Atualmente, o debate sobre os prejuízos que os desastres naturais trazem para a agricultura estão muito presentes na sociedade. Com base nesse contexto, o Grupo Interdisciplinar de Pesquisa em Erosão e Hidrologia de Superfície, vinculado ao Departamento de Solos da UFSM, desenvolve o curso Práticas de Manejo do Escoamento Superficial, pensado para servir de apoio a técnicos e produtores rurais como ação preventiva a esses desastres. O curso é desenvolvido com o apoio da Emater/RS e do Programa de Pesquisa e Desenvolvimento Voltado a Desastres Climáticos, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs).

O programa de pesquisa “Estratégias de conservação de solo e de água em bacias rurais para a adaptação dos sistemas produtivos às mudanças climáticas” busca oferecer a agricultores e outros profissionais alternativas eficazes de manejo e controle do escoamento superficial nos solos agrícolas, atividade que auxilia a diminuir os danos trazidos pelas chuvas extremas, que causam a erosão, enxurradas e enchentes.
O que é o escoamento superficial?
O escoamento do solo é o fluxo de água que se move pela superfície de um terreno após a ocorrência de chuvas ou outras formas de precipitação. O professor Jean Paolo Gomes Minella, do Departamento de Solos, explica que quando chove – seja pelas características da chuva, dos solos, do relevo ou de como o agricultor maneja o solo – a água pode escoar por debaixo da superfície, recarregando o aquífero, abastecendo as fontes e aumentando a umidade do terreno. Mas também pode escoar sobre a superfície.
Na ocorrência da última opção, quando o escoamento é superficial, a água da chuva não se infiltra no solo. Quando o manejo é inadequado, ou quando a chuva é extremamente alta, essa proporção que vai escoar pela superfície, se movendo por conta do relevo, ocasiona uma série de danos, como a erosão dos solos.
“Além dos impactos ao produtor, o escoamento superficial se propaga rapidamente para os rios, causando enxurradas, enchentes, erosão fluvial e deposição de sedimentos nos rios. Infelizmente isso tudo ficou muito claro para a população do Rio Grande do Sul no ano passado”, complementa o professor.

Qual é a importância do manejo correto?
O grupo de pesquisa desenvolve tecnologias para controlar o escoamento superficial em bacias agrícolas. Com a realização do curso, busca auxiliar os técnicos a melhor manejar os solos para aumentar a infiltração. Através do aumento da disponibilidade de água durante os períodos de estiagem, também busca-se diminuir os problemas de erosão e enxurradas nos períodos de chuvas excessivas. O professor Jean conta que o manejo do escoamento depende das características de cada propriedade, do agricultor, dos tipos de solo e relevo. Por esta razão, cada propriedade precisa de um planejamento específico, realizado por técnicos, engenheiros agrônomos e outros profissionais.
“A nossa proposta nesse projeto é um processo de formação continuada desses técnicos, para explicar para eles o que é o escoamento superficial e os processos decorrentes dele, como a erosão, que foi abordada no primeiro módulo. No segundo módulo, os participantes vão receber um treinamento de como fazer esse planejamento de cada lavoura, com foco no terraceamento. No terceiro módulo, que será realizado em 2026, os alunos vão retornar, trazendo suas impressões, dificuldades e sugestões para melhoria da técnica”, explica.
Como funciona o terraceamento?
Para garantir o manejo do escoamento superficial, uma das técnicas mais utilizadas é a prática milenar do terraceamento. O professor explica que nas décadas de 80 e 90 os terraços eram muito grandes, já que ainda não existia o plantio direto. Sendo assim, o solo precisa ser revolvido todos os anos, o que trazia prejuízos. “Então hoje quando a gente fala para o agricultor ou tenta sugerir o uso de terraço, eles têm na memória aquela prática do passado e muitos são resistentes a ela. É preciso explicar detalhadamente para o agricultor e para os técnicos que o terraceamento a que nós estamos nos referindo agora é completamente diferente.”
O terraço ao qual o professor Jean se refere é menor e traz vantagens na produção agrícola, pois proporciona maior umidade do solo, o que é também vantajoso para os momentos de estiagem. Os terraços são pequenas elevações no terreno (cerca de 40 a 50 cm de altura) construídas em nível ou em um pequeno gradiente. Quando o escoamento superficial se forma e começa a se propagar, ele é detido pelo terraço e faz com que a água se infiltre, e não se propague pela superfície.

Para garantir que o manejo do escoamento do solo seja realizado de maneira correta, é necessário seguir algumas etapas. Primeiro é preciso realizar a cobertura do solo e a adição de matéria orgânica, depois é necessário garantir a maximização da infiltração da água no solo, para que então possam ser construídos os terraços.
“A falta de planejamento na construção de terraços pode gerar problemas, já que eles são obras hidráulicas que precisam ser dimensionadas. Terraços demais são um desperdício de tempo e recurso e terraços de menos podem romper, causando danos à lavoura”, explica Minella.
Com a realização do curso, o grupo de pesquisa espera que os participantes possam aplicar os conhecimentos aprendidos nas suas cidades ou áreas de ação. “A nossa expectativa é que cada técnico que venha consiga pelo menos implementar uma unidade experimental na sua região de ação. Porque a gente sabe que muitos agricultores são motivados a fazer melhorias na sua propriedade com base no sucesso prático de alguém”, diz o professor da UFSM.
Impacto no meio ambiente
No Laboratório de Pesquisa em Erosão e Hidrologia de Superfície, localizado no prédio 44L do campus sede, um grupo de estudantes e pesquisadores estudam a hidrologia através do monitoramento da bacia do rio Guarda Mor, localizado na região da Quarta Colônia de Imigração Italiana. No laboratório, os alunos estudam como o uso e o manejo do solo em determinados momentos afetam o comportamento hídrico – ou seja, os fluxos de água, de sedimento, de contaminantes que acontecem ao longo do ano, em razão do clima.
Para Minella, a bacia do rio Guarda Mor representa muito bem as questões de relevo e solos da ocupação agrícola da região. Ele afirma que, através desse monitoramento, ele e os estudantes puderam ver na prática a importância da implementação dessas práticas agrícolas. “O manejo do escoamento superficial nas lavouras pode reduzir as vazões de pico durante esses eventos extremos, em torno de 40%. Então, imagina se as vazões de pico que causaram tantos desastres, como queda de pontes e destruição de casas, fosse reduzido quase pela metade. O número de pessoas atingidas seria muito menor”, conclui.
Segundo módulo do curso acontece em setembro
Realizado em julho, o primeiro módulo do curso contou com cerca de 130 participantes. O segundo módulo será oferecido em três municípios: Santa Maria, nos dias 11 e 12 setembro; Cachoeira do Sul, em 25 e 26 de setembro; São Vicente do Sul, em 9 e 10 de outubro. Nessas três turmas, o conteúdo oferecido será o mesmo. As inscrições podem ser realizadas gratuitamente aqui. Outras informações constam no site do laboratório.
Texto: Ellen Schwade, estudante de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Divulgação/Camila Rodrigues Pereira
Edição: Lucas Casali