Assim que o transporte que trazia as 28 crianças parou no estacionamento do Centro de Convivência e Treinamento da Polícia Federal, na sexta-feira (26), o coração das 13 detentas que aguardavam no local começou a bater mais rápido e forte. Agentes da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) foram até o veículo buscar os pequenos.
Quando mãe e filhos se enxergavam, gritos de alegria, lágrimas e abraços tomaram conta do local. Sentadas em cadeiras dispostas em semicírculos, as mulheres – muitas não viam os filhos há mais de seis meses – iam pegando as crianças no colo e as famílias, se reagrupando. Quando faltava perna para acomodar todos, alguns puxavam as cadeiras para ficar mais perto e outros preferiam sentar no chão para ficar encostado, aproveitando o afago da mãe.
Após breve apresentação do Projeto Inspira pelo delegado da Polícia Federal, Getúlio Jorge Vargas, a Banda da 6ª Brigada de Infantaria Blindada colocou todo mundo para dançar.
Em seguida, os médicos do Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) convidados – pela primeira vez – para integrar o projeto iniciaram os atendimentos. No fundo do salão, foram montados dois consultórios improvisados. Sentadas em volta de uma mesa, mãe e filhos respondiam perguntas sobre o estado nutricional das crianças e esclareciam dúvidas com as pediatras Beatriz da Silveira Porto e Glauce Mendes. Treze crianças foram referenciadas para atendimento na Unidades Básicas de Saúde, três para serviços de avaliação psicológica, duas para o Ambulatório de Pediatria Geral do Husm e uma para atendimento de neurologia e fonoaudiologia.
A superintendente do Husm, Elaine Resener, atuou junto ao oftalmologista Ricardo Rizzatto na triagem oftalmológica. Das 28 crianças, 10 foram encaminhados para exames diagnósticos no Consultório Itinerante do Husm, por relatarem visão dupla, dor de cabeça ou dificuldade para ler e assistir televisão.
“Ficamos muito contentes de ter sido convidado. Não é um projeto hospitalar, é um projeto de extensão e ele deverá crescer, porque nós já tivemos novas ideias a partir de hoje”, disse a superintendente.
Duas residentes da Linha Materno-infantil – a enfermeira Maiane Calazan e a assistente social Tamires Dela Justino – orientaram sobre a importância de as famílias manterem a carteira de vacinação em dia, de as crianças estarem frequentando a escola e de os responsáveis pelas manterem o acompanhamento nos Postos de Saúde dos bairros onde moram.
Para o delegado da Polícia Federal Getúlio Jorge de Vargas, apesar de o projeto estar na quarta edição é sempre emocionante ver o reencontro das mães com a crianças. “Policial também chora. Enquanto o ser humano sentir emoção, sentir o coração, nós temos salvação. Não vamos resolver o problema do país. Não temos ilusão disso. Mas podemos melhor as condições da nossa comunidade. É através de ações dessa natureza – que promovem a cidadania – que a gente vai conseguir”, afirmou.
Quinze docentes e acadêmicos do curso de Pedagogia da UFSM participam do Inspira desde a primeira edição. “No início, pensamos em fazer algumas oficinas. Depois, percebemos que a necessidade maior era oportunizar a interação entre mães e filhos. Então temos poucas atividades direcionadas. Trouxemos materiais e colocamos à disposição para estimular o brincar”, disse a professora do curso de Pedagogia, Graziela de Lima, enquanto os pequenos vestiam capas e coroas de príncipes e princesas e corriam com a mãe pelo salão.
O início do projeto e os critérios de seleção das presas
O Projeto Inspira iniciou ano passado com a proposta de promover a convivência das presas do regime fechado – que cumprem pena no Presídio Feminino de Santa Maria – com seus filhos. Parte delas só encontra as crianças nos dias de visita, outras não viam as filhos desde a última edição do projeto, em dezembro do ano passado. Isso porque as famílias moram em outras cidades da região e o deslocamento até Santa Maria fica difícil.
O Inspira é uma iniciativa da Polícia Federal em parceria a Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe) e a Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), através da Pró-Reitoria de Extensão. Conta com o apoio da Vara de Execuções Criminais, Polícia Civil, Brigada Militar, Exército, Polícia Rodoviária Federal e Prefeitura Municipal.
O projeto abrange crianças de 2 a 12 anos. Mas, a partir da próxima edição, será ampliado para adolescentes de até 14 anos, mesmo que a mãe já tenha cumprido a pena. “Se nós não investirmos na educação dessas crianças, amanhã ou depois, quando se tornarem adultos, devido ao meio no qual elas vivem, pode facilitar essa situação de escolher o lado errado”, afirma Anderson Prochnow, delegado penitenciário regional da Susepe.
Para participar do projeto, as detentas precisam cumprir uma série de requisitos. “São pessoas que, durante seu dia a dia de cumprimento de pena, demonstram respeito, disciplina com suas colegas de sela e com os servidores penitenciários”, esclarece o delegado.
Texto e foto: Unidade de Comunicação do Hospital Universitário de Santa Maria