Apaixonado por abelhas, Silvio Lengler defende que estes insetos contribuem para o equilíbrio da natureza e para a sobrevivência humana. O professor aposentado em 2023, referência em apicultura e estudou na primeira turma de Zootecnia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), iniciada em 1971.
Natural de Panambi, Silvio viajou pelo mundo para apresentar suas pesquisas e para se atualizar. O professor foi um dos responsáveis por introduzir a disciplina de Apicultura na grade curricular da instituição e até hoje contribui com as atividades práticas da cadeira. Ele também fundou e atua diariamente na sede da Associação de Apicultores de Santa Maria (Apismar).
Nossa entrevista foi realizada no apiário da Universidade, um local arborizado, cheio de cor e flores. A pedido de Silvio, ficamos a uma distância segura das abelhas que tanto o encantam. Aquele local visivelmente o deixa cheio de orgulho e demanda cuidado, algo que não lhe falta.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Como foi o seu primeiro contato com a UFSM?
SILVIO LENGLER – Eu fiquei sabendo que abriu o curso de Zootecnia. Eu era técnico agrícola formado na Escola Técnica Agrícola de Viamão, a ETA, e fiz um estágio de apicultura de quatro meses em Pindamonhangaba, São Paulo. Eu queria fazer pesquisa. Poderia ser Biologia, Agronomia ou Zootecnia. E aí eu fiz vestibular de Zootecnia e entrei na primeira turma, em 1971, e terminei o curso em 1974.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Por que optou pela zootecnia?
SILVIO LENGLER– Porque sou da área rural, da colônia. Eu sempre tinha galinha, porco e cavalo. Quando era jovem, eu era jockey. Era meu hobby. Quando cheguei aos 65 quilos tive de parar, porque o peso máximo era 60 quilos.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Por que escolheu se especializar em apicultura?
SILVIO – Essa é uma boa pergunta. Na ETA de Viamão, eu tive que fazer um estágio de no mínimo 4 meses. Junto com um colega, iríamos plantar tomate. E esse meu colega descobriu que existia uma vaga com remuneração de apicultura em Pindamonhangaba.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Por que decidiu ser docente do curso?
SILVIO – Porque não tinha apicultura na Universidade. Só no Colégio Agrícola [atual Politécnico]. O professor era o Ony Lacerda, que me convidou para dar aula prática. Ele ficou sabendo que eu era formado na ETA e que fiz estágio em apicultura. O professor Ony foi convidado a lecionar no Departamento de Zootecnia e sobrou para mim.
Eu comecei a lecionar na Agronomia a convite do chefe do departamento, que, na época, era o Paulo Figueiró. Antes, eu era professor apenas do Colégio Agrícola. Como a Ana Primavesi foi para São Paulo, sobrou uma vaga e eu entrei na carreira de professor auxiliar de ensino.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – O senhor sempre sonhou em ser professor?
SILVIO – Sempre, porque os conhecimentos que adquiri em São Paulo foram muito grandes. Na época, as abelhas africanas, que eram muito agressivas, matavam muita gente e muitas criações de animais domésticos. Eu queria repassar informações de como acalmar essas abelhas.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – O que o atraia na docência?
SILVIO – O que mais gostava era de dar aula prática. Esse foi meu ícone. Eu cheguei a ter 150 colmeias na vida privada. Meus alunos chegaram a fazer fila para se inscrever e ter aula prática comigo para colher mel.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Qual seu maior aprendizado como professor?
SILVIO – Como professor, quem me ensina muito são as abelhas. Cada vez que eu faço aula prática com meus alunos, eu aprendo alguma coisa. Elas sempre ensinam alguma coisa.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – O senhor pode contar um pouco sobre suas pesquisas com abelhas?
SILVIO – Na minha tese, eu fiz um estudo com diversas linhagens de abelha: caucasiana, abelha-carnica, italiana, alemã e seus cruzamentos. Os cruzamentos foram obtidos no Departamento de Genética da Universidade Estadual de São Paulo, Ribeirão Preto.
A gente estudou o comportamento sobre a hora que a abelha sai de manhã e hora que ela volta de noite. Foram seis meses de estudo. A abelha africanizada trabalha mais cedo e volta mais tarde. Consequentemente, produz mais mel do que as outras. A africanizada não fica doente, graças à sua rusticidade.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – O senhor tem um carinho pelas abelhas.
SILVIO – Tenho. Também não machuco elas. Sou contra alguém tentar matar essas abelhas. Porque, às vezes, tem um enxame na rua, e eles botam veneno para matar. Eu sou contra isso aí. É crime, inclusive. A abelha é um animal útil. Se não tiver mais abelhas na face da terra, nós, humanos, vamos morrer de fome.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – E qual a importância das abelhas para o senhor?
SILVIO – Produção de mel, pólen, própolis e geléia real. São esses quatro produtos que eu consumo diariamente. Por isso que eu tenho uma boa saúde e estou chegando aos 80 anos.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – E qual a sua relação com a Apismar?
SILVIO – Essa pergunta é ótima. Sou sócio-fundador há 40 anos e sou o único que ainda está participando. Há sete anos trabalho todos os sábados de manhã na Associação, que fica debaixo do viaduto da rua Tuiuti, no Parque Itaimbé. Eu e minha esposa damos orientação técnica.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Por que o senhor fundou a Apismar?
SILVIO – A Apismar é fundamental para o grupo de apicultores. Na época, eram só apicultores. Agora temos meliponicultores também. Já existia a Federação Apícola do Rio Grande do Sul, em Porto Alegre. Acontece que tínhamos que fundar uma associação para poder nos filhar nessa federação. Por sua vez, a federação está filiada à Confederação Brasileira de Apicultura, e a Confederação Brasileira de Apicultura, em Brasília, está filiada à Apimondia (International Federation of Beekeepers’ Associations). A Apimondia está em mais de 100 países e é a maior potência de associativismo que se conhece na face da terra.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Desde que o senhor começou até agora, o que mudou na atividade de criação de abelhas?
SILVIO – Na época que eu comecei, era chamada abelha africana. E hoje, ela se chama abelha africanizada, porque cruzou com abelhas europeias. Nós temos abelhas mansas no grupo das africanizadas. Nossas abelhas da Universidade são bastante mansas.
Se compararmos com a abelha africanizada do Nordeste, é outra história. Lá, elas são muito mais agressivas, por causa do calor, principalmente.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – O senhor participou do encontro de 50 anos da primeira turma de Zootecnia. Conte como foi?
SILVIO – Nós programamos desde o início do ano passado. Nós colocamos uma placa no hall do Centro de Ciências Rurais. Essa placa foi muito bem aceita pela comunidade, até a vice-reitora estava presente para a decoração dessa placa.
Então isso foi muito importante para nós. E depois nós fizemos um almoço no restaurante de um colega, que se chama Leitaria.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Como foi rever os antigos colegas do curso?
SILVIO – Foi muito bom ver os colegas. Cada um falou durante uns 5, 10 minutos sobre o que ele está fazendo e as dificuldades que o zootecnista encontrou na sua profissão. Assim como eu, encontrei muitas dificuldades como zootecnista.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Quais foram as dificuldades?
SILVIO – Primeiramente, no Departamento de Zootecnia, algumas pessoas não reconheciam o curso. Também queriam extinguir a disciplina de Apicultura e diziam que não era importante. Eu tive que reclamar e trazia abaixo-assinados do Congresso Brasileiro de Apicultura que dizia que as universidades tinham de criar mais disciplinas de apicultura com 60 horas. E, principalmente, o curso de Agronomia devia ter essa disciplina. E os outros cursos também, como Zootecnia, Engenharia Florestal e Veterinária.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – Por que o senhor se aposentou?
SILVIO – Porque fechei 30 anos e queria me dedicar à apicultura particular. Eu e minha esposa colhíamos muito mel.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – E o senhor sente falta do ensino?
SILVIO – Não, eu não sinto falta. Porque a professora Fernanda me chamou para dar aula prática e palestra sobre os 10 produtos das abelhas, há 12 anos.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – O que mais gosta de fazer nos seus momentos de lazer?
SILVIO – Eu gosto de assistir filmes. Quando eu era jovem andava a cavalo até 7 quilômetros na chuva para assistir um bom faroeste. Eu sempre gostei muito de filmes faroeste. Até hoje assisto no YouTube.Eu gosto mais do faroeste, assim, de acertar as coisas da conversa, assim, né? De uma conversa boa.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS- Por que o senhor escolheu o apiário para conversarmos?
SILVIO – Porque falar sobre apicultura dentro de um escritório não vale a pena. Tem que ser em um lugar bastante verde.
AGÊNCIA DE NOTÍCIAS – O que espera para o futuro?
SILVIO – Eu espero que a minha família continue unida. Tenho duas filhas e uma neta. A minha filha mais velha é separada e a mais nova tem uma filha que fará quatro anos no ano que vem. Eu espero no futuro continuar com saúde, para a minha esposa, minhas filhas, meu genro e a minha neta.
A Série Enlaces entrevista pessoas ligadas à UFSM. É um especial dos 65 anos da instituição produzido pela Agência de Notícias para o site e para o Instagram.
Entrevista e texto: Jessica Mocellin, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Fotos e vídeo: Paulo Baraúna, acadêmico de Desenho Industrial e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Maurício Dias, jornalista
Supervisão geral: Mariana Henriques, jornalista e chefe da Agência de Notícias