
Após a destruição deixada pelo tornado que atingiu a região Sul do país no dia 8 de novembro, pesquisadores da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) realizaram uma visita de campo no Paraná, nos municípios de Rio Bonito do Iguaçu, que teve cerca de 90% dos imóveis destruídos após a passagem dos ventos, e Guarapuava, que registrou áreas de mata devastadas. A missão, realizada entre os dias 10 e 12 de novembro, ocorreu a pedido da Defesa Civil do Paraná, que solicitou apoio técnico e científico da Universidade para categorizar com maior precisão o fenômeno que atingiu a região.
A equipe foi formada pelo meteorologista da UFSM Murilo Machado Lopes e por Luís Manoel do Rosário Ferraz, chefe do Núcleo de Infraestrutura do Centro de Ciências Naturais e Exatas, que atuou como fotógrafo durante a viagem. Conforme Murilo, a visita de campo é essencial para analisar os danos deixados pelo tornado e determinar sua intensidade. “A gente observa estruturas destruídas, torção de vigas e colunas, objetos arremessados e danos em árvores, como quebra, arrancamento de casca e detritos presos. Também conversamos com moradores e coletamos vídeos. Esse método é padrão: toda classificação de tornado é feita com base em visitas de campo”, explica.
As características do tornado
De forma didática, Murilo explica que a tempestade teve múltiplas causalidades. Segundo ele, a formação de um ciclone extratropical favoreceu as condições atmosféricas necessárias para o tornado. “O sistema organizou a atmosfera, intensificou ventos em altura, reforçou o transporte de umidade da Amazônia e formou uma frente fria. O contraste de massas de ar permitiu tempestades duradouras e com rotação”, descreve o meteorologista.
Murilo esclarece ainda que “um ciclone é um fenômeno com dimensão de milhares de quilômetros, que causa frentes frias, por exemplo. Já um tornado é um fenômeno associado a uma nuvem de tempestade, com formação e área afetada que duram minutos e abrangem poucos quilômetros”.
Em primeira análise, a equipe constatou que o tornado do Paraná atingiu intensidade equivalente a F4 na Escala Fujita, sistema americano que classifica a intensidade de tornados com base nos danos observados. A estimativa representa ventos entre 330 e 420 km/h. “Os danos observados, como colapso estrutural, paredes destruídas, objetos arremessados e descascamento de árvores, são característicos dessa categoria”, acrescenta.
A Escala Fujita vai de F0 a F5. Quanto maior o número, mais devastador é o tornado. Murilo contextualiza que a principal diferença de um F4 para um F5 é que, na categoria máxima, as estruturas costumam ser removidas por completo, enquanto no F4 elas permanecem no local. Ele também comenta que tornados F4 são raros, inclusive nos Estados Unidos, país com maior incidência desses eventos.
Murilo destaca ainda que, depois dos EUA, a América Latina é a segunda região mais propensa a tornados no mundo, por estar em uma posição estratégica para a formação de um corredor atmosférico. Brasil, Uruguai, Paraguai, Argentina e Bolívia compõem esse cenário, sendo que o Sul do Brasil concentra, até o momento, 70% dos tornados registrados no país.
O rastro de destruição

Segundo a equipe, a destruição vista nos locais visitados foi marcante. O fotógrafo Luís Ferraz relata o sentimento de impotência diante dos rastros do desastre. “É uma sensação de impotência. No filme é uma coisa, ao vivo é outra. Vimos carros de ponta-cabeça, araucárias grossas quebradas ao meio, contêiner arrastado por dezenas de metros”, relembra.
Entre as histórias que ouviu, Luís destaca os diálogos com moradores de Rio Bonito do Iguaçu e Guarapuava. “Uma das histórias mais marcantes foi de uma mulher que tinha três apartamentos para alugar: o tornado destruiu completamente o prédio. Dois inquilinos estavam desaparecidos até o momento em que conversei com ela. Outra situação marcante foi de um pai que achou que os filhos tivessem sido levados pelo vento. Por alguma razão, as crianças ficaram protegidas pela única parede que restou”, conta.
A resiliência também chamou atenção. “Uma agricultora contou que ouviu um barulho contínuo, como uma explosão prolongada, era o tornado chegando. A família se escondeu como pôde. Eles tinham acabado de pagar a primeira parcela de um galpão novo… e perderam tudo. Não tinham seguro. Também me marcou ver professores revirando os escombros da escola para salvar livros. Um gesto de enorme dedicação”, reflete o fotógrafo.
UFSM e os fenômenos meteorológicos
O trabalho da UFSM no monitoramento e na classificação de tempestades não é recente. Segundo Murilo, o acompanhamento dos fenômenos meteorológicos pela Universidade é fortalecido pela Rede Voluntária de Observadores de Tempestades (Revot), iniciativa criada em 2010 pelo curso de Meteorologia da UFSM. Além da observação, o projeto capacita a comunidade sobre conceitos básicos de meteorologia e técnicas de identificação de nuvens, rajadas de vento e granizo.
Murilo relembra outras visitas de campo. “Fizemos uma em 2018, em Passo Fundo, quando houve um surto de tornados. Em 2023, em São Martinho da Serra, onde foi registrado um tornado de intensidade entre F1 e F2, e, no mesmo ano, em São Luiz Gonzaga, onde uma microexplosão destruiu parte da cidade”, relata.
O meteorologista destaca ainda a importância do Revot para o avanço científico. “Com esse levantamento, conseguimos estudar como esses eventos variam ao longo dos anos e em diferentes condições climáticas. Também queremos adaptar a Escala Fujita para a realidade brasileira, porque o padrão das construções aqui é diferente daquele para o qual a escala foi criada. Esse trabalho melhora a classificação dos tornados e pode aprimorar previsões e alertas”, afirma.
Revot e a extensão universitária
A atuação do Revot reforça o compromisso da UFSM com a extensão universitária. Além do monitoramento, o projeto funciona como uma ponte entre conhecimento acadêmico e comunidade, promovendo capacitações, oficinas e atividades de observação. “A Rede tem um caráter educacional muito forte, porque os alunos participam diretamente dos projetos e aprendem na prática como esses fenômenos acontecem”, explica Michel Baptistella Stefanello, coordenador substituto do curso de Meteorologia.
Segundo Michel, essa interação com a comunidade e com diferentes setores é fundamental para ampliar a cultura de preparação frente aos eventos extremos. “Os alunos acabam interagindo com distintos setores, contribuindo para melhorar a vida da população”, afirma.
A integração é também transdisciplinar. O curso já atua com áreas como engenharia elétrica, agronomia e hidrologia, especialmente em temas relacionados à transição energética, agroclimatologia e gestão hídrica. “Hoje não dá mais para pensar que os efeitos das mudanças climáticas vão acontecer, eles já estão acontecendo. Por isso, atuar junto de outras áreas é essencial para desenvolver estratégias de adaptação e mitigação”, completa.
Michel destaca ainda que a visita de campo no Paraná fará parte da formação dos estudantes. “A visita do Murilo e a análise dos danos causados pelo ciclone vão trazer uma bagagem enorme para os alunos. Devemos propor atividades em sala para que ele apresente o relato da experiência e discuta tanto a previsão quanto a análise final do fenômeno”, relata.
O futuro dos dados coletados
Com o retorno à UFSM, Murilo explica que os dados coletados serão analisados e usados na elaboração de estratégias para aprimorar modelos de previsão, protocolos de alerta e resposta, entre outros aspectos. “Com o material que coletamos em campo, vamos conseguir reconstruir a dinâmica do ciclone: identificar a trajetória, estimar a velocidade dos ventos, comparar os padrões de destruição e entender em que momento a tempestade ganhou intensidade. Esses dados vão gerar mapas de danos, análises de impacto e um relatório técnico detalhado para a Defesa Civil”, pontua.
O pesquisador reforça que os dados também serão incorporados a bancos acadêmicos e modelos numéricos que auxiliam na previsão desses eventos. “A ideia é transformar toda essa informação em conhecimento aplicado, melhorar alertas, qualificar respostas emergenciais e ampliar a capacidade de antecipar tempestades semelhantes no futuro.”
Como se proteger durante uma tempestade?
Durante tempestades severas, a prioridade é reduzir a exposição ao vento, proteger-se de objetos arremessados e evitar áreas de risco. Confira algumas orientações:
-
Procure abrigo imediato: entre em uma construção sólida.
-
Fique longe de janelas: rajadas podem quebrar vidros e lançar estilhaços.
-
Abaixe-se em cômodos internos: banheiros e corredores são mais seguros.
-
Desconecte aparelhos elétricos: relâmpagos podem causar danos e choques.
-
Evite árvores isoladas e estruturas metálicas: risco elevado de descargas.
-
Não atravesse áreas alagadas: enxurradas rasas podem arrastar pessoas e veículos.
-
Em caso de aviso de tornado: vá para um cômodo interno pequeno e resistente; abaixe-se, proteja a cabeça e aguarde a passagem.
Texto: Pedro Moro, estudante de Jornalismo e bolsista na Agência de Notícias
Fotos: Luís Manoel Ferraz
Edição: Mariana Henriques, jornalista