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O desafio de agregar as novas tecnologias com o método de ensino infantil



 

O avanço de ferramentas tecnológicas é uma das principais mudanças vistas no atual século. A velocidade com que esse avanço ocorre também acarreta para o cidadão, que desde cedo consome esses novos meios de interação. Não distante disso, as crianças se mostram mais interessadas em aparelhos tecnológicos. Assim, surge a dúvida de como isso interfere ou ajuda na forma de educação dos pequenos, e como a tecnologia pode ser usada para potencializar o nível de aprendizado. A professora Cleonice Tomazzeti fala um pouco sobre o tema, as dificuldades e o modo de pensar em ensino infantil atualmente:

Guilherme Gabbi – Como você avalia a educação infantil atualmente?

Cleonice Tomazetti – Quando a gente fala de educação infantil, a gente precisa ponderar que ela é uma etapa da educação, e além de ser uma etapa da educação formal, que passou a ser a partir de 1988 e principalmente em 1996, com a nova lei de diretrizes e bases da educação nacional, ela assumiu um status muito mais educativo do que um caráter mais assistencial que tinha até então. Esse caráter mais educativo também passa a ser assumido como formal, ou seja, alvo de uma educação escolar dentro do sistema educacional formal.

Mas, a educação infantil existe há muitos anos e de diferentes formas, e está sempre relacionada às formas de organização social. Se olhar para educação infantil em países europeus, eles têm uma forma e cultura diferente de lidar com a infância, relacionadas muito mais às características daquelas populações, características sociais, econômicas e de desenvolvimento. Famílias com núcleos pequenos e cada vez com menos filhos. Se olhar para as populações africanas, tem outra forma de lidar com a educação das crianças. A nossa população “americana” tem muitas formas diversas, mas temos um entendimento: que a nossa história da educação infantil mostra que, até os três anos de idade, a criança era muito mais alvo de um cuidado familiar, doméstico que um educacional, formal, institucional. E isso vem mudando, muito rapidamente. E muito rapidamente, exatamente porque mudaram as nossas condições de organização social e econômica, e o entendimento do que é ter crianças, que também estão, cada vez mais, em números menores.

Aquilo que os países dos continentes velhos levaram 200, 300 anos para atingir para chegar em populações com alto nível de desenvolvimento educacional, às custas muitas vezes de uma redução do número de filhos, o Brasil, em 50 anos, alcança, no que diz respeito a redução do número de filhos. Saímos de uma geração com famílias de, no mínimo, cinco filhos para famílias com um ou dois. A taxa de natalidade brasileira é atualmente de 2,2 por família. Isso é uma mudança muito violenta e muito drástica. Associado a isso, tem-se mudado o entendimento. Isso tem sido acompanhado de uma mudança não só econômica e social, mas também de organização na forma familiar. Ou seja, não se dá conta de educar uma criança só no núcleo familiar, no que se entende hoje como educação, expectativa educacional e social, tanto individual, quanto do grupo social ao qual pertence. Aí, nós temos essa primeira mudança, mostrando que as formas de educar as crianças pequenas, hoje, também são mais exigentes, precisa ser de melhor qualidade, alcançar outro patamar de qualidade. E isso vem de um entendimento que se tem de que você está em um tempo em que as mudanças e alterações ocorrem muito rapidamente. Temos ferramentas novas todos os dias, desde ferramentas simples até mais complexas, que servem para trabalhar, como a internet que possibilita trabalhar em casa. Isso tem chegado de forma mais democrática a várias camadas sociais. São ondas que são sentidas em tempos diferentes e tipos diferentes de profundidade, mas elas chegam, pois são mudanças mais globais, gerais. Se a gente entender que receber uma criança é receber ela no mundo e na cultura que a gente vive, dá pra entender o porquê de estarmos complexificando a educação das crianças pequenas. As pessoas dizem: “Nossa, educar criança hoje é muito mais difícil de como era há 20 anos, 40 anos”. Então, quem mudou? Mudaram as crianças ou mudamos nós? Mudamos todos. E as crianças mudaram basicamente, porque elas vêem com expectativas de adultos diferentes, com modos de vida diferentes. Esses diferentes são cada vez mais modificados, porque é assim que a nossa vida é hoje, ela se modifica muito rapidamente. Há 40 anos, as mudanças eram mais lentas, quando chegavam, tinha-se tempo até de se acostumar com elas. Hoje, as mudanças são muito volúveis.

G.G. – Como as novas tecnologias aparecem nesse cenário?

C. T. – A tecnologia é uma das ferramentas centrais que mostra essa mudança. Tanto ela provocou a mudança e tem provocado mudanças significativas em todas as esferas da vida, desde a pessoal, privada, doméstica, familiar; até a vida social, política. A tecnologia é um divisor de águas, o conhecimento tecnológico vem sendo modificado. Já tínhamos tecnologia antes, a exemplo o lápis e o papel, que permitem passar os conhecimentos de forma não oral. Hoje, você tem as coisas de modo digital, essa é a tecnologia do nosso tempo.

G.G. – Como essa nova tecnologia interfere o modo de educação infantil?

C. T. – Dá para pensar de várias formas. Se pensar, há crianças que vivem às margens dessa tecnologia. Isso faz com que ter uma educação que a coloque nesse patamar tecnológico mais democrático, de inserção tecnológica, aí você pode pensar que a função é da escola. Trazer a criança para essa cultura do seu tempo, embora essa não seja sua cultura de origem, sua cultura familiar ou social.

Por outro lado, existem crianças que chegam em instituições de educação com um padrão tecnológico de vida e familiaridade tecnológica que a escola não oferece, que elas trazem do convívio familiar. Isso é um modo de pensar, que a gente pode ter encontros com culturas diferentes, culturas familiares, tecnológicas, na educação infantil. E, obviamente, as crianças que lidam melhor com isso são aquelas que têm um contato mais intenso com isso, inclusive fora da escola, da instituição coletiva. A gente percebe quando as crianças têm uma familiaridade com dispositivos tecnológicos que são próprios, às vezes, do mundo dos adultos, como um telefone celular com aplicativos, jogos eletrônicos, dispositivos que ela descobre e que a ela é oferecido muito cedo. Não para que ela use, mas sim porque os adultos que ela convive usam. E usam, muitas vezes, de modo contínuo, simultâneo, enquanto estão interagindo com as crianças. Então, o que era um objeto tecnológico que era um jogo, um brinquedo eletrônico, está sendo substituído por outro objeto tecnológico que não é um brinquedo, mas que tem algo que interessa à criança.

A criança, por ser curiosa, investigativa e absolutamente despretensiosa com o medo de aprender ou não aprender, ela vai e descobre sozinha, pois os objetos tecnológicos, quanto mais elaborados, mais intuitivos são. E isso tem tudo a ver com o modo de pensar da criança, que é intuitivo, arriscado, pois ela não tem medo de errar, de experimentar o novo. Por isso esse objeto é tão interessante pra ela. Por isso, ela tem tanto prazer e vontade de ter um pra ela.

G.G. – Como fazer para unir essa vontade, curiosidade de mexer no aparelho, com o ensino infantil?

C. T. – Aí, a grande diferença é que se tira o foco do papel do professor como o cara que sabe o que vai ensinar. Os objetos e essa cultura tecnológica têm nos mostrado que a criança aprende sozinha, não por ser, por si só, muito inteligente, mas por ter a curiosidade epistemológica. Ela não sabe inglês, mas lê imagens; ela não sabe ler, mas mexe com aplicativos, pois entende a dinâmica da coisa. Unir essa forma da criança pensar, ser, com uma forma de ensinar, criar dispositivos para que ela possa aprender, através não só de ferramentas tecnológicas, mas também de situações de aprendizagem pensada que respeite e incorpore essas características e princípios. Infelizmente, a nossa escola é uma escola do século passado trabalhando com crianças desse século. A escola não é intuitiva, é formalista e indutiva, e isso fere a lógica de organização infantil. E fere muito os modos da criança ser, pensar, agir. Mas, a escola é assim organizada e, quando introduz determinadas ferramentas, é para que a criança responda determinadas questões ou tarefas que ela preparou. Às vezes, isso é pouco para o desafio que a criança é capaz de responder nessa forma intuitiva, investigativa e curiosa que ela tem de avançar por conta própria. A escola está presa em uma forma de ver e pensar a criança que não é a forma que a criança é. O pior é que a escola acha que sabe tudo sobre a criança. Que seu modo de ensinar é o mais correto.

G.G. – Como você trabalha e vê as pesquisas relacionadas à esse tema?

C. T. – No Brasil inteiro, existem grupos de pesquisa que se dedicam a estudar a infância, crianças, o conhecimento infantil. Aqui, eu coordeno o grupo de estudos e investigação em estudos contemporâneos da educação e da infância. Assim como nós, a maioria dos grupos de pesquisa, quando se reúne, vê que é necessário fortalecer a crença e a verdade de que a criança é inteligente, é capaz, pensa diferente do adulto, mas que produz uma lógica própria. Por isso, também estamos pensando em pesquisas específicas com crianças. Não para as crianças nem sobre crianças, mas com crianças. E isso precisa desenvolver metodologias diferenciadas. Porque pesquisar crianças de nove anos é uma coisa, de seis é outra e um bebê é outra. Então, você precisa de diferentes metodologias de pesquisa que dêem conta do que é o universo da infância, as diferenças de crianças, as diferentes infâncias. Trazer isso para o conhecimento acadêmico para dar o estatuto de ciência, um estatuto epistemológico próprio.

Existem muitas pesquisas trabalhando nesse sentido, de que a criança é um ser inteligente desde que nasce. Que é capaz de produzir conhecimento e cultura. O que a gente vê na brincadeira da criança, no modo dela resolver um problema, de fazer um enunciado sobre dia e noite ou da própria tecnologia, é um modo próprio de pensar que não é menos valorizado, mas o modo como o ser humano começa a ver o mundo a sua volta. Traduzir isso para meios acadêmicos e de pesquisa científica é o nosso desafio, principalmente se pensarmos que isso deve chegar à escola, na formação dos professores e profissionais da escola.

Por isso, a gente acredita que o profissional que trabalha com as crianças, sobretudo o que trabalha com as crianças menores, é o profissional que melhor formado deve ser, o que melhor remuneração e reconhecimento social deve ter, pois é muito especial e difícil trabalhar com essa gama de conhecimentos que não vêm só da educação, da sociologia, da psicologia. E esse profissional tem que saber lidar com isso e ter essa bagagem informativa. O que a gente vê é que o profissional de educação infantil não é valorizado nem reconhecido.

G.G. – Essa falta de valorização pode ser vista como um empecilho para o “link” entre a educação infantil e os novos métodos tecnológicos para a mesma?

C. T. – Certamente, porque daí o profissional tem um menor “handicap” cultural, porque nem sempre o profissional que vai procurar esse tipo de formação é o profissional com alta expectativa profissional e social. Ele já vai procurar muitas vezes por uma baixa autoestima, por achar que tem menor concorrência, pois é aquilo que ele sabe fazer mesmo. Então, o compasso entre a diferença das crianças, as diferenças sociais e diferenças de exigência de formação e qualificação para entender todo esse contexto que a gente vive e que a criança se insere como um ser que necessita de uma educação muito mais complexa, não se encontra numa pessoa que venha buscar uma formação, porque ele próprio ainda não tem a formação, está à margem desse caldo cultural.

Além disso, há que se dizer mais uma coisa: educação infantil para a criança pequena é bom, sobretudo, porque é lá que ela vai encontrar outras crianças. O contato, convívio com crianças pequenas está ficando cada vez mais exclusivo das instituições, ambientes coletivos e não domésticos. Em casa, muitas vezes, ou ele está sozinho, ou com a babá ou com outro adulto. E onde as crianças aprendem a ser crianças? Com outras crianças. Criança aprende a ser criança, ela não nasce pronta, precisa desse convívio.

Criar diferentes formas e dispositivos para que elas se encontrem é o desafio da nossa sociedade. Não precisa ser no modelo escolar que a gente conhece. A escola infantil não é uma escola para ficar ensinando conteúdos próprios, prontos, exclusivamente. A criança tem modos de aprender que, desde pequena, são colocados em ação. Se colocarmos diferentes objetos e diferentes formas de tecnologia a serviço dela, o desenvolvimento é maior.

Foto: Ítalo Padilha.

Repórter: Guilherme Gabbi – Acadêmico de Jornalismo.

Edição: Lucas Durr Missau. 

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