“Um dos principais responsáveis pela destruição das culturas indígenas foi propriamente o Estado brasileiro”, afirma o mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Carlos Eduardo da Silva Ribeiro. Professor do Departamento de Ciências da Comunicação da Universidade Federal de Santa Maria – campus Frederico Westphalen, ele participa do projeto de extensão “Memórias de Resistência Kaingang: a Voz dos Anciãos”. A proposta busca documentar o conhecimento oral dos indígenas Kaingang em escrito.
A iniciativa resulta de um diálogo contínuo entre a comunidade Kaingang da região e a universidade, segundo a coordenadora do projeto, Aline Ferrão Custódio Passini. Desde 2014, os indígenas reivindicam formações. Em 2019, teve início Licenciatura em Educação Indígena na modalidade EAD. Com a boa procura, em 2025 foi criado o curso presencial de Licenciatura Intercultural Indígena. Ambas as graduações são coordenadas por Aline, que atua no Departamento de Engenharia e Tecnologia Ambiental.
A docente, que também é estudante de Pedagogia pela UFSM, uniu o interesse pelo meio ambiente ao ensino, já que os registros podem servir para o Trabalho de Conclusão de Curso. “A universidade pública entra como mediadora. A gente coleta essas informações, transforma em material pedagógico que vai ser utilizado nas escolas indígenas e, geralmente, esse material é bilíngue”, explica. Para ela, preservar o conhecimento indígena é impedir o esquecimento da história do Rio Grande do Sul e do Brasil.
O professor Carlos tem uma visão um pouco diferente e define o papel da instituição como paradoxal. Por um lado, registros, museus e trabalhos acadêmicos contribuem para preservar a cultura indígena pela escrita. Por outro, corre-se o risco de colocar o indígena numa posição de integração. Ele recorda o período da ditadura militar brasileira, de 1964 a 1985, em que o indígena era incentivado a falar português, ser cristão, ir à escola, trabalhar e aprender o hino nacional.
“No momento em que tu acabar com o indígena, significa que a terra dele está disponível para algum fazendeiro, sabe?”, comenta Carlos. Em 2023, apesar de declarar inconstitucional a Lei do Marco Temporal, que estabelece a demarcação de terras ocupadas somente até 5 de outubro de 1988, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi favorável à indenização de proprietários que viessem a ter terras demarcadas. No mesmo ano, o Congresso Nacional aprovou a lei e reacendeu disputas judiciais.
A visita à aldeia
No dia 11 de setembro de 2025, os dois docentes visitaram a aldeia Pinhalzinho, localizada em Planalto (RS). Com o auxílio de dois estudantes, realizaram vídeos e fotos dos anciãos, líderes que preservam a memória e conhecimento tradicional, e seu povo. Em dia de sol sem nuvens, a gravação ocorreu das 8h30 às 15h.
Na maior parte do tempo, o estudante do 2° semestre de Jornalismo operou a filmadora em movimento, enquanto o do 8° semestre cuidou da câmera fixa. O gravador de áudio ficou a cargo do professor Carlos, já Aline utilizou o celular para mais registros audiovisuais. Durante a captação, eles precisaram enfrentar o calor do ambiente, ardência nos olhos graças à fumaça das fogueiras, insetos e a perda de bateria dos próprios equipamentos. Os Kaingang, porém, os acolheram com a comida.
Os materiais obtidos formam o que o professor Carlos chama de arquivo. Graduado em cinema, ele pontua que vários documentários históricos são feitos a partir da montagem de arquivos. “Muito do que se faz em documentário contemporaneamente com povos indígenas tende a ser uma construção colaborativa com o povo da aldeia”, relembra.
Com previsão de durar até o final de 2027, o projeto deve englobar também as cidades de Iraí, Tenente Portela, Muliterno, Redentora, Lajeado do Bugre, Nonoai, Carazinho e Vicente Dutra. Entre os principais desafios, estão os recursos humanos e financeiros.
Texto e fotos: Jônathas Grunheidt, acadêmico de Jornalismo, estagiário na Agência de Notícias
Edição: Maurício Dias