“Vai avançar! Vai avançar! A frente de engenharia popular!”
Esses foram alguns dos gritos que cortaram o silêncio dos corredores do Anexo C nos dias 19, 20 e 21 de maio no Centro de Tecnologia. Tudo isso graças à realização do III Encontro Regional de Engenharia e Desenvolvimento Social da Região Sul, EREDS-SUL, que teve como sede, nesse ano, a nossa Universidade Federal de Santa Maria. O evento teve como tema “Que engenharia estamos construindo?” e, apesar do seu caráter regional, contou com participantes do país inteiro, do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte.
O primeiro dia contou com a mesa “O panorama da formação em ciência e tecnologia”, que trabalhou modelos de formação didáticos e pedagógicos nos cursos de ciências exatas. Após, os participantes puderam contar com a mesa “Mulher e Engenheira, os desafios de ser”, uma das mais aguardadas. Mulheres, aliás, que foram protagonistas durante todo o evento, tanto como ouvintes, quanto como palestrantes dos mais diversos espaços. Uma delas era Pâmela Bortoletti (foto), acadêmica da Universidade Federal do Rio Grande, FURG, que acompanhou o evento junto com o seu filho, ainda nos primeiros meses de idade. Segundo Pâmela, um dos maiores problemas de ser mulher na Engenharia é o fato dos homens acreditarem que ela está lá para tirar o lugar deles: “Eu sofro muito preconceito agora por ter filho, é uma responsabilidade, ter que faltar aula, é complicado”.
Já o segundo dia debateu um tema atual, polêmico e necessário na mesa “Mariana e por que a engenharia vai além da técnica”. Depois dessa mesa, os participantes se reuniram para oficinas diversas. No início da noite, o auditório do Anexo C presenciou o espaço “Visibilidade LGBT: Exatas fora do armário”, que discutiu a homofobia, a bifobia, a lesbofobia e a transfobia presentes em todas as áreas das ciências exatas. Segundo o militante LGBT e também estudante da FURG, Geidison Lamborghini, o EREDS, até a ida ao evento, ele não conseguia somar as Engenharias com temáticas sociais. De acordo com ele, a mesa abordou o panorama da educação, que muitas vezes coloca um esterótipo no gay, considerando que ele deve cursar Arquitetura e Urbanismo, Design de moda entre outros, sendo que existem sim LGBTs, como ele, que desejam adentrar nas engenharias tidas como espaços dos heterossexuais. “O curso do gay é onde ele quiser”, completa.
No terceiro dia, um momento fora das paredes do CT: aqueles que estavam participando do evento foram até o Feirão Colonial do Projeto Cooesperança, para aprender com as vivências da economia solidária, como elas atuam popularmente e como a sua autonomia é um importante exemplo tanto para o movimento estudantil quanto para os movimentos sociais em geral. Ao retornarem para a UFSM, assistiram a duas mesas que dialogavam com esse tema: “A atuação da engenharia popular e solidária” e “O protagonismo estudantil como ferramenta de transformação”.
Ao cair da noite, se iniciava o espaço “Quantos colegas negros você tem?”. A acadêmica de Ciências da Computação e militante do movimento negro Ntidandara da Silva, uma das pessoas que participou da mesa, respondeu à pergunta-título da mesa para a nossa reportagem: “A gente pode ver hoje no evento que a maior parte dos participantes não eram negros. A gente pode ver a representatividade em um evento que era regional que não tem a sua representatividade garantida. A população negra é mais de 50% da população brasileira e não ocupa os espaços da Universidade. Onde é que estão esses negros?”. A membro do DCE e também participante da mesa Juliane Loreto acredita que a presença do negro na Universidade já é uma postura revolucionária, e que a política de cotas é apenas o início de um projeto que visa, além da inclusão, a construção de um conhecimento científico diferente do que temos hoje, que fale também sobre as populações negras.
O acadêmico de Engenharia Acústica William Dantas, além de ter sentado à mesa que debateu a questão racial, também participou do evento como ouvinte. Para ele, a participação dos estudantes de engenharia no EREDS é essencial: ”Nós percebemos que o CT na sua grande parte não tem a periferia, os grupos LGBTTs, as mulheres e etc. Temos muitas salas hoje que tem poucos negros e mulheres. Isso está mudando, aos poucos. O EREDS é a oportunidade de darmos um salto quanto à isso”. O membro da organização do evento e acadêmico de Engenharia Sanitária e Ambiental Yamil Salomón concorda com William, e ainda reforça que a importância do EREDS está em refletir sobre uma nova engenharia, mais popular, solidária e igualitária.
Após a mesa, foi realizada uma plenária final, com o objetivo de se avaliar o evento e se decidir a sede do EREDS em 2017. A Univalli e a FURG foram indicadas para sediar. O EREDS faz parte da Rede de Engenharia Popular, que, desde 2004, organiza o Encontro Nacional de Engenharia e Desenvolvimento Social, que tem nos EREDS as suas etapas preliminares . Esse ano, muitos ineditismos: é a primeira vez que o encontro regional é em Santa Maria, a primeira vez em que são realizados encontros em todas as regiões do país e também a primeira vez que o Encontro Nacional será na região sul, em Florianópolis-SC entre os dias 16 e 19 de agosto. De acordo com a acadêmica do curso de Engenharia Sanitária e Ambiental e organizadora do EREDS-Sul Melissa Rocha, o evento supre a carência de quem enxerga a engenharia além da técnica: “A gente refletiu sobre a atuação da engenharia popular e solidária”.
Texto elaborado por Mateus de Albuquerque, acadêmico de Jornalismo – Núcleo de Divulgação Institucional do CT/UFSM.