinaram mais ainda”.

L.T. – Como convencer um idoso a participar do Acampavida?

M.A.A – Eu não sou a favor de obrigar ninguém a fazer nada, senão você trata eles como criança: “vai pro colégio!”, “toma vacina!”, etc. Se o cara quiser ficar em casa fumando, vendo TV, é direito dele. Teu papel é mostrar: “olha, tem isso para fazer”. Não quer? Assume as consequências. Se não, acaba infantilizando o velho.

Por muito tempo, quando se falava em velho, existia um discurso dominante, que era o discurso negativo e patológico, “velho é doença, é decadência”. Hoje há outro discurso, que é up, que é positivo, que é o do envelhecimento ativo, bem-sucedido, com qualidade de vida. Essas são as duas grandes metanarrativas do envelhecimento.

Parece óbvio tirar um modelo e colocar outro. Na minha leitura, não se trata de ter um modelo dominante e coercitivo, que todo mundo tenha que se adequar a ele, mas sim que se dê a possibilidade para a pessoa escolher. Nós sabemos que há muita gente que conhece o Acampavida, que tem vizinhos que participam, mas não vão e não querem ir.

Não acho que agora todo mundo tenha que vir fazer exercício físico. Não dá para obrigar, tem que informar. Algum tempo atrás, não era todo mundo que sabia, mas atualmente informação sobre saúde tem em tudo que é lugar. Os velhos sabem mais do que nós. Estão bem informados, mas muitos não querem dar o passo adiante. São como os jovens: qual é o jovem que não sabe que não deve fumar, que deve fazer atividade física? Todos sabem, mas muitos não fazem.

L.T- Quais são os benefícios sentidos por um idoso que participa em projetos como o Nieati, grupos de terceira idade e Acampavida?

M.A.A – Tem n fatores. A pessoa ganha do ponto de vista de autonomia física, a vai ter mais força para trazer as sacolas do mercado, vai limpar melhor a casa, vai dançar melhor no baile.

Antes de começar a aula, os idosos sentam lá com outros dez que estão na mesma situação: ganham pouco, os filhos estão trabalhando e não estão nem aí para eles, há um conjunto de patologias que estão chegando no calcanhar deles, os relacionamentos, via de regra, são ruins. Aí eles acabam fazendo aquilo que os adolescentes fazem quando se juntam em bando e se identificam com características em comum: “minha família não me entende”, “só eu sou feia”, “só eu sou gorda”. Com os velhos acontece algo parecido, porque eles ficam muito tempo da vida envolvidos com a vida doméstica, criando filhos, netos e a vida vai perdendo a graça. Até que eles se encontram com outros parecidos e pensam “opa, não é só o meu filho que não me liga”, “você também tem essa patologia, tomando esse remédio?”, “você também ganhando só isso do INSS”? Daí eles se dão conta de que “o problema não sou eu” e acabam fazendo uma equilibração emocional. 

L.T- Por que você os chama de “velhos”, ao invés de termos mais aceitos como “terceira idade” ou mesmo “idosos”?

M.A.A – No português, “velho é o meu carro, velho é o meu telefone”. Se você diz “meu velho” é depreciativo. Isso é um problema do idioma, é uma questão de filologia. A gente tem tentado mexer com isso, dizer que é bom ser velho, porque você pode ter uma vida interessante ainda. Parece que quando você chama de idoso ou usa o discurso da “melhor idade”, está escondendo um preconceito, escondendo uma visibilidade ou escondendo o que é óbvio: que nem todos são legais, que tem velho que é mala. Quando se olha para a terceira idade como um grupo, a gente sempre tenta colocar um conceito, teorizar. E esse conceito de idealizar que todos são bonzinhos, perfeitos e maravilhosos é um erro, não é verdade.  Essa tensão do idoso “velho” vem um pouco como uma provocação: vamos assumir as diferenças e que, de fato, vocês são velhos. Alguns são velhos sábios, mas alguns não aceitam o próprio processo.

O discurso da “melhor idade” é um discurso novo que muitas mídias e políticos usam, com a ideia do positivo. Mas que, nesse caso, não é no sentido pró-humano, é sempre pró-venda de alguma coisa. Quando eles dizem “eu trato bem a melhor idade”, tem esse enviesamento, de transformar os caras em consumidores ou eleitores cativos. Mas esse não pode ser o discurso acadêmico. A academia tem que ter um discurso focado no indivíduo.

L.T Que lacunas o Acampavida veio suprir na cidade?

M.A.A Se o teu conceito de cidade é amplo como o meu, estamos falando de cidadãos. Eu acho que esse projeto de 28 anos [o Nieati] produziu em Santa Maria uma permissividade na forma de envelhecer que outras cidades não têm. Há dois anos e meio, a gente fez uma pesquisa com 352 idosos dos nossos grupos, e uma das perguntas era essa: “comparando com uma geração atrás, 29 anos, o que mudou?”. Todos disseram que agora era muito melhor.  Hoje em dia, tem opção de lazer, tem prioridade na fila no banco, tem gratuidade no transporte, tem atividade física. É um conjunto de coisas que fizeram com que eles dissessem que ficar velho em Santa Maria é melhor do que foi para seus pais.

Claro que isso é um processo dinâmico, pois existem essas ações que a gente faz aqui na UFSM, mas também tem o cenário nacional, o estatuto do idoso. Então, nessa perspectiva, acho que o evento é um plus, quando consegue mexer com cada vez mais pessoas na dimensão do sensível. O que a gente busca é um tipo de formação de recursos humanos para trabalhar com os velhos numa perspectiva que a gente entende que é humanizante, em que os velhos estejam aprendendo coisas que sejam interessantes para suas vidas.

L.T- Qual é o próximo desafio que você pretende encarar na sua carreira?

M.A.A– Essa caminhada já dura 28 anos, pois desde 1984 existe o Núcleo [Núcleo Integrado de Estudos e Apoio a Terceira Idade, o Nieati], com estes projetos de extensão permanentes. São 14 anos do Acampavida, além de atividades integradas com outros centros, cursos, professores, muitas pesquisa, livros… Enfim, nos pareceu que o próximo passo deveria ser a articulação de um mestrado.

Existem seis cursos em Gerontologia no país: um numa universidade pública estadual, que é a Unicamp, e outros cinco em particulares. Nenhum em federal. Nos pareceu que era coerente que o próximo passo de todo esse movimento poderia e deveria desaguar no mestrado em Gerontologia, que tem como objetivo bem claro formar profissionais de diferentes carreiras para um Brasil diferente. Esse Brasil que tem uma visibilidade muito grande de velhos.

Na década de 1970, dizia-se que o Brasil era um país de jovens, mas isso já era. Então, além das alterações na demografia, as pessoas mais velhas estão indo para as ruas, reivindicando, buscando, querendo, ocupando. Ocorre uma modificação na visibilidade, que é muito semelhante ao que acontece com os deficientes. Se alguém tivesse um filho deficiente há 40 anos, era muito comum escondê-lo, era uma vergonha. Hoje eles estão aí, nos projetos, olha as Paralimpíadas. O que mudou? A visibilidade, do deficiente e do idoso.

O mestrado vem para pensar como as distintas profissões podem olhar para esse Brasil diferente. A gente, na Educação Física, começou há 28 anos, mas muitas carreiras ainda não têm clareza dessa situação dos idosos. No entanto, é algo que tem que ser pensado, e nada mais coerente que seja em Santa Maria, na UFSM, e no CEFD, que foi onde tudo começou. O Projeto Pedagógico do mestrado já foi entregue, mas precisa passar pelos trâmites internos na UFSM e depois ser aprovado pela Capes. Se tudo ocorrer bem e o resultado for positivo, em março de 2014 iniciaremos as aulas.

Repórter: Luciane Treulieb

Edição: Lucas Missau

Fotos: Arquivo Acampavida e Ítalo Padilha

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