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Reflexões sobre democracia, desde sua origem até a atualidade nacional



Democracia e cidadania são temas tratados com prioridade na atualidade nacional. Esclarecendo alguns pontos importantes sobre o assunto e fazendo reflexões pertinentes, o professor doutorando pela UFRGS, Luis Fernando Telles, fala sobre a origem do termo democracia e suas mudanças temporais, assim como caracteriza o sistema democrático no atual cenário nacional.

O professor fala também hoje sobre a origem do termo “demokratia” na Grécia Antiga. Ele estará presente em uma mesa redonda, no Centro de Ciências Sociais e Humanas (CCSH), que integra a 1ª Jornada de Estudos no Mundo Antigo e Medieval.

Guilherme Gabbi – Qual a origem do termo “demokratia” e da democracia em si?

Luis Fernando Telles – O termo democracia, o qual estudo justamente as primeiras utilizações, aparece em Atenas, no final do século V a.c. Apesar de que identificamos diversas instituições democráticas no governo de Atenas desde um século antes desse período. Em oposição a uma tentativa de oligarquia, tirania, a democracia começa a surgir com uma ideia de governo, com fins ideológicos. Assim, o termo começa a aparecer mais, no ano de 419 a.c, na fonte que se tem como datada do primeiro uso do termo. Antes, têm-se instituições democráticas, mas sem o uso do termo democracia. Minha fala é justamente sobre essa pesquisa que faço de doutorado, sobre como, apesar das instituições e utilizações e organizações democráticas, os atenienses começam a perceber conscientemente a democracia. Na minha palestra, falarei sobre esses diversos momentos em que o termo aparece, desenvolverei a hipótese de que os atenienses já tinham instituições democráticas, mas o uso do termo começa a ser usado em oposição a regimes oligárquicos que pensavam em se instaurar na época.

G. G. – Como fazer um balanço das modificações da democracia e uma comparação da democracia antiga, na Grécia, e a atual no Brasil?

L. F. T. – É um momento propício para essa análise, pois a constituição está prestes a fazer seu aniversário de 25 anos. Agora, existem diversas formas de democracia, não só durante todo esse processo de democracia, que começa há 2500 anos, como dentro da própria Atenas, naquele período, já havia diversas maneiras de se lidar com a democracia. Uma das características que é bem diversa entre aquele período de hoje é o fato de que em Atenas eles tinham uma democracia participativa, ou seja, obrigatoriamente, todos aqueles que eram considerados cidadãos tinham participação política, votos nas assembleias com encontros mensais, para toda a população, pois eram encontros abertos. E hoje em dia, no Brasil e na maioria dos países democráticos contemporâneos, é impossível, impraticável ter uma democracia participativa, principalmente pela quantidade de pessoas envolvidas nessa sociedade. Podia existir numa cidade como Atenas, porque era uma quantidade relativamente pequena de pessoas. Agora, num país como o Brasil, que pode ser chamado de país continente, é impraticável ter encontros mensais, ou mesmo anuais, nos quais toda a população possa comparecer. Então, vivemos no que é a democracia representativa. Apesar de que, essa é uma das teorias de como funciona a nossa democracia, que nem sempre funciona exatamente de modo representativo.

Em teoria, escolhemos pessoas que representem os nossos interesses. Às vezes, o que encontramos na prática é que as pessoas estão delegando para aqueles que consideramos representantes, o direito de escolher e votar nas decisões do país. Não é, então, exatamente uma representação. Se eles fossem de fato políticos representantes, se nossos representantes fossem se portar como representantes estariam lá com a única e exclusiva função de representar aqueles que votaram neles e a população toda. Então, na democracia, atualmente, aqui no Brasil, já se têm essas duas formas diferentes de democracia: a ideal, prevista pela constituição – que é considerada mundialmente uma boa constituição – e a questão de como é a prática dela, que falha no formato representativo ideal que propõe a constituição. Assim como na antiguidade, também existiam essas diferenças. Ela era participativa, ou seja, com a presença de todos, só que nem todos os que eram considerados cidadãos podiam ir diariamente às reuniões políticas. E como não estava aberto, ainda, ao pagamento de participação política, estava aberto à todos, mas nem todos podiam participar, em função de seu trabalho diário, por exemplo. Por isso, era participativa em certa medida.

G. G. – Em um país de dimensões continentais, como é o Brasil, a democracia representativa seria um sistema ideal se bem aplicada?

L. F. T. – Seria muito mais viável que uma participativa. Existem outras formas, dentro da ideia de uma democracia representativa, de fazer a democracia. Por exemplo, países que têm seu primeiro ministro e lidam com outras maneiras de representatividade. Uma questão, que é outra característica brasileira em diferenciação a um país como os Estados Unidos, é a quantidade de partidos políticos. Nos Estados Unidos, existem apenas dois, enquanto aqui há diversos, o que causa uma organização política bem diversa. E essa organização política influencia na maneira de praticar a democracia. Então, só uma organização política diferenciada causa diferentes maneiras de se praticar democracia. Existe também a possibilidade de se fazer uma democracia representativa não partidária, o que gera outra organização política, que não é o que temos no Brasil e, em princípio, parece ser algo não muito desejado. A representação política que se tem ainda é uma das maneiras mais conhecidas e comumente utilizadas para participação na política, que, bem ou mal, é uma das maneiras de praticar a democracia representativa.

G. G. – Qual seria, então, o ponto chave para uma real democracia no país?

L. F. T. – Bom, essa é uma pergunta bem complicada. Aliás, a pergunta não é complicada, a resposta é. Não posso te dizer com muita certeza. A questão de, no Brasil, termos uma democracia ideal, ou seja, diferente daquela que é realmente praticada, consiste em aumentar o máximo a participação popular, na política. Estou chamando de popular a população de modo geral, e por mais que seja representativa, deve haver uma participação mais ativa. Portanto, nós devemos cobrar mais deles [dos políticos] […] Eu acredito que isso levaria a uma maneira diferente de os representantes se perceberem e perceberem no povo, de modo geral, a força que eles têm lá. Que, idealmente, é como deveria se organizar uma democracia representativa prevista pela constituição de 1988.

O que realmente acontece é a delegação do poder de decisão. Em vez de eu esperar que alguém represente a minha pessoa, os meus interesses, eu espero que a outra pessoa defina, porque não tenho tempo para fazer isso. Com participação de cobrança para os políticos, para que de fato representem, não apenas façam uso do poder de decidir, de escolher, que está sendo usada em nosso nome, a maneira de fazer as decisões e de procurar o aval daqueles que, em teoria nos representam, resultaria em uma democracia muito mais próxima ao modelo ideal previsto pela constituição.

G. G. – Então mesmo com a representatividade na democracia, a participação popular é fundamental para certa fiscalização e eficiência da representatividade?

L. F. T. – Fundamental. Apesar de não ser participativa, como era em Atenas, a participação, de uma maneira ou de outra, dependendo de como é organizada a democracia, é essencial. No caso de como é a proposição democrática da constituição brasileira, tem-se fortemente a questão da representatividade. Claro, quando a questão é o povo, isso implica nos próprios políticos que estão para nos representar. Eles também são o povo, no sentido de população brasileira. Então,  também é fundamental que nossos representantes se vejam como representantes, como alguém que está representando a população, e não como alguém que está em nome da população decidindo as coisas. Não se tem, por exemplo, uma procuração para que eles decidam em nosso nome. Eles estão lá para representar os interesses da população e deve haver uma devida cobrança para que eles vejam sua real função, que é a de representar o povo. É uma maneira para mudar e chegar ao mais próximo da questão ideal proposta pela constituição de 88.

G. G. – Retomando a democracia ateniense, tem-se que ela é participativa, mas para os cidadãos. Entretanto, o conceito de cidadão na época era diferente do conceito que temos hoje. Nessa delimitação do “ser cidadão”, tem-se uma delimitação em relação a quem pode participar socialmente em determinado local. No Brasil, o conceito é mais abrangente. Então, como definir democracia naquela época e democracia atualmente, levando em conta o conceito de cidadão?

L. F. T. – Eu acho que, de modo geral, a maneira de classificar democracia não é tão diferente atualmente em relação à antiguidade. A diferença consiste em algumas características internas do que é chamado democracia. Por exemplo, os atenienses no período clássico tem uma democracia para o cidadão. Aqui, temos a mesma coisa. O que são cidadãos é onde aparece a diferença. O modo como os votos são dados nas instâncias mudou, mas ainda se têm decisões e instâncias maiores ou menores de poder. O que existe muito na academia é a tentativa de compreender que existem diversos tipos de democracia. Mas, se eu for sugerir uma possível maneira de tentar compreender e classificar o que é, ou como é a democracia, a gente tem que partir de como é a relação interna entre os cidadãos. Dependendo da relação entre os cidadãos, a gente vai chamar a democracia de mais representativa, menos representativa, mais ampla. Então, eu chamaria o que temos atualmente de democracia, mas uma democracia com suas particularidades, por exemplo, partidária e representativa, exatamente o contrário de Atenas. Ambas são democracias.

A lembrança e a percepção de que sempre há diferentes formas de se avaliar uma mesma coisa é essencial para qualquer relação interpessoal. E toda a organização política não pode prescindir das relações interpessoais. Por mais que a gente queira que uma democracia consiga servir para um país, o mesmo é feito de pessoas. Não há democracia, ou sistema político, social, que funciona ou que falha. As pessoas fazem o sistema. É possível se viver em diferentes sistemas, desde que as relações interpessoais sejam válidas e aceitas entre as pessoas. É com a relação do indivíduo, que tem particularidades e singularidades, com as demais pessoas que se pode construir algum tipo de sociedade. Então, mesmo que se queira um tipo específico de democracia, de política democrática, é sempre bom pensar nessa relação interpessoal que existe independente do sistema político que nos encontramos.

Fotos: Ítalo Padilha.

Repórter: Guilherme Gabbi – Acadêmico de Jornalismo.

Edição: Lucas Durr Missau.

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