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​Mulheres, poder e feminismo



Evento foi realizado no Salão Imembuí

Histórias inspiradoras e emocionantes, contadas por
mulheres docentes, técnico-administrativas e estudantes, mas, acima de tudo, por mulheres
que lutam pelos direitos de todas. O Dia da Mulher na UFSM foi marcado por um
dia de reflexões sobre os direitos que as mulheres já conquistaram e o que
ainda falta conquistar. No dia 8 de março, no Salão Imembuí, o Grupo
Sororidade UFSM reuniu mulheres de várias áreas para ouvirem e relatarem suas
histórias de vida.

O primeiro tema debatido entre as convidadas e o público foi “Mulheres
e poder”. Instigada sobre quais seriam as características para um bom trabalho
de liderança, Elaine Resener, superintendente do Hospital Universitário da UFSM
(Husm), relatou que confiança, transparência, conhecimento, experiência, entre
outros, são importantes para a construção de uma gestão colegiada, modelo por
ela defendido. A prova de que as mulheres possuem qualidades de liderar e
trabalhar em equipe é visualizada no Husm. O local é composto por pouco mais de
dois mil trabalhadores, e 1.700 são mulheres. Além disso, os principais hospitais
universitários, como do Paraná, Santa Catarina, Pelotas, Rio Grande e de Santa
Maria, são dirigidos, no momento, por mulheres. “Eu acho que é um passo importante
esse reconhecimento da capacidade técnica da mulher desenvolvido ao longo do
tempo, não sem esforço”, relata Elaine, que diz nunca ter sofrido
constrangimentos pelo fato de ser mulher nos locais já trabalhados.

Com momentos marcantes e pontuais sofridos pelo
machismo, Martha Adaime, pró-reitora de Graduação da UFSM, relatou
que a primeira situação de constrangimento foi na escolha pelo curso de Química
Industrial. “Isso não é profissão para mulher, é profissão para homem”, Martha
ouviu de seu pai. Decidida a cursar o que gostava, Martha seguiu o seu sonho.
“Quando a gente se encoraja e quando aprende a levantar a carga na queda, não
tem por que não seguir”. No momento do estágio na Petrobrás, no Rio de Janeiro,
foi selecionada para o Laboratório de Análise de Água. Questionado por ela
sobre se iria trabalhar na planta da empresa, seu chefe respondeu: “Não, nós
não costumamos colocar mulher na planta”. A escolha pelo perfil acadêmico na
UFSM deu a Martha a liberdade para realizar escolhas e trabalhar na gestão. “As
mulheres têm uma sensibilidade na gestão de saber ouvir até o fim uma conversa,
com qualquer pessoa que esteja na equipe e precisa ser ouvida”, comenta.

Emocionada com a difícil trajetória enfrentada,
Sônia Cechin, diretora do Centro de Ciências Naturais e Exatas (CCNE), contou sobre as dificuldades que teve para conciliar a faculdade e o papel de mãe ao mesmo
tempo. Com a ajuda do marido, Sônia
conseguiu vencer as barreiras, cursar mestrado e doutorado, e hoje ser diretora do CCNE. Apesar dos novos tempos, Sônia questiona: “E hoje, está melhor
do que esse período que eu passei? Nem tanto”. Segundo alguns dados relatados
por ela referentes aos bolsistas do CNPQ na UFSM, existem 13 mulheres e 41
homens na categoria 1, apenas três mulheres na categoria 1B, e na categoria
máxima, 1A, 10 homens e somente uma mulher, sendo que em todas as categorias as mulheres chegam a escrever o dobro de artigos do que os homens. Na
graduação, os dados não diferem muito. Nas 15 unidades de ensino na UFSM,
apenas três mulheres são diretoras de centro, apesar de elas representarem a
maioria nas universidades, 60%. “A gente vê por esses números que as coisas não
estão tão bem assim e que a gente tem muito o que fazer ainda para mudar esse
cenário”, relata Sônia, que observa a falta de incentivo às mulheres.

Público presente ao eventoJá Ane Carine Meurer, diretora do
Centro de Educação (CE),
comentou o quanto ainda falta ser feito para desmistificar o termo “feminismo”,
composto por uma história de lutas. “Entendo que é toda uma história de superação
de todas nós, mas que fomos nos constituindo a ferro e fogo muitas vezes nas
situações que enfrentamos”, relatou, destacando o privilégio e a
oportunidade que foi participar do evento. “Não sei se poderíamos falar o que
falamos se não estivéssemos nessa instituição, e se teríamos tempo de estarmos
refletindo sobre isso se estivéssemos numa instituição privada”, observou. Ane Carine defende que lugares como esse devem ser constituídos
enquanto resistência para todas as pessoas, sejam mulheres ou homens. “Eu
não quero ser melhor do que os homens. Eu quero, sim, ter também o meu espaço”,
ressaltou. Movida pelo reconhecimento
de ser uma mulher que teve a possibilidade de estudar devido ao apoio e ajuda de
sua família, Ane Carine reconhece que no Brasil nem tudo é assim. “E quem não
tem na sociedade esse laço que nós tivemos, essa mãe que apoiou? Nós temos essa
obrigação, enquanto servidoras públicas, de pensar nessas pessoas”, ressaltou a
professora.

Liderar como referência é um dos pensamentos de
Viviane Cancian, do Núcleo de Desenvolvimento Infantil (NDI). Para Viviane,
esse reconhecimento é fruto de muito trabalho, competência e dos valores que a
constituem como ser humano. Sua trajetória e formação contribuiu para que
Viviane aprendesse a importância de escutar os diferentes segmentos, como
docentes, técnicos e as famílias que precisam de ajuda. Sobre os desafios frente
à secretaria de educação e o tempo que morou no Ceará, Viviane relatou: “Aprendi
a respeitar os seres humanos, a capacidade que a gente tem de dialogar com as
pessoas que têm conhecimento e com as pessoas que não têm”. Hoje, sua maior
inspiração são as crianças da Ipê Amarelo, que mostram a ela “a leveza da
vida”. A convivência com as crianças e com as demais pessoas com quem já
trabalhou mostrou a Viviane os desafios de conviver com os seres humanos e
respeitar as diferenças. Como gestora, pensa que as mulheres precisam adquirir
conhecimento e capacidade antes de liderarem. “Então, a gente precisa construir
lideranças mulheres”, conclui.

Acostumada a ouvir o público devido ao trabalho
desempenhado frente à Pró-Reitoria de
Gestão de Pessoas,
Marcia Lorentz ressalta que ser um exemplo para os outros e ter empatia pelos
seres humanos são os grandes segredos da liderança. Muitas vezes, porém, é
preciso mais que isso. Limitada pela própria legislação, Márcia precisa
encontrar pequenas soluções para ajudar nas dificuldades de servidores. “A
gente tem que criar alguma coisa positiva para dizer para aquela pessoa que está
esperando uma resposta de ti”, relata a pró-reitora, em relação aos desafios
vivenciados no trabalho. O reconhecimento e a valorização dos seres
humanos são fundamentais para Marcia, que ressalta o quanto é importante existirem
pessoas que reconheçam o trabalho umas das outras. “A gente também precisa das
pessoas sensíveis que consigam identificar talentos”, afirmou. 

Feminismo e o espaço
das mulheres na sociedade

Participantes da segunda mesa de discussãoDiscursos feministas pautados por lutas históricas
e atuais, experiências vivenciadas por mulheres jovens e adultas. O tema da mesa 2, “Feminismo: estamos
falando de quê?”, atraiu as mais diversas mulheres da UFSM para debaterem sobre
os seus papeis nos dias hoje. 

Para
uma mulher que acompanha o movimento feminista há um bom tempo, Nikelen Witter,
professora e pesquisadora, comemora o momento atual. “É um momento ímpar
em termos de história do movimento feminista. Acho que nós nunca estivemos tão
conectadas e nunca tivemos pautas tão amplas e ao mesmo tempo tão capazes de
nos mobilizar como temos hoje”, ressalta a professora,que observa a crescente
união das mulheres frente a outros tempos. Aliás, foi a partir dessa união que
as mulheres conquistaram o direito ao voto. Porém, o único desconhecimento
frente a esse assunto lamentado por Nikelen é que essa causa não foi a primeira
e a única luta das mulheres. “Voto não é o suficiente. Nós queríamos ser
cidadãs e infelizmente nós ainda somos cidadãs de segunda classe, no sentido de
que nossos espaços ainda são tolhidos. Os homens ainda cortam as nossas
palavras, nos explicam coisas que nós sabemos”, relata a professora, que observa
a pouquíssima representação das mulheres na sociedade.

A
primeira grande luta feminista foi o direito à alfabetização e, embora essa
luta seja antiga, ainda hoje não são todas as mulheres que possuem
escolarização. “Nós temos provas hoje, em inúmeras pesquisas, que dizem que
qualquer país que consiga que suas mulheres tenham um maior nível de
escolaridade, o IDH desse país se modifica e cresce”, defende Nikelen, que
comenta que essa luta também é de todos os homens que querem um mundo mais justo.
Apesar dos inúmeros e crescentes casos de feminicídios no Brasil, a professora
observa que são justamente esses sinais que demonstram o aumento do poder
feminino. “Isso é a resistência da sociedade machista e patriarcal. Quanto mais
a gente grita, mais eles batem, mais a gente morre. Então, a gente não pode
sentar e baixar a cabeça”, ressalta Nikelen, que diz que essa resistência não é
o significado da perda, mas sim da vitória. “Vamos erguer nossas cabeças,
ocupar os nossos lugares, levantar, falar e usar as nossas vozes a favor de nós
enquanto um grupo coletivo diferente, que não vai ser igual, mas que se irmana
quando é oprimido, quando é calado e quando é censurado”, instiga.

Representada
por uma história de luta feminista e negra, Maria Py Dutra expôs a resistência
e os desafios sofridos pelas mulheres ainda nos dias de hoje. Emocionada, a
professora leu um trecho da carta de Sojourner Truth intitulada “E não sou mulher?” e citou injustiças
enfrentadas por uma mãe em Porto Alegre, acusada de negligência pela morte do
filho e condenada a 29 anos de cadeia por mulheres brancas. Jovens como essa
sofrem pela falta de direitos e pelo passado difícil que têm que
enfrentar, segundo Maria Py. “A Universidade Federal de Santa Maria é uma joia
que o pessoal da periferia precisa lapidar, porque eles só chegam aqui para ir
no Husm”, disse. Além disso, a professora ressaltou que a outra questão que as mulheres
negras têm de resolver é na hora de encaminhar seus filhos para a escola. “Nós
dizemos que o grande problema da sociedade brasileira é o racismo. Onde é que
está a reprodução do racismo? Dentro da educação, na escola”, afirmou. A mudança que deve ser realizada, como observa, é justamente na
formação de profissionais, para que mudem a sua visão através da educação étnico-racial.
Ela também lamentou os assédios que as mulheres sofrem na
UFSM pelos professores, “por quem deveria estar ali para garantir os nossos
direitos”.

A estudante Cristina Haas, coordenadora
do DCE, chamou a atenção para o fato de haver pouquíssimos homens na plateia.
“Reforçar o quanto é importante que os homens nos ouçam também, para
conseguirem desconstruir seu machismo”, disse. O preconceito sofrido pelas mulheres
está presente na própria escolha da profissão. Nas universidades, Cristina
chama atenção para o fato de que é visível a predominância de estudantes
femininas em cursos “predestinados” a elas, como Pedagogia, Fonoaudiologia e
Fisioterapia. Já nos cursos ligados a Engenharias e Ciências Rurais, os homens é
que são a maioria. “É resistência ser mulher e se formar nesses cursos”,
comenta a estudante, que diz que essa disparidade facilita o assédio. Reconhecedora
do privilégio que ocupa em ser branca e estudar em uma escola pública, Cristina
salienta o quanto o debate sobre o feminismo deve ser levado para fora da
universidade, para que todas as mulheres possam avançar juntas. É
justamente o próprio privilégio que deve ser abdicado para que se possa
construir em conjunto a luta por direitos igualitários. “Enquanto não doer para
um homem, não doer para um branco, ele não vai abdicar o racismo e o machismo
dele”, afirmou. 

Representante
da Comissão de Igualdade de Gênero da UFSM, Cláudia
Kessler, jornalista, questionou quem são as mulheres que fazem parte deste
feminismo e que são incluídas no debate. “É importante sempre a gente perceber
todos os fatores que influenciam o que é ser mulher e é uma coisa muito difícil
a gente ver o que é ser mulher”, comenta Cláudia, que acredita que o desconforto
é um dos princípios causados pelo feminismo. A mídia
e a sociedade impõem padrões sobre o que seria o ideal do feminino, observa a
jornalista. O corpo, a maquiagem e a roupa que as mulheres usam são alguns dos
“atributos” julgados com base em modelos pré-determinados. “Por que eu teria
que ser forte fisicamente para que as pessoas pensem que eu tenho força? Eu
tenho força, mas essa força está dentro de mim”, salienta Cláudia, que vê no
discurso das mulheres a força que elas têm. Além disso, o comportamento das
pessoas ao redor do mundo reflete o modo como a sociedade está sendo educada e
o mundo que elas realmente querem. “A gente quer um mundo em que os homens
participem também”, reforça Cláudia, que defende a presença dos homens em
espaços ocupados por mulheres.

Leia também o Dossiê Mulheres na Ciência, produzido pela Revista Arco, publicação de jornalismo científico e cultural da UFSM

Texto e
foto: Gabrielle Ineu Coradini, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de
Notícias

Edição: Ricardo Bonfanti

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