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Astronomia, literatura, questões raciais e divulgação científica: Alan Alves Brito é o palestrante na abertura da JAI

Jornada Acadêmica Integrada ocorre de 23 a 27 de outubro



Tem início na próxima segunda-feira (23) a 38ª Jornada Acadêmica Integrada (JAI) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). A palestra de abertura desta edição, “Oralituras: Divulgação Científica e Tecnológica para ‘Adiar o Fim do Mundo’”, será com o astrofísico, escritor e professor no Instituto de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alan Alves Brito. Com início às 10h no Centro de Convenções, a apresentação é gratuita, aberta a toda a comunidade e não necessita de inscrição prévia.

Arte colorida sobre fotografia. No centro da imagem, um homem negro de cerca de 30 anos sorrindo e, ao fundo, arte com imagens do universo e de um telescópio.

Vencedor do Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica do CNPq em 2022 na categoria Pesquisador e Escritor, Brito se dedica a estudar pautas como a evolução química de diferentes populações estelares da Via Láctea, educação e divulgação de Astronomia e Física, incluindo questões decoloniais, étnico-raciais, de gênero e suas intersecções nas ciências exatas. É autor de livros que buscam popularizar a ciência e gerar inclusão. Em 2020, sua obra escrita em parceria com Neusa Teresinha Masson “Astrofísica para a Educação Básica: A Origem dos Elementos Químicos no Universo” foi finalista do Prêmio Jabuti. Atualmente, é diretor do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros, Indígenas e Africanos e busca uma ciência antirracista. 

Bacharel em Física, Alan Brito é mestre e doutor em Ciências (Astrofísica Estelar) pela USP. Realizou estágios de doutorado e pós-doutorado no Chile, nos Estados Unidos e na Austrália, além de ter atuado como pesquisador visitante em Portugal e na Alemanha. Atualmente, além das atividades na UFRGS, é membro da União Astronômica Internacional, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da Sociedade Astronômica Brasileira, da Sociedade Brasileira de Física e da Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as), e foi eleito em 2014 Membro Correspondente da Academia de Ciências da Bahia. É diretor do Observatório Astronômico da UFRGS desde 2017, coordena o PLOAD (Portuguese Language Office of Astronomy for Development) e é representante brasileiro no Office for Education, ambos da União Astronômica Internacional. 

A Agência de Notícias da UFSM conversou com Alan sobre sua trajetória e a expectativa para a palestra na JAI. Confira a entrevista.

1) Como surgiu o teu interesse e o que te motivou a atuar em áreas distintas como astronomia, literatura e questões raciais? 

Sobre a motivação, foi especialmente entender que eu sou um astrofísico diferente, atravessado por marcadores sociais de raça, de classe de gênero e, portanto, implicado, sofrendo racismo subjetivo, institucional e estrutural cotidianamente e, obviamente, que no meio de todo esse barulho, eu não poderia simplesmente me embranquecer. Então, enquanto um cientista e professor que é atravessado por todas essas questões, sempre foi muito importante para mim trabalhar esses temas de forma didática, pedagógica, como uma estratégia de transformação dessas estruturas pela via da educação – que é no que eu realmente acredito. Eu também tenho uma preocupação genuína com os processos escolares e com a relação da universidade com a educação básica, porque, para mim, a educação e a divulgação das ciências ocupam um papel fundamental na desarticulação do racismo. Por isso, é muito importante esse movimento político e intelectual, a partir da universidade, buscando trazer outras perspectivas filosóficas, ontológicas e epistemológicas sobre como a ciência pode nos ajudar a combater desigualdades históricas, sociais, raciais e de gênero.

E sobre meus interesses diversos, eu considero como parte do todo, porque as ciências estão conectadas com outras áreas do conhecimento. E a questão racial é fundamentalmente cosmológica. Quando a gente define cosmologia como sendo filosofia e traz essa questão racial, é para lembrar que há outras perspectivas cosmológicas que não somente a perspectiva hegemônica, eurocentrada ou imperialista a partir dos Estados Unidos. Então, essas relações entre astrofísica, literatura e questões ético-raciais são parte dos movimentos de tentar construir um outro imaginário e construir outras narrativas. E a literatura tem sido também um lugar muito potente nesse sentido de me ajudar a construir outros imaginários sobre as cosmologias.

2) Como o envolvimento com literatura e antirracismo influenciam o teu fazer como cientista e divulgador científico? E o quão desafiador é conciliar todas essas áreas?

Eu particularmente não sinto que seja um grande desafio poder conciliar essas áreas, porque a literatura e a escrita sempre fizeram parte da minha vida. Na verdade, a escrita potencializa e me dá mais possibilidades de comunicar e divulgar a ciência. O meu interesse maior é tentar construir um novo sistema de linguagens que me permita trabalhar os processos de ensino e aprendizagem em ciência, de divulgação de ciências, mas a partir de uma literatura que também é historicamente negligenciada – as literaturas negras, as literaturas africanas, as oralidades e literaturas indígenas. Então, na verdade, também é um movimento no sentido de trazer tensionamentos para uma literatura brasileira que é historicamente branca. Assim como a ciência também é uma construção sobretudo masculina, branca, então eu não vejo como desafios, eu vejo como possibilidades. 

A literatura, nessa discussão antirracista, ela tem sido também um lugar importante de funcionar como um dado de pesquisa, como um dado histórico. A literatura também me permite pensar as perspectivas cosmológicas dos povos africanos que foram trazidos para o Brasil, os povos bantus, os povos iorubás, os povos fom, ou seja, a literatura dos povos originários. Então, a literatura também é uma fonte, um dado importante de pesquisa para o que é chamado cosmologia racializada: é a partir dela que consigo também acessar informações importantes sobre essas relações, sobre como esses povos se relacionam com a vida e com o mundo, com o céu, com a terra, com as questões mais fundamentais de ser e existir no mundo.

3) Como você vê a questão da representatividade racial na sua área e qual é a importância da educação antirracista para aumentar a diversidade na ciência?

As ciências, de maneira geral, e em particular as ciências físicas, têm funcionado como ações afirmativas para pessoas brancas, sobretudo para homens, para pessoas heterossexuais, cisnormativas, pessoas “bem-nascidas”. Então nós temos ainda uma sub-representação nas ciências físicas de pessoas negras, de mulheres, LGBTQIA+, indígenas, quilombolas, PCDs. Historicamente, o racismo científico, que é uma pseudociência, distanciou, retirou, excluiu, tem exterminado fisicamente e epistemicamente a presença de pessoas negras nas ciências físicas. É como se pessoas negras não tivessem a possibilidade de se realizar nessas áreas do conhecimento. Então, todos os meus movimentos têm sido também nesse sentido, de trazer esse questionamento para uma área que normalizou a ausência de pessoas negras. Quando a gente vai a conferências nacionais e internacionais, a gente olha para o lado e não vê pessoas negras. Não vê pessoas negras ocupando posições de poder nas universidades, nos centros de pesquisa, em observatórios, na direção de museus, de planetários. Então, de fato, há uma naturalização, uma banalização dessa ausência.

Então a gente não precisa somente de uma educação em ciências, mas essa educação em ciências precisa ser antirracista. Ela precisa tensionar esse conceito hegemônico de ciência, de desenvolvimento, de tecnologia, para a gente poder construir práticas decolonizadoras da ciência, práticas antirracistas, entendendo que esses movimentos implicam também em questionar estruturas hierárquicas de poder em um discurso de autoridade científica que perpassa a construção da ciência historicamente. Então eu gosto de pensar que a educação em ciências precisa ser antirracista – e cientistas não podem ser negacionistas. Só que muitas vezes a gente tem cientistas negando o racismo. Eu costumo também dizer que muitos cientistas, filósofos, pensadores e pensadoras são negacionistas quando negam o racismo, quando negam, por exemplo, o feminicídio, quando não aceitam as evidências científicas que desembocam no racismo, no feminicídio, nessas práticas excludentes que nos atravessam estruturalmente.

4) O que podemos esperar da palestra “Oralituras: Divulgação Científica e Tecnológica para ‘Adiar o Fim do Mundo’”?

Eu espero poder levar vocês a outras possibilidades de conexões entre as diferentes áreas e entre as diferentes cosmologias – as cosmologias africanas, afro-brasileiras, indígenas, as cosmologias eurocentradas. Quero levar outros tipos de relações, que não são relações hierárquicas, mas possibilidades de coexistência, de diálogo, de compartilhamentos interculturais, entendendo que as cosmologias africanas, afro-brasileiras, indígenas colocam para nós a possibilidade de construção de um outro projeto de país, de um outro projeto de sociedade, onde a gente, nesse processo de educação para as relações ético-raciais, a gente pode de fato adiar o fim do mundo, evitar a queda do céu, evitar o colapso de uma sociedade cada vez mais genocida com certos corpos.

 

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