Os
estudos em meteorologia afetam diariamente nossas vidas e, de tão arraigados em
nosso cotidiano, muitas vezes não conseguimos imaginar a dimensão que alcançam.
Pensemos na previsão do tempo que vemos no noticiário: se vai chover ou vai
fazer calor, se devemos levar um guarda-chuva para enfrentar um temporal ou
sair com roupas leves para aguentar os 40º C de temperatura. Em outros âmbitos,
não tão óbvios, a meteorologia também está presente. A geração e a transmissão
de energia elétrica dependem de previsão climática de chuvas e de ventos. A
agricultura utiliza o conhecimento meteorológico, desde o planejamento da cultura
agrícola mais adequada para a área a ser plantada até a previsão da aproximação
de um fenômeno climático que pode causar estragos na plantação. Os alertas de
desastres naturais – chuvas intensas, vendavais ou granizos – da defesa civil
também estão relacionados diretamente com as informações meteorológicas. “A
ciência está diretamente ligada à prática”, sintetiza Ernani Nascimento,
professor adjunto da graduação e pós-graduação em Meteorologia da Universidade
Federal de Santa Maria. Na entrevista, o professor também fala sobre fenômenos
climáticos que mais têm provocado desastres no Rio Grande do Sul, sua relação
com a intervenção humana na natureza, as pesquisas que vêm sendo desenvolvidas
na UFSM e a importância dos estudos na área.
Quais
eventos climáticos mais causam desastres no Rio Grande do Sul?
No Rio Grande do Sul,
os fenômenos que mais causam desastres naturais são chuvas intensas, vendavais
e granizos. As chuvas intensas podem causar desastres naturais, pela elevação
repentina de um rio, causando uma enchente, ou pelo deslizamento de uma
encosta, por exemplo. Os vendavais causam danos nas estruturas de casas,
prédios ou torres de linhas de transmissão de energia e na vegetação, com
árvores caindo em cima de veículos ou casas. Quanto ao granizo, o estrago na
agricultura, nas construções e em veículos pode ser muito grande. Outro
desastre natural são as estiagens, causando sérios danos à agricultura e ao
abastecimento de água.
Pode-se
dizer que esses fenômenos que causam desastres têm se tornado mais frequentes
ou mais intensos por causa da intervenção humana?
Com certeza há um aumento no registro de desastres
naturais no país inteiro. A grande pergunta é: por quê? Existem possivelmente
dois motivos para isso. Um é o próprio aumento da população. Se a população
aumenta, você ocupa mais espaço geográfico, então você se coloca no caminho dos
fenômenos. Há 30 anos, uma tempestade estaria passando por cima de uma fazenda
ou um lugar desocupado e hoje passa sobre um vilarejo, uma cidade. Um deslizamento
de terra que há 50 anos não ia causar danos a ninguém, hoje, por existirem
casas ocupando uma encosta, provoca até mortes. Então está aumentando o número
de desastres naturais pelo simples motivo de estar aumentando a população. O
segundo motivo diz respeito à pergunta: será que de fato existe uma maior
frequência desses fenômenos de alguns anos para cá? Atualmente, é nesse ponto
que estão concentradas as pesquisas, nessa parte de mudanças climáticas. A
comunidade meteorológica no mundo inteiro procura quantificar isso, se de fato
os fenômenos estão ficando mais frequentes e/ou mais extremos pelas atividades
humanas e pela emissão de poluentes. E tudo indica que sim. Todos os resultados
de pesquisas em mudanças climáticas indicam que o homem está conseguindo
modificar parcialmente o comportamento da atmosfera. Então os ciclos naturais
estão sofrendo interferência humana, que pode estar acentuando fenômenos
climáticos que antes eram puramente naturais.
E esse é um
processo irreversível?
Alguns processos de atividade humana são reversíveis. Um
comprovado é a emissão de gases CFC, que aceleravam o processo de destruição da
camada de ozônio. Esse gás foi proibido no final dos anos 80, e os resultados
mais recentes mostram que gradualmente a concentração de ozônio está voltando a
ser influenciada só pelo ciclo natural, e não mais pela influência humana.
Então algumas coisas são reversíveis. Quanto a outras, como a emissão de gás
carbônico, que ajuda a aumentar a temperatura da superfície da Terra, há muito
debate. O gás carbônico tem um grande tempo de residência na atmosfera e, mesmo
que hoje nós controlássemos sua emissão, ele ainda ficaria décadas lá. Nesse
ponto uma reversibilidade seria só daqui a muito tempo. A comunidade científica
ainda tem muita dificuldade de mobilizar a classe política para tomar alguma
atitude em relação a isso. Ainda não há uma redução da emissão de gás
carbônico. Então responder essa pergunta é muito difícil. É reversível? É, mas não vai ser nossa geração
que vai ver isso, porque a gente não vê dos tomadores de decisão nenhuma
atitude que deveria ser tomada o quanto antes e, além disso, mesmo que fosse
tomada ainda levaria muitos anos para que esses gases fossem reprocessados pelo
ambiente. Essa reversibilidade não vai ocorrer em curto prazo de jeito
nenhum.
Existem
pesquisas na UFSM que estudem esses fenômenos climáticos e suas implicações?
Aqui na Meteorologia temos a professora Simone Ferraz,
que trabalha avaliando regionalmente essas mudanças climáticas. É um estudo
muito importante porque acaba orientando futuras ações. O RS é um estado cuja
economia é fortemente agrícola e ter projeções de clima é fundamental.
A questão do clima é muito interdisciplinar, então também
há pessoas das áreas de Biologia, Geografia, Agronomia e Medicina interessadas.
Nós, do grupo de Meteorologia, trabalhamos em diferentes escalas, com
especialistas que estudam extremos, por exemplo, longos períodos de chuva
contínua ou longos períodos de estiagem. Em uma escala um pouco menor,
estudamos, por exemplo, a frequência com que os ciclones extratropicais
ocorrem. Temos estudantes que pesquisam eventos específicos, a ocorrência de um
ciclone ou de um sistema de baixa pressão que gerou chuvas intensas ou granizo.
Depois podemos descer a uma escala ainda menor, estudando tempestades
isoladamente, nesta escala de cerca de 30 km, que é minha área de
especialização. Além disso, o RS tem dois radares meteorológicos da
Aeronáutica, e nós realizamos pesquisas com esses dados, com imagens de
satélite.
Qual
a importância desses projetos que vêm sendo desenvolvidos na UFSM para a
academia e para a comunidade?
Se você for pensar, você tem uma gama bem ampla de
usuários finais da informação meteorológica. Podemos citar o setor elétrico: a
geração de energia depende de previsão climática de chuva e as torres de
transmissão de energia não podem cair pelo vento; então temos que ser capazes
de prever esse tipo de fenômeno para a empresa elétrica saber responder. A
agricultura é aplicação óbvia de meteorologia, tanto em escala climática para
definir e planejar a atividade agrícola, quanto para prever a aproximação de um
evento que pode gerar muita chuva ou granizo. A defesa civil é outro grande
usuário das informações meteorológicas para alertas de desastres naturais. Toda
a pesquisa feita em meteorologia, no final das contas, vai sair da academia.
Estudamos uma ciência, algo que é meio hermético para a sociedade, mas
conseguimos depois transferir essa informação para um produto, uma ferramenta
que aproxima todo esse conhecimento do usuário final. Um exemplo básico é a
geração de uma previsão do tempo. Praticamente para tudo que fazemos em
meteorologia, mesmo o que existe de mais básico, no final claramente vemos uma
aplicação. A ciência está diretamente ligada à prática. A ponte entre ciência e
usuário final é muito clara.
Esse
texto foi originalmente publicado na 1º edição da Arco, revista de jornalismo científico e
cultural produzida pela Coordenadoria de Comunicação da UFSM. Conheça outras
matérias da Arco em www.ufsm.br/arco