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Aprender não tem idade: inclusão etária no ensino superior da UFSM

Marilene vai cursar Artes Cênicas aos 56 e Neiva se tornou professora universitária depois dos 45: elas mostram que idade não é empecilho



No último mês, circulou pelas redes sociais um vídeo em que três estudantes de uma universidade particular de Bauru, em São Paulo, debocham de outra estudante por ela ter 40 anos. Esse vídeo fomentou o debate sobre o etarismo no ensino superior. Etarismo é o preconceito por idade. Acontece quando pessoas são consideradas incapazes ou incompetentes para realizar determinada atividade apenas por serem mais velhas. 

No Brasil, o último Censo da Educação Superior, realizado pelo Ministério da Educação, mostrou que, em 2021, quase 600 mil pessoas nessa faixa etária estavam matriculadas no ensino superior. Em 2022, havia 1.416 alunos com mais de 40 anos matriculados em cursos de graduação na UFSM, em diferentes campi e áreas de ensino. Abaixo, a relação entre as vagas e os cursos:

No primeiro semestre de 2023, esse número subiu para 1.774 – um aumento de 358 alunos acima de 40 anos. Com esses dados, é importante inseri-los em um panorama mais amplo. Na Universidade, 26.064 estudantes têm vínculo ativo na graduação, de acordo com dados do portal “UFSM em Números”. Desse modo, o número de alunos com mais de 40 anos corresponde a, aproximadamente, 6,80% do total. Além disso, vale pontuar a alta procura por cursos noturnos e de educação a distância. No caso do curso de Direito, por exemplo, em 2022, 24 alunos acima de 40 anos estavam matriculados no noturno, enquanto o número de estudantes matriculados no diurno era de somente cinco. 

Nos cursos a distância, a principal procura foi pelas licenciaturas. Destaca-se a busca pelas licenciaturas em Pedagogia, Educação Especial, Educação do Campo e Ciências da Religião. O aluno mais velho matriculado em um curso de graduação tem 81 anos de idade e cursa licenciatura em Educação do Campo, modalidade a distância, em São Sepé.

foto colorida vertical, selfie feita por uma mulher de óculos, cabelo um pouco grisalho e um pouco roxo, e ao fundo 4 colegas, 3 meninas e um menino, sorriem para a câmera. Alguns, incluindo a mulher que fez a selfie, fazem sinais amistosos com os dedos
Marilene, à frente, e colegas do curso de Artes Cênicas

Histórias que inspiram

Na UFSM, várias histórias provam que não existe idade ideal para estudar. Marilene Moura Pieretti tem 56 anos e ingressou no curso de Artes Cênicas da UFSM neste ano. A história da estudante é atravessada por fatores que a fizeram voltar a estudar depois de mais velha, principalmente a influência da filha, também graduanda da Universidade, que a apoiou a tomar essa decisão. Mas o caminho não foi simples. 

Marilene cresceu em diferentes cidades, em uma família que se mudava constantemente. Ela sempre teve uma veia artística, sempre gostou de pintar, desenhar, e inclusive fez um curso de desenho publicitário. Terminou o Ensino Médio por meio do Encceja e passou a se dedicar, quase que exclusivamente, ao papel de mãe, esposa e cuidadora do lar. “Aquele sonho ficou para trás por necessidades de sobrevivência, eu tive que trabalhar em São Paulo, esquecer o que eu queria. Nessa época eu virei mãe solteira e optei por me dedicar exclusivamente a criar minha filha e trabalhar para pagar aluguel e essas coisas. Isso com 27 anos”, relembra. A filha cresceu. Anos mais tarde, Giovana passou no vestibular e se mudou para o sul do país para estudar na UFSM. 

Nesse período, Marilene também acompanhou o câncer do marido, que acabou falecendo. Depois de aposentada por tempo de serviço, ela decidiu ficar perto da filha e, também por indicação de Giovana, conheceu o Práxis, cursinho pré-vestibular de Santa Maria que oferece aulas preparatórias gratuitas para pessoas com renda mensal igual ou inferior a um salário mínimo e meio. Também frequentava a Escola Municipal de Artes Eduardo Trevisan (Emaet), mantida pela Prefeitura. Marilene estudou, não abandonou o amor pela arte, e ingressou na Universidade em 2023. 

“Acabou despertando aquilo tudo dentro de mim, todas as memórias. Aquela mocinha lá de anos atrás que foi embora para São Paulo, procurando trabalho para sair da pobreza, e com sonho de ir para a faculdade mas nunca conseguiu. Ela está tendo uma oportunidade aqui”, diz Marilene. Emocionada, ela também lembra de um dos dias mais marcantes de sua trajetória, quando soube que foi aprovada: “Meu nome estava na lista de espera, não sabia se ia ser chamada ou não. Minha filha foi muito importante, ela disse que não ia deixar eu desistir. Aquilo me deu uma força muito grande. E aí quando ela falou ‘mãe parabéns, você é nova universitária de Artes Cênicas’, eu ajoelhei no chão, eu comecei a agradecer e a chorar”, conta.

foto colorida horizontal com cinco pessoas sentadas ao redor de uma mesa redonda. Eles olham para a câmera e sorriem. Ao centro, uma senhora de cabelos crespos grisalhos, óculos, apoia o queixo na mão
Neiva, ao centro, e integrantes de grupo de estudo do curso de Letras

Alunos mais velhos se tornam um aprendizado a mais para as turmas”

Outra história que mostra o poder emancipador da educação é a de Neiva Maria Mallmann Graziadei, 68 anos. Atualmente, Neiva é professora titular do Departamento de Letras Estrangeiras e Modernas da UFSM, com ênfase em Língua Espanhola e suas Literaturas. Neiva tinha 38 anos quando, em 1993, andava numa rua do centro de Santa Maria e se deparou com um cartaz que informava sobre as inscrições para o vestibular de Espanhol da Universidade. Buscando uma forma de conseguir sua emancipação financeira, ela decidiu se preparar para o vestibular, sendo aprovada para a primeira turma de Espanhol da UFSM. 

Neiva passou pelo processo de graduação também acompanhada pelos filhos, em uma troca de experiências e vivências. Acabou se apaixonando pelo curso e não parou mais de aprender, nem de ensinar. “Eu já estava trabalhando adoidada, fazia tradução no fim de semana, dava aula em cursinho pré-vestibular, dava aula em cursinho de língua, não parava”, relembra a professora. 

Sua primeira experiência na docência foi na UFSM. No período em que estava concluindo o mestrado, Neiva foi contratada como professora substituta na Universidade, para onde voltaria alguns anos – e 10 universidades depois. “Eu vivi minha vida dentro de ônibus, indo pra lá e pra cá. Disse ‘sim’ para as oportunidades que apareceram pelo caminho e aprendi muito por cada lugar que passei”, conta. 

Tanto Neiva quanto Marilene contam que não enfrentaram preconceitos em relação à idade na graduação. Marilene relata que foi muito bem recebida pelos colegas de turma, que a ajudaram na adaptação, principalmente com questões relacionadas à tecnologia: “Meus colegas, bem mais jovens, já estão me apoiando em algumas coisas. Me ajudaram na adaptação com a universidade e também com o portal estudantil e o Moodle”, conta. 

Neiva traz em seu relato também a experiência de já ter ministrado aulas em diversas turmas com pessoas mais velhas: “Quando eu estava na graduação não passei por nenhum caso desses. Anos mais tarde acabei dando aula para diversas turmas com alunos já mais velhos, e eles sempre se tornavam um aprendizado a mais para as turmas, tinham várias experiências para complementar, vivências mesmo”, relembra. 

A professora enfatiza como a troca de aprendizados é significativa: “Em uma sala de aula, não se aprende apenas conceitos, regras e normas, você aprende sobre a vida, sobre o outro. Imagina aprender isso com quem já sabe tanto sobre a vida, tem tanta história para contar”, destaca.

Marilene também usa de sua história para falar sobre o afeto com o outro: “Eu envelheci, mas meus sonhos não. As pessoas podem realizar seus sonhos, não tem idade para isso”, diz.

O episódio de etarismo ocorrido em Bauru reforça que a temática deve ser trabalhada em espaços como a universidade. Houve uma intensa repercussão do caso, que levou os ministros da Educação e dos Direitos Humanos, Camilo Santana e Silvio Almeida, respectivamente, a se pronunciarem sobre o ocorrido. Ambos os ministros rechaçaram o episódio e reforçaram a mensagem de que a educação é um direito de todos e todas, independente da idade. A aluna que sofreu os ataques recebeu apoio nas redes sociais e também foi contemplada com uma bolsa para estudar inglês no Reino Unido.

Texto: MiIene Eichelberger, acadêmica de Jornalismo, bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Arquivo pessoal
Edição: Ricardo Bonfanti, jornalista

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