
Um espetáculo cênico-musical que se baseia no som e nas sensações. O movimento é som, mas “tudo pode ser considerado como música se for pensado para ser ouvido como música”, segundo John Cage, um dos compositores mais influentes do século XX. Em “Silêncio, Som”, silêncio, som e acaso se encontram em uma só apresentação.
O espetáculo foi desenvolvido pela diretora teatral Renata Diefembach Gassen, egressa do curso de Artes Cênicas – Direção Teatral da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), formada em 2024. A ideia surgiu ainda durante a graduação, quando Renata observava músicos no Centro de Convenções da UFSM e se interessava pelos movimentos e expressões durante as execuções musicais. Ao conhecer a obra de John Cage — que, segundo ela, representa uma ruptura na música clássica —, percebeu que muito do que o compositor fazia no palco era, essencialmente, cênico. “Ele tem uma montagem, 4′33″, em que um músico está sentado ao piano e não toca nada. São 4 minutos e 33 segundos de silêncio”, explica Renata. Para ela, isso mostra como muitos músicos se tornam parte de seus próprios instrumentos.Então, a ideia surgiu: transformar músicos em performers.
“Como é a música quando eu caminho na rua? O som dos meus passos reverberam, o som das pessoas conversando na rua, a criação do burburinho. Todo esse caos do dia a dia pode ser interpretado como música”, comenta Renata sobre o estudo feito para entender a produção de música em todo lugar. Além disso, a autora buscou entender sobre como a produção de sons é vista atualmente, com a internet e o excesso de informações sonoras. Murray Schafer é uma referência para ela. O conjunto de sons vindos da poluição sonora e da velocidade da internet pode modificar a sensibilidade das pessoas para a música.
A ambiguidade entre som e silêncio
“Lembro-me de buscar a relação de ambiguidade entre as palavras ‘silêncio’ e ‘som’. Foi a primeira coisa de tudo, pois sempre me intrigou a forma como o silêncio pode remeter a algo assustador, o vazio, a dor… Mas também à paz, à calmaria, à ternura, ao respeito”, escreveu Renata em seu Trabalho de Conclusão de Curso, intitulado Movimento é Som.
O espetáculo se insere no teatro experimental e contemporâneo, o que permite a ausência de personagens fixos. Os participantes podem ser eles mesmos em cima do palco. “Eles são atravessados em alguns momentos por personagens, algo que começa a se rascunhar, mas que é bem efêmero. Rapidamente some, e é novamente o músico fazendo música”, explica a diretora. Com uma narrativa não linear, mas com atmosfera imersiva, a obra propõe ao público a construção de uma paisagem sonora.
O início da apresentação pode soar abstrato, com sons de mastigação ou passos sobre galhos, por exemplo. No entanto, ao final, instrumentos e uma estrutura musical mais clara se revelam. Para Renata, trata-se do “descobrir da música”.
“O espetáculo é completamente modulável”, explica a diretora. A peça não possui uma estrutura rígida e permite improvisações por parte dos performers. A organização em módulos possibilita também que as cenas mudem de ordem entre as apresentações.
A primeira versão do “Silêncio, Som” foi fruto de uma disciplina do quinto semestre da graduação de Renata. Com o tempo, a ideia amadureceu e se transformou no que é hoje. O projeto irá participar do Cena Livre, o 7º Festival Internacional de Teatro de Uruguaiana.
Performers: atores e não atores

Em seu TCC, Renata explica que trabalhou com atores e não-atores, em sua maioria músicos. “Os músicos, em sua prática artística, quando estão diante do público, seus corpos, atitudes e ações, não são o foco principal do espetáculo. O foco está na execução da música, no som. A inexperiência me encanta, no sentido de que ela dá a abertura certa para que eu possa conduzir os performers até a expressividade máxima dentro da verdade de cada um”, escreveu em sua pesquisa.
Hoje, pessoas de diversos cursos participam do espetáculo. Estudantes de História, Música, Desenho Industrial, Dança entre outros. Paulo Barauna, estudante de Desenho Industrial na UFSM, é um deles. Paulo é fotógrafo e foi convidado a fazer a divulgação e as fotos do espetáculo. “Eu, com a câmera, estava em movimentação junto com os integrantes. Eu tinha liberdade, já estava inserido naquele meio. Então, comecei a fazer som e brincar junto com eles. Desde então, fui me inserindo aos poucos no espetáculo”, relembra Paulo sobre o começo de sua participação no projeto. Atuando como performer, uma prática que saia de seu conforto, Paulo diz que pode ser ele mesmo dentro do espetáculo, “basicamente vou ser um fotógrafo em cena”.
João Pedro Ventura de Moraes é estudante de Música e Tecnologia na UFSM e chegou ao espetáculo por indicação de um amigo, que já participava. Segundo ele, atuar no projeto o ajudou a melhorar seu lado artístico, “às vezes quando a gente pensa em música pensamos em começo, meio e fim. Mas não pensamos em atribuir isso de forma bem experimental, até mesmo para o teatro. Isso é a liberdade artística que o ‘Silêncio, Som’ me proporciona”. Buscando sair da monotonia, o músico encontrou uma motivação a mais para fazer sua arte. A relação com pessoas de outros cursos também é um fortalecedor do projeto, para Moraes. “Complementa muito, é necessário ter mais disso na UFSM”.
Hoje, a equipe do “Silêncio, Som” é composta por 15 pessoas. Os participantes costumam ser convidados pela diretora para integrarem o grupo, já que precisam ter relação com a música.
Cena Livre 2025
Neste ano, o “Silêncio, Som” fará sua primeira apresentação em um festival. O 7º Festival Internacional de Teatro de Uruguaiana vai ser o palco. “ A gente viu que foi selecionado para poder participar de um festival de teatro grande, de uma cidade grande. É um festival reconhecido. Isso só vai abrir portas para a gente futuramente”, comenta Paulo.
Neste festival, o “Silêncio, Som” concorre a melhor espetáculo e melhor trilha sonora. “Para nós é muito importante ter passado, porque é um teatro muito experimental e contemporâneo”, conta Renata.
O Cena Livre de 2025 vai acontecer de 13 a 17 de maio e prevê receber cerca de 5 mil pessoas. Todas as atividades são gratuitas e abertas ao público. O “Silêncio, Som” se apresentará no dia 14 de maio às 09H30, no Teatro Municipal de Uruguaiana.
Texto: Jessica Mocellin, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Paulo Barauna
Edição: Mariana Henriques, jornalista