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Do interesse por um ativista político chileno ao prêmio de Direitos Humanos



Víctor Lidio Jara Martínez foi poeta, cantor, compositor, músico e ativista político chileno. Nascido em 28 de setembro de 1932 e assassinado entre 15 e 16 de setembro de 1973, Victor Jara foi quem inspirou o livro-reportagem Um Temblor de Primaveras escrito pelo egresso do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Maurício Brum. Apresentado como Trabalho de Conclusão de Curso, em fevereiro deste ano, o livro-reportagem tem previsão para ser publicado em 2014.

Fruto do mesmo trabalho de apuração, Maurício Brum ainda escreveu a  La Cancha Infame,  uma série de reportagens, dividida em sete partes, que foi publicada em setembro pelo site de futebol e cultura sul-americana, Impedimento. O trabalho que conquistou o primeiro lugar, no dia 10 de dezembro, na categoria Jornalismo On Line, do XXX Prêmio Direitos Humanos de Jornalismo 2013, recupera o uso do principal estádio de futebol do Chile, o Estádio Nacional do Chile, como prisão política após o golpe de 11 de setembro de 1973.

O prêmio é organizado desde os anos 80 pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos e pela OAB/RS, atualmente com apoio da ARFOC (Associação dos Repórteres Fotográficos e Cinematográficos) e pela RAL/UITA (União Internacional dos Trabalhadores da Alimentação, Agricultura e Afins).

Em entrevista à Agência de Notícias, Maurício Brum fala sobre o interesse pela história de Victor Jara e a relação com a história do Chile, conta sobre o processo de apuração do livro-reportagem, e destaca as oportunidades que teve durante a faculdade como principal fator que o levou ao primeiro lugar da trigésima edição do Prêmio de Direitos Humanos, ainda na primeira vez que participa.

Franciele Varaschini: Maurício, como surgiu o teu interesse pelo cantor Victor Jara e, posteriormente, pelo golpe de Estado de 1973 do Chile?

Maurício Brum: O interesse no Victor Jara foi algo que surgiu por acaso, descobri o nome dele casualmente e me interessei pelas músicas, pela letra, enfim me tornei fã da arte do Victor Jara. Isso acabou me fazendo pesquisar sobre a vida dele, eu percebi que havia uma grande relação entre aquilo que ele cantava, porque ele era um cantor de protesto, um cantor de esquerda, com a própria atuação política da vida dele. Mais do que simplesmente escrever as músicas que escrevia, ele atuou em favor do governo do Salvador Allende, um governo socialista que assumiu o Chile em 1970, e depois se tornou um exemplo daquilo que o regime militar, instaurado em 1973, era capaz de fazer com aqueles que não estivessem de acordo com a sua ideologia. Ou seja, depois do golpe, Victor Jara é perseguido, imediatamente ele é preso, no dia seguinte ao golpe, e é morto antes mesmo que se complete uma semana de ditadura militar. Ele se torna de imediato símbolo de toda essa resistência que depois se faria contra a ditadura e da própria brutalidade do regime militar.

Quando eu soube disso, que a história de vida dele se relacionou de tal forma com a arte dele, eu fiquei com aquela ideia de que eu gostaria de fazer algo mais aprofundado sobre isso, fazer uma reportagem, enfim, escrever algo que de fato valesse a pena. Quando surgiu a oportunidade de fazer um projeto experimental no TCC, dedicar um ano a essa pesquisa, então, eu acabei fazendo de fato e se tornou um livro-reportagem que ainda está inédito, mas acredito, que ano que vem sai. É a história do Victor Jara contando também esse contexto do Chile nos anos 60 e 70. Não bastava escrever sobre a vida dele, era preciso, também, explicar para o leitor o que levou a todo esse processo.  Por qual motivo Victor Jara cantava o que que cantava, porque ele se alinhou aos partidos que se alinhou para depois, sim, explicar o golpe e porque houve essa perseguição.

F.V.: A série de reportagens deriva justamente do TCC. Então por que La Cancha Infame se tornou uma série independente e não foi parte do livro-reportagem?

M.B.: O que aconteceu: Victor Jara é preso em 12 de setembro, o golpe foi dia 11, e ele é morto entre os dias 15 e 16 em um ginásio em Santiago que se chama Estádio Chile. A série de reportagens se trata de outro recinto esportivo lá de Santiago, que é o Estádio Nacional, o principal estádio de futebol do país. Na minha apuração para reportagem sobre Victor Jara, eu entrevistei vários ex-prisioneiros políticos, tive contato com materiais testemunhos escritos de pessoas que também estiveram na prisão política e quase todos eles, daqueles que passaram pelo Estádio Chile com Victor Jara e saíram vivos, em seguida foram para o Estádio Nacional. Não caberia no meu livro aprofundar muito essa narrativa sobre o Estádio Nacional porque o Victor Jara não esteve lá, mas eu tinha esse material riquíssimo para construir uma reportagem sobre o que aconteceu depois. Eu guardei esse material pensando em utilizá-lo em algum momento e agora, em setembro, no 40° aniversário do golpe, surgiu a oportunidade.

F.V.: Como surgiu a oportunidade de publicá-la no site Impedimento?

M.B.: Eu sou, já faz três anos, um dos editores do Impedimento, um site independente, sustentado praticamente só pelos seus leitores. Essa era uma reportagem que tinha potencial de ser vendida para outros lugares, poderíamos tentar encaixá-la em uma revista como a Placar que é especificamente sobre esporte, ou também em uma revista sobre outro tema porque isso transcende o esporte, praticamente não fala de esporte ali, só aconteceu no estádio de futebol, mas não tem a ver com esporte diretamente. Mas, se escolheu publicar ali no Impedimento, primeiro, pela facilidade. Pelo fato de eu ser o editor do site, eu podia decidir quando e como entraria. Também pela questão de que eu sabia que era um material de qualidade e se tivesse a repercussão que eu imaginei que teria – e acabou tendo – seria muito bom para o site em termos de construir uma moral como um veículo com credibilidade, capaz de fazer materiais de qualidade.  Isso, em um veículo independente é muito importante, toda hora estamos lutando pra que sejamos reconhecidos, não apenas como um blog, um site independente, mas como um lugar que se faz bom jornalismo.

F.V.: A série é exposta aos leitores de maneira bem detalhada, além de datas e lugares específicos, alguns acontecimentos são descritos de forma minuciosa. Como é que foi o processo de apuração e construção da série de reportagem?

M.B.: O processo todo, desde que eu comecei a ler sobre o assunto, se desenvolveu por mais ou menos uns dois anos. Teve o ano do TCC mesmo, mas houve uma preparação anterior. Houve uma leitura prévia, um estudo prévio e no meio disso eu passei, em dois momentos diferentes um total de quatro meses no Chile (no mês de janeiro e depois de julho a setembro do ano passado), realizando entrevistas e consultando materiais dos arquivos de lá. Eu tive acesso a materiais inéditos arquivados pela Fundação Victor Jara, uma fundação que cuida da herança cultural e artística do cantor. Lá, também, existem testemunhos sobre pessoas que estiveram presas com ele e que não foram usados em nenhum trabalho anterior, isso acabou enriquecendo muito o meu livro-reportagem. Além das próprias entrevistas que eu realizei, eu conversei com ex-prisioneiros políticos, enclusive, alguns não estiveram com Victor Jara, mas deram seus testemunhos sobre como era a rotina no Estádio Chile e depois sobre o que aconteceu, quando eles saíram de lá e foram para o Estádio Nacional.

Esse detalhamento notório na reportagem sobre o Estádio Nacional vem muito de ter havido essa extensa apuração que, afinal de contas, tinha o objetivo de produzir um livro.  Para uma reportagem que acabou tendo 20 páginas, que foi a do Estádio Nacional, era esperado, e eu acredito que eu tenha conseguido preencher isso, que fosse algo bem detalhado. Eu também mesclo isso tudo com alguns livros que eu li, em três ou quatro ocasiões eu uso trechos bem extensos de livros de prisioneiros.

F.V.: Como é que foi a repercussão da série?

M.B.: A reportagem do Estádio Nacional teve uma recepção muito boa, não apenas dos leitores habituais do impedimento que, bom, a gente já imaginava que eles leriam e gostariam – conhecemos o nosso público – mas de pessoas que nunca tinham ou que praticamente não têm o hábito de acessar o site e encontraram uma das sete partes aleatoriamente, se interessaram e foram ler as outras. Eu recebi e-mails elogiando o texto. Também outras pessoas divulgaram o texto sem que a gente pedisse, algo que me deixou bastante lisonjeado. Logo ali nos primeiros dias que a série ainda estava saindo, o blog do Juca Kfouri, que pra mim é um dos grandes jornalistas relacionados a esportes aqui no Brasil, publicou uma recomendação para que as pessoas fossem ao Impedimento e lessem que era de fato uma boa reportagem.

Eu acho que a importância disso, em termos editoriais, para o Impedimento é que estamos, de fato, tentando mudar essa linha de sermos vistos apenas como um site de futebol, cada vez mais a gente quer ser um site de futebol, cultura e história da América do Sul. Bom, se a gente vai falar de futebol que seja relacionando com um contexto mais amplo.

F.V.: Brum, na tua opinião, o que o teu trabalho trouxe de diferente para conquistar o primeiro lugar na categoria Jornalismo On Line?

M.B.: É um pouco difícil de definir o que a comissão julgadora estava procurando nas reportagens que ela avaliou. Direitos Humanos é algo que transcende uma temática específica e transcende uma época específica. Havia sim, muitos sobre ditaduras, sobre pessoas que foram perseguidas políticas não só no Brasil, também na argentina e em outros países que tiveram repressão política, mas havia reportagens muito recentes sobre as violações que seguem acontecendo até hoje aqui no Brasil. A gente às vezes tem a ideia que essas premiações estão lá apenas para reconhecer os trabalhos que tratam de ditadura, que tratam do passado, mas não,  a temática dos Direitos Humanos é algo que está muito viva até hoje.

F.V.: Como é que tu avalias esse teu início de carreira?

M.B.: Claro que eu enxergo como algo excelente para quem está começando. Ter um reconhecimento desse tipo e ter tido todas essas grandes oportunidades é uma grande sorte. Algo que eu acho importante ressaltar, tem muito a ver com a minha entrada como editor do Impedimento, lá em 2010, quando eu estava recém no segundo ano de curso. Isso me deu contato com jornalistas que estavam no mercado há bastante tempo.

O impedimento, antes de o Iuri Müller, que também se formou esse ano e era editor do impedimento, e eu  entrarmos  era mantido apenas por jornalistas, nós entramos porque tínhamos um blog e eles nos convidaram para escrever lá. Já no meio do curso, a gente teve um contato diário com profissionais da área, com pessoas que já estavam fazendo grandes coisas e isso no momento em que estávamos nos aproximando da formatura, nos abriu um leque de oportunidades, fosse com essas pessoas, fosse com as pessoas que já conheciam nosso trabalho no impedimento. O Iuri foi contratado pelo Sul21, eu preferi seguir como repórter freelancer porque não estava, no momento, querendo me ligar a nenhuma empresa específica. Eu estou tentando um mestrado e eu precisava de tempo pra isso.

Eu segui, neste ano, trabalhando como repórter freelancer em parceria com uma  Agência de Conteúdo de um dos editores do Impedimento. Neste ano, eu tive oportunidade de escrever em revistas variadíssimas como a Galileu, a Superinteressante, a Piauí, a Aventuras na História com uma reportagem também com o Chile, graças a esse contato que eu tive e que me ofereceu essas oportunidades. Ter saído da faculdade e ter tido a oportunidade de publicar trabalhos tão grandes em tantos lugares é algo extraordinário, ainda mais quando se é premiado com algo tão prestigioso como é esse prêmio de Direitos Humanos, mas também é algo que tem a ver com uma construção que vem de pelo menos três anos atrás. A questão, não só no jornalismo, mas principalmente nessa área, é você estabelecer contatos, você ter pessoas que já conhecem o “caminho das pedras” e que possam te guiar para aproveitar essas chances que surgem.

F.V.: Atualmente como editor do Impedimento e repórter freelancer, quais os teus projetos futuros, além do mestrado?

M.B.: A prova de seleção do mestrado é em janeiro, então eu tive que me afastar um pouco das reportagens e tudo mais para me dedicar aos estudos. Depende muito do que acontecer com o meu futuro próximo, mas eu não pretendo nunca me afastar do jornalismo, mesmo que eu passe no metrado em História e inicie uma carreira acadêmica também na História.

De certa forma tudo que eu pretendo fazer se relaciona um pouco com o fazer jornalístico e se relaciona com se determinada pesquisa acadêmica pode gerar ou não uma reportagem no futuro. Inclusive, antecipando aqui o tema do meu projeto de mestrado, espero eu que seja aprovado, é sobre um gaúcho que foi morto no Chile antes do golpe de Estado e o velório dele foi acompanhado por cem mil pessoas, ou seja, teve um uso político tremendo há três meses do golpe acontecer. Ele era militante de esquerda e os partidos de esquerda percebiam que um golpe estava vindo e precisavam mostrar força. Então, ele sem ser alguém importante em vida, teve um velório que foi algo de multidões. Se eu passar no mestrado, eu vou fazer essa pesquisa sob um viés acadêmico, mas todo o material que eu vou juntar para ela pode, depois, resultar em uma reportagem sobre esse personagem que, embora seja gaúcho e brasileiro, é completamente desconhecido aqui no Rio Grande do Sul, até porque sua morte aconteceu em um momento em que a imprensa daqui estava censurada.

Então é assim, eu não pretendo nunca me afastar do jornalismo, talvez, inicialmente, eu leve essas apurações com outro viés mais acadêmico, mas sempre pensando de que forma pode ou não virar uma reportagem depois.

Fotos: cedidas por Maurício Brum.

Repórter: Franciele Varaschini – Acadêmica de Jornalismo.

Edição: Lucas Durr Missau.

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