A UFSM deu mostra de
resistência e mobilização popular nos últimos meses. A prova disso foram as
ocupações dos centros de ensino por parte dos estudantes, resultando em 15 prédios ocupados e 43
cursos paralisados nos campi de Santa Maria,
Frederico Westphalen e Palmeira das Missões.
Deflagrada no dia 8 de novembro, a greve estudantil cumpriu objetivos
referentes à defesa dos direitos constitucionais, tendo a maior ênfase na
resistência contra a PEC 55, que congela os
investimentos em educação, saúde, previdência, entre outros direitos pelos
próximos 20 anos. Sobre essas políticas de austeridade do governo federal, o
movimento estudantil buscou dar respostas, também, à Reforma do Ensino Médio e
outras medidas que ferem aos interesses da classe.
Assembleia histórica do CEFD

A ideia
das ocupações já vinha sendo maturada desde o momento em que alunos de outras
universidades do estado, a exemplo da UFRGS, começaram a se mobilizar dentro dos
cursos. Por outro lado, o desacordo entre Governo
Federal e universidades públicas se acirrou. Devido ao esse
tensionamento, surgiu uma série de manifestações dentro e fora da UFSM com a
participação ativa de alunos, professores e técnico-administrativos
locais em defesa do setor público. No âmbito acadêmico, as entidades de base
foram essenciais para as primeiras mobilizações ocorridas na universidade este
ano.
Com o desinteresse do Diretório Central dos Estudantes (DCE) em convocar o Conselho
de Entidades de Base (CEB) para discutir com a comunidade os rumos
do movimento estudantil e seus indicativos, os Coletivos e Diretórios
acadêmicos se responsabilizaram pelas convocações ao CEB e amplificaram o
debate sobre o posicionamento da instituição com relação à PEC 55 e o
desmantelamento do patrimônio público. Após
algumas semanas de discussões e avaliações por parte dos estudantes, o
resultado da última CEB, na primeira semana de novembro, foi favorável à Assembleia
Geral dos Estudantes e o possível apontamento para as ocupações e greve
unificada das categorias envolvidas.
Desde lá, no entanto, houve uma intensificação em relação às ocupações
no país inteiro e, mesmo antes da assembleia, os alunos do prédio da Geografia,
em deliberação extraordinária, decidiram por ocupar o seu local de ensino. Conforme os dias passaram, outros prédios foram ocupados de forma
espontânea. “A assembleia geral teve um peso bem importante de consolidar um
movimento que já estava se desenvolvendo em alguns locais. Até ali, prédio 17,
16, 16B, CAL e CCSH já estavam ocupados e a assembleia legitimou com mais de 5
mil estudantes esse movimento”, destacou Caroline Roque, estudante de Pedagogia
da UFSM que esteve presente na ocupação dos prédios do Centro de Educação.
Inicialmente, a assembleia histórica
aconteceria no Centro de Ciências Rurais (CCR), mas pelo grande público
presente no dia foi decidido a transferência para o Centro de Educação Física e
Desportos (CEFD), o qual resultou na maior mobilização estudantil na UFSM nos
últimos 30 anos. Após o período de discussões sobre a
viabilidade das ocupações, os Diretórios Acadêmicos em sua maioria decidiram
pelo indicativo de ocupação de seus respectivos prédios. Era dado um grande
passo para a luta estudantil dentro da UFSM com a união das categorias e o
apoio mútuo entre a maioria dos estudantes, técnicos e docentes envolvidos.
Reintegração de posse
Embora
as ocupações e, posteriormente, a greve dos estudantes em apoio à greve dos técnico-administrativos e, mais tarde, dos professores
tenham sido decididas através de uma assembleia que reuniu mais de 5 mil estudantes, o DCE se opôs a isso. Desse modo, a
Gestão Libertas propôs a ação popular para forçar
a desocupação dos prédios e garantir a normalidade das aulas. Na ação, também
foi solicitado a identificação dos ocupantes, de maneira a posterior e eventual
indenização a ser paga por prejuízo patrimonial. Com a
alegação de que “todos devem ter o direito e ir e vir”, a entidade
tentou deslegitimar o que foi deliberado pela maioria no dia 10 de novembro.
Após o diálogo entre os ocupantes, Ministério Público Federal e DCE, foi decidido, a contragosto do Movimento, no dia 5 de dezembro, pela reintegração de posse.
Mesmo assim, era tarde demais para enfraquecer o
movimento que se consolidou durante um mês na universidade. “O saldo das
ocupações, talvez, levemos algum tempo ainda para dimensionar. A certeza de
todos que passaram e contribuíram de um jeito ou outro nas ocupações é de que
nada será como antes”, avalia a estudante Caroline Roque. Ela e outros alunos propuseram um novo método de aprendizagem e ensino nas atividades
rotineiras durante o processo de mobilização. “A juventude universitária que se
levantou, não aceitou menos do que decidir os rumos do que estava fazendo, ser
protagonista de sua luta. Aprendemos em um mês o que talvez levássemos anos”,
completou.
Construção de política e cidadania
Nos prédios ocupados, espaços de politização e bem-estar
foram organizados para que os acadêmicos aprofundassem seus conhecimentos
políticos e se mantivessem saudáveis psicologicamente. As paredes estampavam
vários cartazes que, em palavras, representavam a luta dos estudantes que ali
resistiam contra a retirada de direitos promovida pelo Estado. No Centro
de Ciências Sociais e Humanas (CCSH), por exemplo, nos prédios 74A e
cronogramas diários para o melhor aproveitamento dos espaços. Diversas
palestras e oficinas aconteceram em prol da mobilização dos estudantes
ocupados, proporcionando espaços para a reflexão sobre o movimento estudantil e
o sentido das ocupações para os que ali estavam. O saldo desses espaços foi, sobretudo, pedagógico e
libertador para os estudantes acostumados aos moldes tradicionais de ensino. É
o que relata o estudante Germano Molardi, do Curso de
Jornalismo, que esteve imerso na ocupação do CCSH. “A gente precisa trabalhar com essas pessoas (demais estudantes) no
sentido de lutarmos contra a classe que nos
oprime”, salientou. “Talvez por isso, tenha sido importante esses processos de
ocupação e os espaços de politização que nas ocupações aconteceram. Muitos
alunos e alunas nunca tinham se envolvido no movimento estudantil e isso
influencia diretamente na apreensão que essas pessoas têm da própria realidade”,
acrescenta. Além do caráter didático, o processo de luta foi a válvula de escape
para o engajamento maior dos estudantes da universidade, reoxigenando o
movimento estudantil. Para o funcionamento diário
das ocupações foram montadas comissões que tinham a função de organizar e
manter os prédios em bom estado. Entre elas, as comissões de limpeza,
alimentação, finanças, infraestrutura, comunicação e segurança. Com essa
dinâmica, todos os acadêmicos e acadêmicas foram contemplados em uma das
funções. Além disso, foram realizadas, diariamente, assembleias deliberativas
de em cada centro para que as suas respectivas demandas fossem supridas, ao
mesmo tempo em que o debate e a harmonia dos estudantes fossem preservadas para
que os alunos e alunas debatessem sobre as pautas pertinentes e decidissem os
próximos passos das ocupações. O aluno de Educação Física, Gabriel Vielmo,
ocupante do Centro de Educação Física e Desporto (CEFD),
exalta o caráter educativo das atividades e o seu aspecto positivo para a
formação política e de cidadania em que todos participaram. “As ocupações foram um momento importante na luta e
reorganização dos estudantes dentro da UFSM, como também no país inteiro. Um
processo didático para nós estudantes nos organizamos coletivamente para que
todas as atividades fossem realizadas, desde a limpeza, a segurança, como
também os espaços formativos e de deliberação”, relata. Os alunos, mais do que
nunca, se apropriaram do patrimônio público, de seu direito, para compor um
movimento unificado com legitimidade nacional.
Luta continua
Com a aprovação da PEC 55, pelo Senado Federal, nesta terça-feira (13), a situação dos estudantes e
trabalhadores se fragilizou. A queda de direitos já têm tido
resultados nas ruas de todo o país. Em Santa Maria, as categorias promovem espaços
de mobilização e resistência. A Universidade Federal de Santa Maria, ao mesmo
tempo em que volta à normalidade das aulas com o fim da greve unificada das
categorias, não faz-se mais a mesma. Os alunos que se restringiam à sala de
aula, agora veem o ensino com outros ângulos e perspectivas. O congelamento de
verbas na Educação irá dificultar o desenvolvimento do ensino, pesquisa e
extensão da universidade pelos próximos anos, porém, a luta organizada e
coletiva dos jovens estudantes é o que manterá uma UFSM pública, gratuita e de
qualidade a todos os que ousam chamá-la de sua.
Texto: Bruno Steians e Luís Fernando Filho, acadêmicos de Jornalismo e bolsistas da Agência de Notícias da UFSM
Fotos: Ocupa UFSM, Bruno Steians e Luís Fernando Filho
Edição: Maurício Dias

