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Solidariedade na reconstrução: relembre as ações de extensão UFSM durante as enchentes de 2024

As ações foram realizadas em diferentes campi da universidade, por alunos, professores e técnicos de diversos cursos



Em maio de 2024 o Rio Grande do Sul passou pela maior crise climática da sua história, com 96% do território atingido, 2,3 milhões de pessoas afetadas, 183 óbitos e prejuízos estimados entre R$ 88 bilhões e R$ 97 bilhões no ano. Entre os fatores que contribuíram para um evento de tal magnitude, estavam fenômenos meteorológicos, níveis de chuva equivalentes a vários meses que caíram durante poucos dias em todo o estado e a ação humana.

Um estudo realizado por 13 cientistas da Atribuição Climática Global (World Weather Attribution, em inglês) mostra que as mudanças climáticas dobraram a possibilidade de chuvas extremas no sul do Brasil. Essas fazem com que as enchentes de maio não se encaixem na definição de crise ambiental, mas sim como um desastre socioambiental.

Por meio das ações de extensão, a UFSM apostou na ação humana para atender às necessidades das populações atingidas por meio do trabalho de bolsistas e voluntários e em seus saberes multidisciplinares para auxiliar a reconstrução dessas comunidades nas mais diversas frentes. Foram mais de R$ 200 mil investidos, centenas de bolsistas e milhares de voluntários que auxiliaram nas ações durante e após o período de emergência climática.

Localizado em Restinga Seca, o Rincão dos Martimianos foi uma das comunidades quilombolas mais atingidas pelas inundações na região

O projeto Território Imembuy, concebido para ser uma ferramenta voltada para o desenvolvimento regional, se transformou em uma ponte entre a universidade e as comunidades afetadas pelos eventos climáticos extremos. A partir dele foram criados dois projetos: o “UFSM Solidária e Cidadã” e o “Reconstrução RS”.

O Programa UFSM Solidária e cidadã financiou 74 projetos de extensão voltados para ações de reconstrução da região central, incluindo Santa Maria e municípios vizinhos (como os dos geoparques Quarta Colônia e Caçapava do Sul), além de cidades do Vale do Rio Pardo. O programa contou com 121 bolsistas e teve um investimento de quase R$ 200 mil para atuação no período emergencial de três meses desde o começo das enchentes.

“Hoje a UFSM tem mais de 1.700 ações de extensão em curso, ativas. Muitas dessas ações foram redirecionadas para acolher as demandas advindas dessa calamidade pública climática que nós enfrentamos”, informa o pró-reitor de Extensão, Flavi Ferreira Lisboa Filho.

Chamada Humanitária e projetos apresentados ao governo do estado

Já o Reconstrução RS foi baseado no Projeto Rondon, iniciativa do Ministério da Defesa que promove a interação de estudantes universitários e comunidades carentes, onde eles realizam ações de extensão em diversas áreas com o objetivo de levar melhorias às populações atendidas. O programa foi uma chamada humanitária na qual a UFSM se colocou à disposição de todos os municípios do estado afetados pelos eventos climáticos extremos que solicitassem sua ajuda para o planejamento de reconstrução.

O pró-reitor de Extensão acompanhou a primeira viagem do projeto a Sinimbu, na região do Vale do Rio Pardo. Apesar de não ser uma região comumente abrangida por projetos de extensão da UFSM, a chamada humanitária atendeu ao apelo da comunidade e do poder público municipal.

A ideia inicial era que a comitiva da universidade permanecesse no município durante o período da ação humanitária. Mas, por conta da extensão dos danos causados pela crise climática, não era possível permanecer no município. “O município não possuía condições de hospedagem e alimentação, então precisamos ir com um grupo menor do que o inicialmente planejado e fazer o deslocamento de ida e volta diariamente”, lembra o pró-reitor.

Apesar do entrave, a universidade levou estudantes de diversas áreas do conhecimento. Participaram estudantes das engenharias, que auxiliaram na realização de cálculos para recuperação e substituição da infraestrutura urbana e rodoviária, bem como estudantes do Centro de Educação, que realizaram ações de acolhimento com a comunidade escolar e trabalharam métodos alternativos de ensino.

Estudantes de Enfermagem e Serviço Social auxiliaram os servidores da Secretaria de Saúde e Assistência Social em ações de atendimento médico e cadastro em programas lançados pelos governos estadual e federal para as vítimas do desastre socioambiental.

Ao todo, a chamada humanitária da UFSM realizou 23 viagens. Os programas realizados durante o ano passado foram encerrados, mas as ações de extensão seguem nas regiões atingidas por meio do projeto Território Imembuy. Além disso, ações de extensão já existentes foram modificadas para atender às necessidades da emergência climática.

Solidariedade em todos os campi

As ações da UFSM não ficaram restritas apenas ao campus sede. Em Frederico Westphalen, professores, alunos e servidores, em parceria com empresas locais, organizaram kits de material escolar, brinquedos e livros de colorir para alunos dos anos iniciais. A comunidade acadêmica também trabalhou na produção de sabão em barra a partir do óleo de cozinha, em parceria com a empresa Reco Óleo, de Horizontina. Outra ação realizada no campus foi a produção de 6 mil bolachas, que foram enviadas para o município de Roca Sales, no Vale do Taquari, em parceria com o aplicativo Garupa. Em Palmeira das Missões, a comunidade acadêmica realizou mutirões voluntários de acolhimento das famílias, limpeza das ruas e residências, além de atendimento veterinário para animais.

No Campus de Cachoeira do Sul, foi realizado o SOS Cachoeira do Sul, iniciativa na qual alunos voluntários ofereceram serviços de limpeza e checagem de equipamentos eletrônicos que foram molhados durante a enchente. Cerca de 37 alunos participaram das ações, que também contaram com professores e servidores técnico-administrativos. Ao todo, 95 famílias foram atendidas, com a recuperação de 384 dos 478 equipamentos recebidos. A Defesa Civil e a Vigilância Sanitária de Cachoeira do Sul também foram beneficiadas pela iniciativa.

O Fórum de Ações e Respostas a Desastres em Contexto de Mudanças Climáticas auxiliou na produção de protocolos para voluntariado, abrigamento, atenção a idosos, crianças e pessoas com deficiência

“Nós tivemos uma quantidade incrível de servidores técnico-administrativos em educação e docentes que estavam diretamente envolvidos, também como voluntários. Eu posso te afirmar que nós tivemos aí, acho que em torno de umas mil pessoas, pelo menos, diretamente envolvidas nesse trabalho”, aponta o pró-reitor.

Planejar para reagir melhor nos momentos de emergência

Nadianna Marques, docente do Colégio Politécnico, começou sua atuação durante as enchentes de forma voluntária, auxiliando na triagem e distribuição de doações nos locais onde as vítimas estavam abrigadas. Ao conversar com os responsáveis por coordenar os abrigos, Nadianna percebeu que as operações de auxílio às vítimas do desastre poderiam ser aperfeiçoadas por meio de um debate que reunisse os profissionais envolvidos nas diversas frentes do trabalho de assistência. Assim surgiu o Fórum de Ações e Respostas a Desastres em Contexto de Mudanças Climáticas. No mesmo período, a Prefeitura de Santa Maria deu início ao processo de atualização do Plano de Contingência municipal após a emergência climática, por meio do programa Santa Maria Cidade Resiliente.

O projeto de Nadianna conseguiu trazer as oficinas de formação do programa do poder público municipal para dentro da UFSM. Na sala de inovação do Colégio Politécnico eram debatidas as principais necessidades da população de Santa Maria e os maiores pontos de risco do município. O fórum criado pela professora auxiliou na produção de protocolos para voluntariado, abrigamento, atenção a idosos, crianças e pessoas com deficiência.

O fórum agiu como um espaço de articulação para que pesquisadores, profissionais da rede assistencial e representações governamentais pudessem participar da construção do Plano de Contingência, o que geralmente é feito apenas pela Defesa Civil. A cerimônia de entrega do plano pela Prefeitura Municipal ocorreu no auditório do Colégio Politécnico, em 29 de outubro de 2024.

No entanto, após a entrega do Plano de Contingência, o fórum sofreu com uma grande desmobilização dos seus integrantes, relata a professora. A iniciativa, segundo ela, só voltou a ser procurada após as chuvas ocorridas no início deste mês, um ano após o desastre socioambiental de 2024.

Nadianna destaca a capacidade de aprender com desastres e falhas do passado como um dos principais aspectos para salvar vidas no futuro. “Por mais que não possamos prever todas as consequências de um desastre, a história nos ajuda a entender o que é possível fazer enquanto gestão pública, universidade, sociedade civil, para evitar que populações sejam severamente afetadas em situações como essa.”

Saúde e cidadania nos quilombos e periferia

O Observatório dos Direitos Humanos (ODH) da UFSM realizou, em parceria com o Colégio Politécnico, visitas a comunidades quilombolas e periféricas do município de Restinga Seca para auxiliar suas populações no início do processo de reconstrução. O trabalho de extensão teve início na comunidade quilombola Rincão dos Martimianos. A comitiva realizou testes médicos, palestras educativas sobre saúde, orientações sobre auxílios e políticas públicas para a população quilombola, o plantio de uma horta comunitária, oficina de culinária, entre outras atividades realizadas em julho de 2024.

A equipe foi composta por professores e estudantes do Colégio Politécnico e do Colégio Técnico Industrial de Santa Maria (Ctism), além de alunos dos cursos de graduação e pós-graduação das áreas de direito, economia, relações internacionais e serviço social. Alguns alunos presentes na comitiva cursavam a disciplina de Tópicos Transversais em Saúde e puderam colocar em prática alguns assuntos abordados em sala de aula, como saúde da população negra, saúde em comunidades quilombolas e saúde rural.

Na localidade, as principais consequências das enchentes foram a dificuldade de locomoção dos moradores para os seus trabalhos e o enfraquecimento do comércio local. Algumas empresas chegaram a fechar e moradores do Rincão dos Martimianos perderam seus empregos. O ODH também realizou ações na comunidade quilombola São Miguel dos Carvalhos, assim como na Vila Rosa, comunidade periférica de Restinga Seca.

“As comunidades quilombolas já estão em contexto de vulnerabilidade social, que inclui o racismo ambiental, porque pessoas negras geralmente habitam locais de maior insegurança ambiental e estrutural. Então, quando acontece uma calamidade como essa, o impacto nessas populações é maior”, pontua Victor de Carli Lopes, coordenador de Desenvolvimento Regional e Cidadania na Pró-Reitoria de Extensão (PRE).

Um “Dia de Campo” reuniu 20 famílias da Linha Boêmia, no interior de Agudo, para ajudar no processo de recuperação da atividade agrícola no município

Reconstrução nas propriedades rurais de Agudo

As águas que passaram por Agudo modificaram o relevo, com deslizamento de morros e erosão do solo, e também a hidrografia, com a remoção da mata ciliar e mudança de cursos da água. Nas partes mais baixas das localidades afetadas, o solo ficou coberto por areia e resíduos, no que anteriormente eram áreas destinadas predominantemente para o cultivo de arroz. Para auxiliar os produtores e a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater/RS) no processo de recuperação da atividade agrícola no município, foi criado o “Dia de Campo”, iniciativa coordenada pelo professor Vanderlei Thies, do departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural da UFSM.

O Dia de Campo reuniu 20 famílias da Linha Boêmia, interior de Agudo, para divulgar os resultados da análise de solo colhidas em suas propriedades e orientá-las no processo de recuperação de áreas degradadas, bem como na adaptação para o plantio e possibilidades de recuperação da mata ciliar. Participaram do Dia de Campo membros do Grupo de Estudos em Fertilidade e Química do Solo (Geferqs) e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Recuperação de Áreas Degradadas (Neprade), ambos vinculados ao Centro de Ciências Rurais (CCR).

As pesquisas também apontaram pontos nos quais podem ocorrer novos deslizamentos dentro das propriedades afetadas. Por meio das análises, foi possível encontrar longas rachaduras no solo, característica que antecede os deslizamentos em terrenos inclinados, também conhecidos como áreas de encosta.

O coordenador destaca a importância do Dia de Campo também como um momento de acolhimento e escuta com relação aos produtores rurais. O diálogo permitiu ver diretamente as marcas que a emergência climática deixou nas populações das regiões afetadas. “Esse não era o objetivo do nosso trabalho, mas quem trabalha com extensão universitária sempre está preocupado e atento com as condições emocionais com quem trabalhamos, especialmente em condições tão adversas”, analisa o professor.

Thies destaca a importância de se considerar o fator psicológico ao falar sobre a recuperação da atividade agrícola, porque só é possível retomar o nível de produtividade anterior se os produtores possuírem ânimo para investir na reconstrução de suas propriedades.

Reconstrução a partir de uma nova realidade

Entre os locais da região onde a UFSM atuou que mais sofreram com as enchentes, o pró-reitor cita o distrito de Vale Vêneto (em São João do Polêsine) e os municípios de Dona Francisca e Agudo. Nessas localidades, a comunidade rural foi quem mais sofreu com os efeitos da crise climática.

Em Dona Francisca, o retorno do Rio Jacuí ao seu leito levou consigo uma parte do solo, o que revelou artefatos de povos originários que podem ter vivido na região até 10 mil anos atrás. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) foi notificado, e o que antes era uma lavoura de arroz próxima ao Rio Jacuí se tornou um sítio arqueológico.

“Várias coisas vieram à tona a partir da modificação dos territórios. Falar sobre a reconstrução dessas localidades não significa voltar ao estado inicial, mas pensar em como avançar a partir desta nova realidade”, ressalta o pró-reitor.

Todos afetados, porém uns mais que outros

Em um país com dimensões continentais e desigualdades de mesmas proporções, fica fácil ver a diferença quando se fala no acesso a direitos entre diferentes camadas da população. O impacto desigual trazido por eventos climáticos extremos, no entanto, ainda é algo que precisa ser debatido.

A vulnerabilidade social em momentos como esse se reflete na moradia em locais mais propensos a sofrerem com desastres naturais, com acesso precário a recursos básicos e mais isolados dos perímetros urbanos, do Estado e da cidadania plena. São essas pessoas que, durante os momentos mais graves dos desastres recebem atenção da mídia e governos por terem perdido a moradia, ou por estarem em casa sem água nem alimentos. São populações que sofrem diariamente com vulnerabilidades que atravessam e dificultam suas vidas, mas aparentemente só chamam atenção quando têm sua sobrevivência ameaçada.

“As desigualdades só são vistas durante a catástrofe. Mas elas já existiam antes e vão continuar existindo depois disso. O que parece é que fora desse contexto elas são invisíveis porque não estão no discurso da mídia, do poder público, ou da maioria das pessoas. Depois que o estado de calamidade passou, as desigualdades acabaram ou apenas deixaram de ser faladas? Com essa invisibilização, fica difícil gerar uma mobilização para que ações de justiça social emancipem essas populações, que é o objetivo do trabalho de extensão”, enfatiza Flavi.

Essa desmobilização não acontece só no discurso midiático ou nas conversas do dia a dia. “Lamentavelmente, muitos estudos e levantamentos que são feitos pela universidade depois são encaminhados para o poder público, para a Defesa Civil, para o governo do estado e não são aplicados”, destaca o pró-reitor.

Em julho do ano passado, a UFSM apresentou nove projetos para o Plano Rio Grande, programa do governo estadual voltado para reconstrução, adaptação e resiliência climática do Rio Grande do Sul. Segundo ele, não houve retorno sobre nenhum dos projetos quase um ano após a reunião ocorrida na Câmara de Vereadores de Restinga Seca.

Texto: Bernardo Silva, estudante de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias

Fotos: arquivo da PRE

Edição: Lucas Casali

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