Dez anos após sua criação, a Revista .TXT chega a sua 22ª edição, que teve seu lançamento na segunda-feira (28). A revista laboratorial do curso de Jornalismo é produzida na disciplina Jornalismo Impresso II, pelos acadêmicos do 3º semestre. As matérias são voltadas à UFSM, seja na divulgação de projetos e iniciativas ou no relato de histórias. Neste ano, os alunos foram desafiados a expandirem seus horizontes, através de uma revista que também contemplasse as pessoas com deficiência visual. O resultado foi um produto com audiodescrição completa e muito aprendizado para os estudantes.
A principal matéria desta edição conta a história dos moradores da Vila Olaria. Eles viveram na UFSM durante anos e ajudaram a produzir os tijolos utilizados na construção da Universidade. Outra reportagem de destaque mostra como é a acessibilidade na UFSM. São mais de 140 estudantes, além dos servidores, com algum tipo de deficiência, que precisam se locomover e permanecer na instituição. Nada mais justo que abordar isso numa edição voltada à acessibilidade e inclusão.
Como a revista só tem recursos para publicar 700 exemplares e não há uma impressão em braille, a equipe optou por fugir da lógica tradicional de que a única forma de ser acessível seria através do meio impresso. Assim, em uma conversa informal entre a professora Viviane Borelli, coordenadora da disciplina, e o técnico-administrativo Cristian Sehnem, que é cego, surgiu a ideia de uma versão digital, totalmente adaptada para ser lida por softwares leitores de tela.
“A gente trabalha, enquanto jornalistas, enquanto produtores de conteúdo, imaginando que tudo o que produzimos vai ser consumido de uma forma padronizada, homogênea. A gente não tem pensado nesses outros vários públicos”, afirma Viviane. Segundo ela, mesmo com a existência de leis que tornem obrigatória a acessibilidade, essa ainda é muito limitada. A professora certificou-se disso após conversar com professores de outras instituições e constatar que eram raros os projetos semelhantes a esse.
Os alunos logo abraçaram a ideia, dispostos a proporcionar aos deficientes visuais a experiência de ler a revista como um todo. “Quando a gente consome uma revista, uma parte muito importante dela é o aspecto visual. A gente sabe que as imagens trazem histórias e elas estão inteiramente ligadas com o texto” conta o acadêmico Pablo Furlanetto. Assim, o principal objetivo foi tornar o material totalmente acessível, com audiodescrição de todos os aspectos gráficos.
A proposta é que as pessoas cegas ou com baixa visão possam também ter uma leitura visual. Geralmente os conteúdos voltados a esse público contam apenas com texto, sendo que, quando o software passa por alguma fotografia, a única coisa que o usuário ouve é “imagem”. Com a audiodescrição do layout, fotos e gráficos, a ideia é que o leitor da revista possa localizar mentalmente a forma como o texto está disposto, a organização das imagens e, assim, visualize mentalmente a página em si, do jeito que ela é, explica Pablo.
Consultores
Durante o processo de audiodescrição os alunos contaram com o apoio da Comissão de Audiodescrição, que integra o Núcleo de Acessibilidade da UFSM. Essa comissão conta com mais de 15 membros, dentre eles consultores cegos, que foram essenciais para a realização do projeto. A audiodescrição foi feita pelos acadêmicos, depois repassada para os roteiristas (alunos com a função de analisar todas as descrições) e mais tarde para os consultores. Foram necessários cerca de seis ajustes e reformulações, até chegarem à versão final.
“Foi um aprendizado mútuo” define a consultora Fernanda Taschetto. Segundo ela, enquanto os estudantes não sabiam ao certo como fazer o roteiro, os consultores também não conheciam perfeitamente os aspectos de uma revista. Assim, ambos os lados tiveram um crescimento conjunto durante o processo. Ela ainda salienta a importância do projeto, não apenas para a .TXT, mas também para a UFSM e para a acessibilidade na Instituição.
Já o consultor Cristian Sehnem avalia a edição como “uma revista de vanguarda no que se refere à acessibilidade”. Ele conta que, embora haja normas técnicas da ABNT para audiodescrição, elas são, em sua maioria, voltadas à imagens dinâmicas, como vídeos e filmes. A equipe teve que fazer a produção sem nenhuma diretriz para imagens estáticas. Cristian também considera muito importante a inclusão dessa acessibilidade no currículo acadêmico de Jornalismo.
Projetos
A professora Viviane Borelli, juntamente com o técnico-administrativo Rafael Bald, desenvolveu um projeto de ensino para pensar a acessibilidade das revistas. O mesmo busca trazer para dentro do Jornalismo a preocupação com acessibilidade das informações produzidas. Além disso, Bald tem uma pesquisa de mestrado em andamento, sobre Métodos e Práticas para o Desenvolvimento de Revistas Digitais Acessíveis. A proposta dos projetos é, futuramente, elaborar um manual que ensine como tornar uma revista acessível, partindo do pressuposto de que ela deve ser digital.
“É uma proposta experimental. Ela não veio para rebater as já existentes. Veio pra somar ao que nós já temos. Temos acessibilidade para PDF, para web. Mas não temos algo para produtos mais elaborados. Produtos jornalísticos ou publicitários”, afirma Bald. Além da .TXT, a ideia é que a Fora de Pauta, revista laboratorial produzida no 4º semestre do curso, também seja construída dentro dos padrões de acessibilidade.
Em setembro, a .TXT será apresentada a estudantes de Comunicação do Brasil inteiro. O estudante Pablo apresentará um artigo, que produziu em conjunto com outros membros da Comissão de Audiodescrição, no qual aborda a acessibilidade e a rotina de produção de uma revista laboratorial. O Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação (Intercom) é o maior do país na área e ocorre de 4 a 9 de setembro, na Universidade Positivo, em Curitiba.
Lançamento
O dia 28 de agosto marcou o encerramento da Semana Nacional da Pessoa com Deficiência Intelectual e Múltipla, que começou no dia 21. Assim, durante o evento, também foi realizado o II Desfile de Moda Fashion Inclusivo, que integrou a IV Semana Municipal em Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência. De acordo com o IBGE, em 2010, a população de Santa Maria tinha 54.312 pessoas portadoras de deficiência. Participaram do desfile inclusivo jovens, adultos e crianças, com diferentes tipos de deficiências.
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Texto e fotos: Melissa Konzen, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Edição: João Ricardo Gazzaneo
Audiodescrição da foto 1:
Fotografia horizontal e colorida de duas mulheres e um rapaz, enquadrados de corpo inteiro, em pé, no
interior de um shopping. Ao centro, uma mulher segura um microfone próximo à boca com a mão direita. Ela tem cabelos pretos lisos cujo comprimento ultrapassa um pouco os ombros, pele clara, veste um casaco de blazer de cor salmão e um vestido com estampas
quadradas em tons claros de amarelo, lilás e azul e sapatos azuis. À esquerda, uma jovem de baixa estatura, cabelos escuros e lisos até a altura do pescoço, pele clara e óculos de grau. Ela veste uma blusa de meia-manga preta, calça jeans azul escura e tênis
cinza com solado branco, tendo as mãos cruzadas na frente do quadril. E, à direita, um rapaz alto com pele clara e cabelo escuro e cacheado. Ele veste uma camisa social azul claro, gravata borboleta preta, bermuda branca e alpargatas marrons, tendo as mãos
para a frente, segurando uma folha branca. Ao fundo, várias pessoas paradas, uma caixa de som no chão, um banco de madeira com uma televisão e outra caixa de som e uma cortina preta.
Audiodescrição da foto 2:
Fotografia horizontal e colorida de um rapaz lendo uma revista. O rapaz está à esquerda, enquadrado
do quadril para cima, em pé e de perfil direito, com a cabeça baixa e direcionada à revista, que segura com a mão direita. Ele tem cabelos curtos, escuros, pele clara e barba escura e veste uma camisa social branca, de mangas. À direita, uma moça, de costas,
pele clara , cabelos na altura do pescoço e pretos com mechas azuis, uma blusa comprida de listras verticais pretas e brancas, e uma saia xadrez em preto e branco. O fundo é desfocado e apresenta dois rapazes de frente que estão junto a outro rapaz, de costas,
e que parecem interagir entre si, além de borrões que lembram uma vitrine e uma parede branca.