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Como alternativa ao plástico, pesquisadora da UFSM desenvolve embalagem à base de colágeno e óleos essenciais

Filme se destaca no combate a micro-organismos e na possibilidade de aumento do prazo de validade dos produtos



foto colorida horizontal com uma mulher de jaleco branco, sorrindo para a câmera, segurando com as duas mãos um material de tamanho aproximado de uma folha ofício, meio translúcido. Em uma mesa à frente dela equipamentos de laboratório e produtos como presunto e carne embalados
Suslin Raatz Thiel desenvolveu filme para embalar carnes de forma ecologicamente correta

Lançado em 2021, o relatório “Da Poluição à Solução: Uma Análise Global sobre Lixo Marinho e Poluição Plástica”, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), revela que 300 milhões de toneladas de resíduos plásticos são produzidos todos os anos ao redor do mundo. Para agravar a situação, apenas 9% do total é reciclado, isto é, o resto é descartado e chega até os oceanos, onde atingem espécies marinhas. O corpo humano também é vulnerável à contaminação por resíduos plásticos em fontes de água, através de frutos do mar, bebidas e até sal comum, podendo causar câncer. Com isso, o estudo pede uma mudança nas práticas de consumo e produção sustentáveis, com adoção rápida de alternativas pelas empresas e uma maior conscientização do consumidor.

Com essa problemática em vista, Suslin Raatz Thiel dedicou os quatros anos de seu doutorado no Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia dos Alimentos da UFSM à produção de um filme que sirva para embalar carnes de forma ecologicamente correta. Bacharel em Química de Alimentos pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e mestre pelo PPGCTA da UFSM, primeiramente ela tinha apenas o desejo de produzir o material filme, mas não sabia com qual ingrediente, visto que ele poderia ficar extremamente sensível.

E foi o que aconteceu quando experimentou com amido, farinhas, cascas de arroz, dentre outros subprodutos (termo utilizado para designar elementos secundários de alguma produção, as sobras que não são usadas para a função principal). Então, sua orientadora à época, a professora Rosa Cristina Prestes Dornelles, sugeriu usar a fibra de colágeno, a qual já era extraída e aplicada em trabalhos realizados pelo laboratório e ainda é um subproduto gerado pela indústria da carne. Acrescentado a isso, veio os óleos essenciais, que já havia trabalhado na graduação. O orégano e o alecrim foram os escolhidos.

O resultado foi positivo, tanto é que Suslin defenderá sua tese no final do mês. Quando a professora Rosa faleceu, o professor Renius de Oliveira Mello assumiu a orientação do projeto, com a co-orientação de Mari Silvia Rodrigues de Oliveira.

Etapa inicial da produção do material

Ingredientes e produção

Em primeiro lugar, a pesquisadora pesa os ingredientes: a fibra de colágeno e o tween, que é um material com função semelhante ao detergente, consegue misturar água e óleo. Depois, adiciona uma pequena porção do plastificante glicerol, pois este afeta na elasticidade e resistência mecânica dos filmes. Em seguida vem o álcool polivinílico, um polímero sintético, biodegradável e solúvel em água. Logo, adiciona água e corrige o pH da solução filmogênica com ácido acético. A partir disso, ocorre a mistura de todos os ingredientes, quando o colágeno é gelificado e o álcool polivinílico dissolvido. Em banho-maria, a solução é aquecida a 90ºC. “Pelas análises realizadas, descobrimos que, com o pH da solução que utilizamos, ocorreu um intumescimento das fibras, onde uma parte permaneceu no material, melhorando a resistência mecânica”, explica. Acrescentada a quantidade de óleo essencial em questão, o composto é colocado em uma placa e em sequência em uma estufa, onde, por fim, seca e vira filme.

Todo o processo é em escala laboratorial, frisa Suslin. Ou seja, em uma indústria, a produção precisa ser mais rápida e em alta escala. No laboratório, esse método de fazer uma solução filmogênica, colocá-la em uma placa e secar em estufa é conhecido como casting. Já na indústria, há equipamentos otimizadores, chamados de casting contínuo. “Ele seca rapidamente a solução, algo que demoramos quase 24h em uma estufa”, relata a doutoranda, que afirma já ter entrado em contato com empresas brasileiras para fazer testes na máquina, a fim de entender como seria a produção em larga escala de seu filme.

Material biodegradável

“Minha preocupação por um produto biodegradável sempre foi constante”, afirma Suslin. Desde então, procurou por biomateriais. Para testar sua embalagem, colocou um pedaço na terra para ver quanto tempo duraria até se degradar. O resultado: em torno de um mês. Um salto se comparado ao plástico, que, por ser derivado do petróleo, demora cerca de 400 anos para se decompor. “O grande problema do plástico é que, no caso dos fatiados, é de uso único, usamos uma vez e jogamos fora. Mesmo no lixo, o problema continua, apenas deixamos longe de nós”, explica.

A tempo, Suslin alerta que muitas empresas utilizam o termo “bioplástico” de forma errônea. Isto é, menos de 40% dos plásticos de base biológica são biodegradáveis. Isso porque o processo de biodegradação envolve a estrutura química do material. Assim, esses plásticos, que muitas vezes são de soja, amido de arroz, milho ou cana-de-açúcar, podem não ser biodegradáveis. Da mesma forma que plásticos de origem fóssil podem ser biodegradáveis, conforme o Atlas do Plástico de 2020.

Atividade antimicrobiana

Não obstante, o que confere ainda mais valor ao projeto de Suslin são os resultados de atuação contra bactérias. Através de testes com seis bactérias patogênicas (Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, Salmonella Typhymurium e duas cepas de Listeria monocytogenes), pôde ser comprovada a eficácia do filme, devido a seus compostos bioativos. O teste igualmente foi realizado no produto, que no caso de Suslin, era a mortadela fatiada: “queria saber se o filme, com a incorporação dos óleos essenciais e seus compostos, poderia inibir a bactéria”, conta. Com os resultados positivos, conclui-se que tanto o filme quanto o produto, ao serem adicionados de compostos bioativos, possuem atividade antimicrobiana. Fator surpreendente, visto que o filme resistiu à aplicação com um produto de alta umidade e atividade de água como a carne, além de resistir à selagem a vácuo.

foto colorida horizontal mostra em detalhe duas mãos segurando uma embalagem com fatias de mortadela
Filmes criados por Suslin são embalagens ativas e biodegradáveis

Preservar o alimento

Por falar em atividade de água e umidade, vale lembrar que os produtos cárneos (mortadela, presunto, dentre outros) possuem-na como fator intrínseco e, aliadas ao pH e à composição nutricional, são excelentes para o crescimento de muitas bactérias. “Essa é uma das razões pelas quais os produtos não duram muito tempo na geladeira depois do início do consumo”, alerta Suslin. Como agravante, no caso dos produtos cárneos fatiados, a contaminação pode ocorrer no momento do fatiamento do produto, devido a higienizações incorretas do equipamento de fatiar, à manipulação incorreta dos colaboradores e ao contato com superfícies inadequadamente higienizadas. “Estes produtos, após o fatiamento, são embalados e colocados à venda, sem haver nenhum processo térmico que consiga eliminar possíveis contaminações cruzadas”, esclarece.

Para controlar essa contaminação, existe a possibilidade de criar uma embalagem ativa, isto é, aquela que interage com o produto de alguma maneira, afetando-o. Conforme a pesquisadora, há alimentos acondicionados em embalagens ativas nos supermercados. Como no caso das carnes embaladas a vácuo, que têm a atmosfera modificada. Nelas, ou oxigênio é retirado ou outros gases são adicionados. Porém, não são fabricadas com materiais biodegradáveis.

Em contrapartida, os filmes de Suslin não só são embalagens ativas como também são biodegradáveis. No seu caso, os óleos essenciais interagem com o produto ao diminuir tanto o crescimento de bactérias quanto a oxidação lipídica, que são tendência em produtos fatiados. Isto é, oxidação lipídica são reações químicas que podem alterar o produto sensorialmente e nutricionalmente – gerar sabores estranhos. Mas, graças aos óleos essenciais e sua atividade antioxidante, a oxidação lipídica foi diminuída.

Os poderes dos compostos

Cada ingrediente do filme possui nutrientes que, juntos, potencializam-no ainda mais. À exemplo do orégano e seu composto carvacrol, o qual tem atividade antimicrobiana e antioxidante. A usabilidade dos óleos essenciais é tamanha que são utilizados em diversos produtos, como o creme dental. Para simular a vida de prateleira do produto sob refrigeração, análises foram realizadas em um recorte de dias (0, 3, 6 e 9). Como resultado, os óleos essenciais provaram ser eficazes em fazer com que o produto mantivesse suas características, ao evitarem que perdesse tanta água a ponto de deixar sua cor original. Isso porque a embalagem, assim como protege em relação a microrganismos e oxidação lipídica, precisa “preservar características do produto, ao protegê-lo de fatores externos, para assegurar sua baixa permeabilidade a gases e à água”, afirma Suslin.

O colágeno, por sua vez, pode ir muito além de como é popularmente conhecido, em produtos de beleza e rejuvenescimento da pele. “Ele tem propriedades tecnológicas riquíssimas”, revela a doutoranda. A fibra de colágeno possui ainda uma porção insolúvel, que ajuda o filme a ser mais resistente. Essa constatação pôde ser realizada em um teste de Microscopia Eletrônica de Varredura (MEV), que permite observar o material de perto.

Ingredientes utilizados no processo são acessíveis

Acesso à matéria-prima

Para que o produto final seja ecologicamente correto, seus ingredientes também precisam ser. Assim como em relação à facilidade de encontrá-los na natureza, pois caso as embalagens fossem comercializadas em escala industrial, a demanda pela matéria-prima aumentaria. Quanto aos ingredientes, Suslin afirma que não são difíceis de conseguir.

A começar pelo colágeno, extraído de subprodutos da indústria da carne, como fragmentos da derme, tecido subcutâneo e ossos. Resíduos da indústria de pescado também são usados na extração de colágeno, principalmente no caso do peixe tilápia, que possui esta proteína em abundância na sua pele. “Dar essa outra finalidade para o colágeno é valorizá-lo”, conta. O álcool polivinílico, polímero sintético e biodegradável, o tween e o glicerol também não são difíceis de adquirir, diz a pesquisadora. O último, inclusive, é oriundo de óleos e gorduras animais e vegetais.

Já os óleos essenciais puros têm valores maiores. A depender da matéria-prima, há um rendimento menor na extração. Suslin conta que o processo de extração dos óleos essenciais é realizado somente com água, via destilação a vapor. Como no caso do alecrim, as folhas são postas junto à água e um equipamento as aquece. Dessa maneira, a evaporação acontece, seguida pela condensação, na etapa de filtro de água gelada.

A um pé do empreendedorismo

Com os seus resultados e o desejo de testes no âmbito industrial, Suslin e o colega de laboratório Felipe Giacomelli fundaram a Essential Bioembalagens em 2021. Com a startup, participaram da pré-incubação da então Agittec, hoje Pró- Reitoria de Inovação e Empreendedorismo (Proinova) da UFSM. No processo, ficaram em 2º lugar na categoria de melhor ideia daquele ano.

A pesquisadora conta que a pré-incubação a ajudou a ter uma visão para além do laboratório. “Deram-nos todo o auxílio para termos essa visão ampliada do mundo dos negócios e do empreendedorismo”, relembra. Nisso, um dos caminhos é a parceria com empresas do ramo do plástico ou que já trabalham com transferência de tecnologia. “Infelizmente, sabemos que não há muitas interessadas nessa cooperação. Todos acham a questão ambiental da poluição do plástico importante, mas falta empenho em se engajar para mudar o cenário”, aponta.

Os planos para o futuro incluem continuar no processo de pré-incubação, o qual precisou ser colocado em segundo plano para Suslin focar na reta final do doutorado. Para ela, é fundamental ter os testes de produção em grande escala, algo que, ao participar da incubação, seria mais possível, com o contato de alguma empresa que se interesse em participar.

Todos os testes e análises foram realizados na Universidade

Ademais, a doutoranda não se limita às carnes e aos óleos essenciais de orégano e alecrim. Ela vislumbra outros alimentos que suas embalagens possam conservar, tendo em vista que conseguiram com a carne, um alimento com grande quantidade de água. Inclusive, já fez testes proveitosos para a conservação pós-colheita de morangos. Pensa ainda em usar outros óleos essenciais e até modificar a própria matriz do filme, que poderia servir para outras funções, como curativo, por exemplo.

A imprescindível presença da UFSM

Tocante à participação da UFSM, a pesquisadora não deixa de ressaltar que todos os testes e análises foram realizados na Instituição. “É indiscutível sua importância em gerar esse conhecimento”, afirma. A pesquisadora cita que há embalagens biodegradáveis que ainda não fazem parte da rotina de todos: “a embalagem é muito importante, está na maioria dos produtos que encontramos no supermercado, é indispensável para garantir a qualidade dos produtos que chegam nas nossas casas”. Suslin enxerga que há uma população preocupada com a questão ambiental. Além do mais, problemas como o desperdício de alimentos podem ser evitados através das embalagens ativas e sua interação, que prorrogam o prazo de validade do produto.

Com isso, coaduna-se com o propósito de diminuição de desperdício do 12º Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU), que prevê justamente a garantia de padrões de consumo e de produção sustentáveis. Assim, Suslin pede maior visibilidade aos diversos projetos da Universidade que impactam a sociedade, mesmo com pouco conhecimento da mesma. “Por isso a importância da Proinova em fazer uma ligação do que está sendo feito aqui para as pessoas, comunidades e empresas lá fora”, conclui.

Texto: Gabrielle Pillon de Carvalho, acadêmica de Jornalismo, bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Ana Alícia Flores, acadêmica de Desenho Industrial, bolsista da Agência de Notícias
Edição: Ricardo Bonfanti, jornalista

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