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Enlaces conversa com Francine Castro

Formanda de Jornalismo moradora da CEU encontra na filha de dois anos e na memória do pai forças para seguir os estudos



Foto colorida horizontal de Francine, uma moça com estatura mediana, cabelos cacheados e óculos. Ela veste uma roupa escura. Do lado esquerdo um painel colorido
Francine se apaixonou pelas imagens da Biblioteca que viu no vídeo institucional da UFSM

O vídeo institucional da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) despertou em Francine Castro o sonho de estudar aqui. O tamanho da Biblioteca Central exibido na produção da TV Campus impressionou a jovem moradora de Bagé. Por isso, o símbolo do conhecimento foi o lugar escolhido para nossa entrevista para a série Enlaces.

A formanda de Jornalismo ingressou na Universidade antes que a pandemia se espalhasse pelo Brasil, precisou interromper o curso para cuidar do pai doente e, depois, retornou à UFSM. Hoje ela mora na Casa do Estudante com Flora, sua filha de dois anos. Aos 24 anos, Francine luta pelos direitos das mães estudantes e deve aprofundar o tema na pós-graduação. 

Nossa entrevista fluiu de forma tranquila e cheia de repertório. A futura jornalista é uma pessoa ciente das dificuldades que a vida pode trazer, mas tem uma afirmação que transforma o dia em mais uma batalha vencida. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS –  Por que você optou por estudar na UFSM? 

FRANCINE CASTRO – O meu contato com a UFSM foi no final do ensino médio. Eu nunca tinha vindo para Santa Maria. Eu estava me preparando para o Enem, conheci a instituição e me apaixonei. Foi amor à primeira vista. Lembro como se fosse ontem, eu e meu pai conversando sobre o quanto seria legal se eu fosse para a UFSM. Eu nem tinha me inscrito ainda, mas ele me apoiou bastante e disse: “é para lá que tu vai”. Nas duas opções de curso eu coloquei a UFSM, porque eu queria muito vir para cá. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS –  Como foi mudar de Bagé para Santa Maria?

FRANCINE – Bagé é uma cidade pequena e eu não tinha muito contato com cidade grande. Foi bem desafiador mudar de cidade e viver longe da família. Mas, com o tempo, foi bem gratificante. A UFSM superou muito as expectativas que eu tinha. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Você sempre quis fazer jornalismo? 

FRANCINE – Eu tinha duas opções: Jornalismo e Psicologia. Sempre gostei de comunicação e ouvia rádio com o meu pai. Não teve jeito e não consegui fugir da área da comunicação. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS –  Está gostando do curso? 

FRANCINE – Estou gostando muito. Na área de rádio, gosto de ouvir histórias. Eu acho que eu me encontrei. já queria muito fazer e descobri que realmente é isso que quero. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Quando chegou na UFSM, você conseguiu ir logo para a Casa do Estudante? 

FRANCINE – Eu passei pelo período de avaliação do Benefício Socioeconômico (BSE). Morei na União Universitária e, depois, fui morar na Casa do Estudante. Eu nunca tinha morado com outras pessoas que não fossem da minha família, então foi um desafio. Mas me ajudou muito a construir a minha identidade e me encontrar coletivamente. Ter uma experiência de morar na União e na CEU foi engrandecedor. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Como é morar lá? 

FRANCINE –  Hoje é bem desafiador, mas gratificante também. Em 2020, quando eu vim para cá, não imaginava tudo o que poderia acontecer além da pandemia. Em 2022, o meu pai descobriu um câncer, e eu acabei atrasando o curso para cuidar dele. Eu trabalhava de segunda a domingo, em dois empregos, para conseguir ajudar a sustentar. Aí ele descobriu um câncer no pulmão e eu tive que dar um tempo na Universidade e ajudar em casa. Ele acabou falecendo. Era um desejo dele que eu continuasse o curso. Não pensei duas vezes em voltar para a universidade. 

Em 2023, eu engravidei. Minha filha, Flora, tem dois anos, e mora comigo na Casa do Estudante. Além de ser moradora da CEU, ser mãe e estudante foi uma transformação que mudou a minha vida por completo. Além dos desafios, eu vejo muita coisa boa.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Como foi descobrir a gravidez durante a graduação?  

FRANCINE – Bem difícil. Eu não tinha contato com outras mães aqui dentro. Eu sabia que a Universidade recebia mães. 

Eu acabei fazendo todo o meu pré-natal aqui na saúde da CEU e eu tive um acompanhamento bem bom. 

Não tranquei o curso [durante a gestação]. Fiz exercício domiciliar e fui bem acolhida pelos meus professores. Eu nunca quis desistir. Pelo contrário, sempre coloquei a minha filha como objetivo para continuar. 

Na universidade, a gente encontra muitas coisas voltadas para as mães. Com o tempo, fui descobrindo como viver nessa nova fase da vida. Não é fácil ser mãe morando na Casa do Estudante. Com o tempo, fui encontrando redes de apoio de mães. Descobri que a gente está aqui e em todos os cantos. 

Foto colorida horizontal de Francine. A imagem traz o rosto da estudante, que está posicionada de forma inclinada à frente de um painel colorido da Biblioteca. No painel, uma árvore colorida
Francine pretende fazer mestrado para lutar por mães estudantes

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Existe algum projeto que a apoie aqui na Universidade? 

FRANCINE – Tem um projeto chamado Conexões Maternas, coordenado pela professora Milena Freire. É um projeto que fala sobre as mães e que escuta as mães. Também tem um coletivo de mães no WhatsApp e um grupo grande de mães que moram na CEU.

Tem o auxílio maternidade, que era de R$ 600 para as mães e pais da CEU, e agora aumentou para R$ 700. É um avanço. Não existe esse valor em outras universidades. Tem a Bolsa PAM para aqueles pais que não querem morar aqui dentro. Também tem os exercícios domiciliares. 

 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Você passou por muitos desafios para conciliar a maternidade com os estudos? 

FRANCINE – Bastante. Parece que a gente está nadando contra a maré. A gente tem que estar o tempo todo se esforçando um pouco mais. É uma bolsa que a gente não consegue. Para quem mora aqui na CEU, ter uma bolsa, seja o valor que for, contribui. Eu recebi vários “nãos”. Isso dificulta. Às vezes, o nosso dia não cabe em 24 horas. São as demandas da Universidade, do trabalho e da criança. É uma jornada que não acaba.

Alguns professores não entendem que temos uma criança e que, às vezes, não vamos conseguir entregar aquele trabalho naquele horário. A gente precisa conversar e negociar. Às vezes, depende da boa vontade do professor. São coisas que a gente precisa melhorar na Universidade.

Uma criança demanda muita atenção e é imprevisível. No início do semestre, a Flora pegou mão-pé-boca, que é uma doença viral. Ela ficou uma semana de atestado. Eu tive que ficar uma semana cuidando dela. Não tem quem cuide, só eu e ela. Se eu adoeço, ela adoece.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Onde ela fica quando você está na faculdade? 

FRANCINE – A Flora vai para a creche. Na Universidade, tem o Ipê Amarelo, que é por sorteio. É muito difícil pras mães que moram na CEU conseguirem uma creche. A Flora conseguiu quando tinha uns seis ou sete meses. Eu tentei desde os três meses para que eu conseguisse estudar. Antes disso, eu pagava a babá para ir às aulas. Por convênio, ela estuda numa creche particular perto da CEU. Ela conseguiu uma vaga das 8h às 17h. 

Essa é a minha realidade, mas não é a de outras mães que têm de ir muito mais longe para levar os seus filhos. Outras não conseguem vaga, porque no município é concorrido. Tem também as mães que estudam à noite. Não têm creche à noite.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – A Florinha gosta da creche dela? 

FRANCINE –  Gosta. A adaptação dela foi bem tranquila. Ela é uma criança bem comunicativa e se adapta bem. 

Eu e o pai dela tivemos um relacionamento de dois anos. A gente era um pouquinho mais jovem que agora. Não nos conhecíamos tão bem, mas moramos juntos um tempinho. As coisas não deram certo. Ele é de Uruguaiana.

Mas a gente se adaptou muito bem. Eu brinco que ela me ajuda muito. A gente conseguiu construir uma conexão que faz com que se entenda. Eu não nasci sabendo ser mãe. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – É desafiador ser mãe.

FRANCINE – Não existe essa coisa de “pra mulher é mais natural, biológico”. A gente aprende. Tem esse clichê de instinto materno. Eu discordo disso. No início, eu tinha essa ideia também de que a Flora depende completamente de mim. E, na verdade, não. Ela depende de alguém que supra as necessidades dela. E isso qualquer adulto consegue fazer, um pai, uma mãe, um avô, uma avó. A gente tem que parar com esse pensamento de que criar uma criança é algo individual, quando é algo coletivo. É algo que todos nós fazemos. Tem culturas onde uma criança é criada por uma aldeia inteira. Cuidar para não olhar individualmente para a mãe. Tanto para culpá-la ou sobrecarregá-la, porque não  é justo. Não é justo que uma pessoa seja responsável pela criação de outra. Uma única pessoa. Sendo que, para começar, essa criança não foi feita por uma pessoa só.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – O que ainda precisa mudar na Universidade para atender melhor as mães?

FRANCINE – Tem muitas coisas evoluindo. Tem uma pesquisa da professora Milena Freire que vai identificar quantas nós somos, quem somos, onde estamos. A Universidade ainda não tem esses dados e precisamos deles para ir atrás de políticas públicas. 

A universidade não pode só usar esse discurso de que: “olha, nós recebemos mães aqui”. Mas o que a gente vai fazer com essas mães? Tem espaço adaptável?

No R.U., podemos comer com as nossas crianças. É um avanço que as crianças não precisam agendar. Mas não tem um espaço adaptável. Tem que adaptar os horários dessas mães. 

No BSE, temos que cumprir uma carga de 240 horas. E a gente não pode faltar, porque pode perder o benefício, e, com isso, R.U. e moradia. Só que uma mãe com um bebê recém-nascido não consegue dar conta nem de 200h

Outra questão é conversar com as coordenações dos cursos. Elas precisam nos ouvir também.

A gente vê muita coisa acontecendo e melhorias sempre são bem-vindas.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS –  O que você teria para dizer para as mães universitárias e para as moradoras da CEU? 

FRANCINE – Permanecer também é importante. Então, sejam firmes. Ninguém que está aqui luta por si mesmo. A gente não está aqui só pela gente. A gente está aqui pela nossa família, pelo filho, pela filha, por um pai ou uma mãe. A gente está aqui por pessoas que já nem estão mais aqui. A mensagem é essa: sigam firmes, não desistam, porque você não luta sozinho, não é só por você. Isso te dá mais força e gás para te continuar. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Quais são os seus planos?

FRANCINE – Falta pouco para eu finalizar o curso: o TCC e o estágio. Eu penso em fazer mestrado. Ser mãe e ser universitária transformou imensamente a minha vida. Eu sempre penso nos que vão vir depois de mim. Para chegar aqui na universidade, para ter esse espaço de fala, muitas pessoas tiveram que lutar. Muitas mulheres tiveram que lutar para eu estar aqui. Então, penso o que posso fazer a partir disso. A minha ideia é seguir estudando. Talvez nessa área de mães universitárias. 

Eu sinto que há uma defasagem sobre esse assunto. A gente sabe que elas estão aqui, mas o que elas estão fazendo? Elas estão produzindo, criando. Essas crianças têm um significado dentro da universidade. Eu acho que vou seguir estudando e pensar em melhorias para essas mães e para essas crianças. Desde que a Flora nasceu eu tenho um mantra: “Sobrevivemos. Foi um dia. Amanhã é outro”. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS –  Por que você escolheu a Biblioteca Central para realizarmos a entrevista? 

FRANCINE – Porque eu lembro exatamente da cena: eu sentada com o meu pai quando vimos o vídeo institucional da UFSM, aquele bonito que mostra toda a Universidade. A gente ficava: “meu Deus, olha o tamanho da biblioteca, pai!”. Eu sempre gostei muito de ler. 

E meu pai trabalhou desde os oito anos e não conseguiu aprender a ler e a escrever. Mas ele sempre nos incentivava. Eu sou a irmã do meio, de três. Ele sempre nos incentivava a estudar. 

Eu lembro que quando eu disse que eu queria vir para cá ele disse: “tu já conseguiu”. Eu pensava assim: “meu Deus, é um lugar que eu nunca fui, é concorrido, tem que fazer o Enem”. Eu nem tinha feito o Enem ainda, estava no finalzinho do Ensino Médio. Eu dizia: “Não sei se eu consigo”. E ele batia o pé e dizia que eu ia estar aqui um dia. Então, esse lugar é muito especial. 

Às vezes eu paro e penso: “meu Deus, eu estou aqui dentro mesmo, será que isso existe?” A gente às vezes está aqui há tanto tempo e não olha para isso, mas eu ainda me sinto aquela garotinha que sentava para assistir ao vídeo com o pai e ele dizia que eu ia conseguir estar aqui um dia. 

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Pensar no seu pai dá forças para você continuar?

FRANCINE – Com certeza. Eu lembro que uma das últimas falas dele para mim. Eu lembro que eu trabalhava no escritório de segunda a sexta e no final de semana eu trabalhava toda madrugada fazendo recepção de eventos. Eu lembro que uma das últimas frases que ele me falou é que ele tinha muito orgulho de mim. Aí eu lembro que quando eu engravidei, eu falei: “meu Deus, meu pai deve estar se retorcendo, ele não deve ter orgulho de mim”.

Aí com o tempo eu amadureci isso e pensei: “não, ele deve ter orgulho de mim, onde ele está”.  E eu só sinto muito dele não ter conhecido a minha filha, eu acho que eles iam se dar muito bem, ia ser muito legal. Então, sim, ele me dá bastante força pra continuar.

A Série Enlaces entrevista pessoas ligadas à UFSM. É um especial dos 65 anos da instituição produzido pela Agência de Notícias para o site e para o Instagram.

Entrevista e texto: Jessica Mocellin, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias 

Fotos e vídeo: Paulo Baraúna, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista da Agência de Notícias 

Edição: Maurício Dias, jornalista 

Supervisão geral: Mariana Henriques, jornalista e chefe da Agência de Notícias

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