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Enlaces entrevista Felipe Corrêa Machado

Militar da reserva encontrou na universidade motivação para enfrentar o agravamento do Parkinson



Foto colorida horizontal de Felipe, centralido à frente do palco e da plateia do Centro de Convenções. A foto mostra um homem bem ao centro e detalhes do lugar, como o palco, a plateia e o mezanino
Centro de Convenções foi o local escolhido pelo universitário por simbolizar o momento da conclusão da jornada de um estudante do ensino superior

Felipe Corrêa Machado foi escolhido para a série Enlaces depois da análise de um relato encaminhado por e-mail à Agência de Notícias. Na mensagem, o autor contava sobre a terceira graduação aos 53 anos, mesmo com o diagnóstico de doença de Parkinson.

O reservista da Aeronáutica encontrou nos estudos, iniciados em 2009 no Mato Grosso, uma forma de se manter ativo. Depois de concluir Ciências Sociais e Serviço Social, Felipe faz Matemática e encontra tempo para o projeto Orquestrando Arte. As atividades o ajudam na motivação diária.

O universitário santa-mariense usa um marcapasso cerebral, faz tratamento contínuo e encontrou na fisioterapia e na atividade física recursos para lidar com a letargia e os travamentos, consequências do Parkinson.

A expressão de Felipe é a de uma pessoa séria. Em um momento da nossa conversa, no Centro de Convenções, ele nos lembrou que uma criança perguntou o motivo dele não sorrir tanto, uma consequência da doença. Por mais que Felipe não esboce muitos sorrisos, é perceptível que ele sorri, de outros modos. Acompanhe a entrevista a seguir.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – O senhor já está na quarta graduação. Pode comentar como iniciou os estudos? 

FELIPE – Minha trajetória começou em 2009 quando eu era militar e fui transferido para o Mato Grosso do Sul. Eu comecei a minha vida acadêmica na Federal do Mato Grosso do Sul, no curso de Administração, que me trouxe muito conhecimento técnico. Quando fui transferido para a Base Aérea de Canoas, pedi transferência para a Faculdade de Administração de lá. Esse foi um curso que acabei não concluindo. Faltou apenas o trabalho de conclusão, porque, mais tarde, fui transferido para Santa Maria.

Durante a minha estada aqui, fiz vestibular para a Universidade Franciscana (UFN) e recomecei Administração. Nesse meio tempo, abriu o edital de ingresso e reingresso para a UFSM. Eu entrei em Ciências Sociais, não em Administração. No curso aprendi muito sobre relações sociais. Também fiz Serviço Social. Só conclui por conta do auxílio dos professores e colegas. Então aquilo que era para ser frustrante acabou revertendo.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Por que o senhor escolheu a Aeronáutica?

FELIPE – Sempre foi meu objetivo seguir a carreira militar e isso foi bastante incentivado pela minha família. Por 25 anos fui militar. Até que em 2017 eu descobri que estava com Parkinson, doença degenerativa e, normalmente, hereditária. Então é um caso raro, prematuro inclusive. Eu fui para a reforma da Aeronáutica. Foi um terror saber da doença.

A primeira tendência de quem tem Parkinson é de se isolar. Só que no meu caso, como eu estava tão ocupado com minha vida acadêmica e com minha profissão, não deu tempo de pensar nessas coisas. Então, a universidade foi bastante útil nesse sentido.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS –  Como a sua família recebeu o seu diagnóstico?

FELIPE – Minha família, especialmente os meus pais e as pessoas mais chegadas se assustaram bem mais do que eu. No primeiro momento, não caiu a ficha. Quando começam a aparecer os sintomas, os tremores e os travamentos, a gente vê o que afetou na vida da gente.

A nossa luta é se manter ativo. Quanto mais a gente se encolhe, mais se constrange de realizar as tarefas e mais a doença acelera.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Voltando à vida acadêmica, o senhor fez Ciências Sociais e passou por outros cursos. Pode contar melhor? 

FELIPE – A vinda para a universidade aconteceu concomitante com o meu reingresso e com o vestibular. Eu fiz o vestibular para Matemática. Não tem muito a ver com a área que eu estava, mas eu queria me aventurar por áreas que ainda não conhecia. Os cálculos são desafiadores.

Além de eu conseguir a transferência via edital de reingresso para a Ciências Sociais, eu passei no vestibular para a Matemática. E, por alguns meses, tentei levar os dois cursos juntos, o que era humanamente impossível. Também houve um decreto presidencial que proibia um aluno de ter duas matrículas na mesma universidade federal.

Eu optei por Ciências Sociais, visto que já tinha muitas matérias da Administração que aproveitei. Enquanto estava fazendo Ciências Sociais cursei algumas disciplinas do Serviço Social.

O Serviço Social é um curso maravilhoso. Eu fui incentivado pela vivência da minha esposa, que é formada em Serviço Social pela Universidade Franciscano (UFN). Na realidade, eu fiz o curso para ajudá-la. É um curso muito bom e também muito desafiador.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Por que o senhor, depois de cursar Ciências Sociais e Serviço Social, decidiu fazer Matemática?

FELIPE – Conhecimento não ocupa espaço. Como tenho restrição quanto ao trabalho e já estou aposentado, não poderia almejar algum cargo público. Eu decidi ampliar os meus conhecimentos e dar vazão a esse sentimento de estar em uma universidade rodeado por pessoas jovens com anseios diferentes e motivadas a buscar conhecimento.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – A universidade tem servido como uma ocupação para o senhor? 

FELIPE  – Exatamente. Um meio de manter a mente ativa e uma motivação para continuar vivendo. O Parkinson restringe e isola as pessoas. Eu estou indo na contramão da história, justamente para que me mantenha ativo.

Embora, a doença tenha afetado um pouco os meus movimentos. Por exemplo, na sala de aula eu tenho dificuldade para me manter muito tempo sentado. A letra de quem tem Parkinson é muito miúda. E tenho tremores. Às vezes, justamente no horário da aula, dá o tremor, aquela crise forte.

Quanto a esses sintomas, tenho recebido muito apoio dos professores. Eles têm sido bem compreensivos. Inclusive, na hora das avaliações, eles têm sido muito camaradas no sentido de entender que sou uma pessoa diferente com uma doença, mas disposto a aprender.

Foto colorida horizontal de Felipe, um senhor de óculo e cabelo prateado, á frente da arquibanca do Centro de Convenções.
Felipe cursa Matemática e contribui com o Orquestrando Arte. Antes disso, fez Ciências Sociais e Serviço Social

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS –  O senhor conheceu a sua esposa aqui em Santa Maria? 

FELIPE – Sim, num grupo de jovens da igreja. Ela é uma pessoa maravilhosa que se doa pelos outros. Ela é formada em Serviço Social pela UFN e montou o projeto social“Orquestrando Arte”, que trabalha com música e arte para as nossas crianças e adolescentes.

Estamos casados há 33 anos, temos três filhos e duas netas. Os três filhos já estão encaminhados: dois formados pela UFSM. Um começou Engenharia Acústica e se formou em Música e Tecnologia. Ele é guitarrista, ama o que faz e, também, é servidor da UFSM. O segundo é professor de Educação Física, formado aqui e joga futsal profissional de alto nível na Polônia. E a terceira filha, a Nicole, está no ensino médio.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – No que a sua vida universitária alterou a sua vida pessoal?

FELIPE – Tanto o fato de eu conhecer novas ciências e novas tecnologias, a convivência pessoal também ajudou bastante. Eu sou muito do lado humano, apesar de estar fazendo a área das exatas. Eu acho que a gente pode fazer a diferença no meio onde a gente está.

O que me faz também conviver com jovens é passar esse sentimento de que se eu tô com uma doença que pode me restringir. Por que eu não vou viver? Por que eu não vou servir aos outros? Muito mais do que eu pensar em mim, é pensar nos outros também. E fazer o bem sem olhar a quem, como diz o ditado. É muito importante a gente poder fazer a diferença na vida dos outros.

O meu estágio em Serviço Social foi na saúde mental, no Caps Infantil. E eu acho que a gente pode fazer a diferença com um testemunho de uma pessoa que está doente, mas não desistiu de viver.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – E nessa perspectiva, quais são seus planos? Uma próxima graduação talvez? 

FELIPE – Eu continuo no projeto Orquestrando Arte, dando aula de Matemática, unindo o útil ao agradável. A minha graduação em Matemática e o fato de ajudar as crianças nas suas dificuldades que têm nas escolas.

O meu objetivo, por hora, é terminar a faculdade. Eu tenho feito poucas disciplinas, porque acabei me envolvendo em muitas atividades e para ajudar no projeto. Também faço parte do Pibid, que é o Programa de Iniciação à Docência, no Grupo da Matemática. Eu dou aula na Escola Edson Figueiredo.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS –  Tem alguma graduação que você gostaria de fazer? 

FELIPE – Olha, ao conhecer vocês, o Jornalismo. É uma faculdade que instiga bastante, a Faculdade de Jornalismo. Quem sabe no futuro aí a gente vai pensar no assunto.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Por que o senhor escolheu o Centro de Convenções para a nossa conversa?

FELIPE – Aqui é onde são realizadas as formaturas. É ápice da graduação. No Serviço Social, fiz formatura de gabinete. Até saber que estava com a doença, não dava muito valor às formalidades.

E eu considero a formatura um símbolo da vitória e o reconhecimento do final da jornada do estudante. Esse lugar aqui é maravilhoso, porque aqui se apresentam as nossas crianças no espetáculo anual do Orquestrando Arte.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Para finalizar, o senhor gostaria de deixar uma mensagem?

FELIPE – A gente está vivendo um mundo de tanta individualidade, que as pessoas buscam o prazer próprio e a satisfação das suas necessidades. Quando há muito mais do que isso. Deus nos criou seres sociáveis, que dependem uns dos outros e que aprendem uns com os outros. Vale a pena viver e lutar pela vida. Independente da doença e das dificuldades, vale a pena viver e estar num ambiente da universidade.

Muito mais do que escola de saber, a universidade é um lugar de confraternização e de socialização.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Existem pessoas que te ajudaram a chegar até aqui?

FELIPE –  Eu cometeria uma injustiça se deixasse alguém de fora. Mas, eu quero destacar algumas pessoas que, essas sim, não podem ficar de fora da minha história. Primeiro a minha esposa e a minha família, que têm tido um papel essencial na minha posição hoje de estar vivo e com saúde. Minha esposa, meus filhos, minhas netas. Recentemente recebemos o presente de outra neta.

Agradecer, não nominalmente, mas de modo geral aos professores, que têm sido bastante compreensivos. Aos colegas que têm me ajudado nessa tarefa. Ao PIBID,  nosso Programa de Intercessão e Docência, que tem sido também um suporte para mim, nas minhas atividades. Ao Hospital Universitário de Santa Maria, pelo atendimento sempre profissional, sempre eficiente. Pela própria universidade, por essa oportunidade de estar aqui. E também, principalmente, à Igreja Presbiteriana do Brasil, do qual eu faço parte. Eu faço parte do conselho também da Igreja. Pela oportunidade de me doar em favor dos outros também. E pela liderança da Igreja. Então, têm sido todos muito importantes na minha vida.

A minha vida no universitário, espero que seja longa ainda, para que eu possa aprender  um pouco mais a respeito da vida.

A Série Enlaces entrevista pessoas ligadas à UFSM. É um especial dos 65 anos da instituição produzido pela Agência de Notícias para o site e para o Instagram.

Entrevista e texto: Jessica Mocellin, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias 

Fotos e vídeo: Paulo Baraúna, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista da Agência de Notícias 

Edição: Maurício Dias, jornalista 

Supervisão geral: Mariana Henriques, jornalista e chefe da Agência de Notícias

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