A acadêmica Emilly Raiane Rodrigues, 24 anos, do curso de Engenharia Aeroespacial da UFSM, foi a vencedora da região Sul no Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário 2025. A distinção reconhece estudantes e recém-formados com trajetórias de impacto científico, social e educacional em todo o país. Entre os mais de 1,6 mil candidaturas, somente 15 jovens chegaram à etapa final, realizada em São Paulo, no dia 3 de novembro.
Emilly conta que a viagem com tudo pago para a capital paulista, por uma semana, com direito a cursos e outras atividades com pesquisadores do Brasil inteiro, já havia sido o seu prêmio. Tanto que nem chegou a formular o discurso de aceitação. “Falei: ‘eu não vou ser aceita. Nem vou me preparar”. Aí, quando fui chamada, o primeiro sentimento foi um choque, gaguejei bastante, mas também senti orgulho de ver que todo o esforço e toda a dedicação que eu tinha colocado estavam tendo reconhecimento”, revela.
Para a estudante da UFSM, o prêmio representa mais do que uma distinção acadêmica: ele abre portas. Desde o anúncio, a estudante recebeu convites para aprimorar projetos que já coordena e propostas de colaborações. “Foram contatos e caminhos que eu não imaginava. Acho que isso vai ser muito importante para as minhas ambições no futuro”, relata.
Trajetória científica iniciada na UFSM
A jornada de Emilly na ciência começou ainda no primeiro semestre da graduação, quando integrou uma equipe de competição aeronáutica. A experiência despertou seu interesse por outro âmbito: a espacial. Ela faz parte da sexta turma da faculdades, e por isso, participou do processo de consolidação do curso na UFSM. A universitária encontrou na Engenharia Aeroespacial um ambiente de incentivo ao protagonismo estudantil. Ela lembra que os professores reforçaram que “o curso não era apenas para os alunos, mas feito por eles”. O exemplo dos veteranos que criavam projetos do zero a motivou a buscar iniciativas em computação e sistemas espaciais – áreas que mais tarde se tornariam o centro da sua carreira.
O salto seguinte veio com uma iniciação científica remota no Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), onde desenvolveu algoritmos para previsão orbital. A proximidade com pesquisadores de referência, “às vezes, os mais importantes do país na área”, aprimorou sua formação.
Da sala de aula aos centros de pesquisa internacionais
O alto desempenho acadêmico combinado à ampla participação em atividades extracurriculares a levou ao programa Brafitec, para atuar no Centre National d’Études Spatiales (CNES), a agência espacial francesa. Lá, Emilly participou do projeto de nanosatélite e trabalhou no sistema de recuperação autônoma do computador de bordo.
A proposta da missão era demonstrar que as equipes estudantis conseguem produzir sistemas espaciais funcionais. A solução que desenvolveu, explicada de forma breve, consistia em registrar, segundo a segundo, o comportamento interno do satélite para permitir um reinício mais rápido e inteligente após falhas. O resultado foi expressivo: a disponibilidade operacional aumentou em 98% e o tempo de inicialização caiu em 85%.
A rotina na agência espacial francesa também revelou o contraste de infraestrutura. “Cada estagiário tinha seu próprio kit eletrônico completo para testes”, conta. Ela avalia que essa autonomia e a ausência de barreiras burocráticas foram decisivas para o ritmo acelerado de aprendizado.A experiência possibilitou ainda aprender diretamente com profissionais da Agência Espacial Europeia (ESA) e da NASA.
Inovação para além da pesquisa: impacto social na educação
Apesar das experiências internacionais, foi no Brasil que Emilly encontrou o propósito que hoje define sua trajetória: tornar a ciência mais acessível. Ela é cofundadora da Escola Piloto de Engenharia Aeroespacial (EP AERO), programa que oferece minicursos, palestras e projetos de extensão que conectam estudantes ao setor aeroespacial e à indústria.
A ideia surgiu da percepção de que a Engenharia Aeroespacial carecia de projetos que aproximassem o aprendizado em sala de aula das demandas do mercado de trabalho. A proposta central da EP AERO é unir estudantes de diferentes semestres em projetos conjuntos e promover a troca de experiências e a interação com profissionais. Com isso, gera um ciclo de continuidade dentro do grupo.
A vertente extensionista da iniciativa busca democratizar o ensino de ciência e tecnologia entre jovens. Um dos projetos é Minifoguetes em Escolas Públicas, criado durante a pandemia, quando a evasão escolar se tornou uma grande preocupação. Inspirados em uma disciplina da graduação, integrantes da equipe levaram oficinas de construção de minifoguetes e, mais recentemente, de aeronaves, a estudantes de regiões vulneráveis de Santa Maria. A ideia não é formar futuros engenheiros, mas mostrar que existem caminhos possíveis da ciência e da educação.
A vencedora da região sul do Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário acredita que faltam espaços acessíveis para que estudantes experimentem ciência de forma aplicada: “O projeto tem um papel muito importante nessa problemática, porque a gente consegue de fato mostrar o que está acontecendo em um lugar de privilégio, que é o ambiente acadêmico, para um lugar que, querendo ou não, tem muita escassez de oportunidades”.
O que começou como uma tentativa de aproximar teoria e prática, logo ganhou outra dimensão. Emilly percebeu que muitos alunos buscavam a EP AERO não apenas para se qualificar, mas para fazer parte de uma comunidade com impacto social. “Foi quando a gente teve um clique de: ‘Meu Deus, estamos criando um ambiente que as pessoas de fato vão tentar retribuir um pouco para a sociedade, ajudar na democratização da ciência’”, desabafa.
Segundo a universitária, combater a evasão escolar exige mostrar que oportunidades existem e são alcançáveis. Na opinião de Emilly, muitos jovens desistem porque não enxergam um caminho possível entre a realidade deles e as grandes conquistas que veem nos outros. Assim, o programa apresentar exemplos, criar pontes e oferecer experiências concretas é uma das maneiras mais eficazes de devolver esperança: “Tentamos mitigar a questão da falta de esperança que é causada pela falta de oportunidade”.
Em paralelo, pesquisadora integrou o Webservatório, projeto criado para enfrentar a desmotivação estudantil durante a pandemia. Pelo Youtube, promoveram observações astronômicas online e conversas com cientistas e astronautas da ESA. O grupo também acompanhou o lançamento do telescópio James Webb com pesquisadoras brasileiras envolvidos no projeto, o que aproximou a ciência avançada de estudantes de escolas públicas.
Segundo Emilly, um dos maiores desafios em projetos extensionistas é engajar os acadêmicos para iniciativas de impacto social, especialmente porque exigem tempo e dedicação sem retorno financeiro.
A Escola Piloto de Engenharia Aeroespacial já impactou mais de 3 mil estudantes e mantém parcerias com instituições como NASA, ESA, Boeing, Embraer e Airbus.
O reconhecimento e o futuro
Como vencedora da região Sul, Emilly participará de imersão internacional na China para conhecer o ecossistema de inovação e empreendedorismo. Ela encara a viagem como uma oportunidade de aprendizagem. “Entender como eles tentam resolver os problemas, a metodologia que utilizam. Tentar conversar também com pessoas que criaram empresas lá, porque o meu objetivo no futuro é empreender. Quem sabe conseguir uma oportunidade de colaboração?”, comenta.
A visibilidade do prêmio reforçou um compromisso pessoal: incentivar mais mulheres a ingressarem no setor espacial e tecnológico. “Essa vontade, querer mostrar para mais mulheres que tem essa possibilidade de você trabalhar com tecnologia, uma tecnologia complexa e que, o fato de você ser ou não mulher, não vai mudar a sua capacidade de estar fazendo boas contribuições”, pondera.
Agora, prestes a concluir a graduação, Emilly planeja usar o próximo ano para trazer novas parcerias e eventos para a UFSM, devolvendo à universidade parte das oportunidades que recebeu. No futuro, quer empreender na área espacial, seja no Brasil ou no exterior. “O objetivo é construir uma trajetória que me aproxime cada vez mais da minha próxima grande missão”, diz.
De Santa Maria para a França, das escolas públicas ao reconhecimento nacional, Emilly Raiane Rodrigues cria caminhos para que outros também possam alcançar o espaço.
Demais vencedores do Prêmio Na Prática: Protagonismo Universitário
Região Centro-Oeste: Gabriela Santos Mendanha, 24 anos, estudante de Medicina da PUC Goiás.
No Ver Hospital dos Olhos, vinculado à PUC, criou um algoritmo de IA para interpretar tomografias de córnea no pré-operatório de cirurgias refrativas — um dos maiores desafios da oftalmologia. O modelo atingiu mais de 80% de acurácia, reduziu 70% dos custos de triagem e gerou economia média de R$ 37 mil. Esse trabalho foi reconhecido pelo Bascom Palmer Eye Institute (EUA). Gabriela também dá aulas e prepara jovens para competições como a Olimpíada Brasileira de Física e a International Young Physicists’ Tournament, alcançando recordes.
Região Norte: Hugo Santos Maia, 23 anos, estudante de Engenharia de Energia da Universidade Federal do Pará (UFPA).
Como estagiário em Logística e Supply Chain na Suzano, desenvolveu um sistema de gestão de armazém que reduziu em 50% as divergências de estoque e em 60% o tempo de devoluções, sendo replicado para outras unidades. Se envolveu em projetos de pesquisa em energias renováveis, incluindo hidrogênio verde. Foi responsável pela fundação do primeiro Centro Acadêmico de Engenharia de Energia da Região Norte e bolsista administrativo na UFPA, além de reunir participações em iniciativas sociais, como o programa Formare e o projeto Mão na Roda.
Região Nordeste: Naomi Nascimento Ferreira, 23 anos, estudante de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Como fundadora e presidente da Missão Mulher Saudável, liderou uma iniciativa inédita que levou educação sexual, planejamento familiar e inserção de DIUs a comunidades do interior do Ceará. O projeto já beneficiou mais de 300 mulheres, capacitou 60 profissionais da atenção básica e alcançou cerca de 1.000 estudantes com ações educativas sobre saúde menstrual, dor pélvica e contracepção. Também criou e presidiu a Liga Acadêmica de Ginecologia Minimamente Invasiva (MIGS/UFC) e teve papel estratégico na Expedição Cirúrgica USP–UFC.
Região Sudeste: empate entre dois vencedores.
Narayane Ribeiro Medeiros, 23 anos, aluna de Engenharia Aeroespacial do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA).
Narayane liderou o projeto GeoPredict, que aplicava IA e processamento de imagens para análises ambientais e climáticas. A iniciativa conduzida por ela foi finalista global de uma competição da NASA em 2024 (International Space Apps Challenge), entre mais de 10 mil projetos. Venceu o Prêmio Carolina Bori “Ciência & Mulher”, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. É pesquisadora da FAPESP em parceria com a Embraer no projeto FLYMOV, que simula a “montagem colaborativa multifuncional de aeronaves”, além de presidente da ITACube e master researcher da ITAndroids.
Pedro Henrique Docema Rodrigues, 21 anos, aluno de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
À frente da refundação da Bandeira Científica da USP, coordenou expedições humanitárias de saúde que realizaram mais de 5 mil atendimentos a populações em vulnerabilidade em 15 especialidades médicas, e mobilizaram mais de R$300 mil em recursos. Em 2024, liderou ações emergenciais no Rio Grande do Sul, estabelecendo parcerias com instituições e com a Força Aérea Brasileira para garantir atendimento em regiões isoladas. Fundou ainda a Liga de Saúde Humanitária, primeira do tipo no Brasil, e com ela participou de diversas expedições pelo país.
Vencedora Nacional: Gabriela Mendanha, representante do Centro-Oeste.
Texto: Marina Brignol, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Eduardo Frazão/Divulgação
Edição: Maurício Dias