Conscientizar sobre o impacto das mudanças climáticas é o objetivo do projeto da UFSM MEMORAR QC – Memorial das Águas e Resiliência Climática da Quarta Colônia. A proposta envolve ações educativas voltadas à construção de uma cultura de resiliência climática no território da Quarta Colônia, por meio de estratégias que aproximem ciência e comunidade.
O projeto surge em um contexto marcado por eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes. Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul enfrentou uma das maiores catástrofes climáticas de sua história, com fortes chuvas que atingiram duramente a região central do estado, incluindo os municípios da Quarta Colônia. A repetição desses eventos mostra que é necessário engajar a população na compreensão dos desastres e na construção de novas relações com o território e o meio ambiente.
“O conhecimento é a base do processo de adaptação climática”
Nas escolas municipais da Quarta Colônia, especialmente com estudantes do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental, o projeto Memorar QC vem desenvolvendo oficinas que abordam temas como sustentabilidade e mudanças climáticas. As atividades ocorrem no contraturno escolar e incluem jogos, conversas e brincadeiras que despertam o interesse dos alunos e facilitam a compreensão dos conteúdos. A ideia é incentivar o protagonismo juvenil e engajar os estudantes como agentes transformadores em suas comunidades. O projeto também realiza ações voltadas aos adultos da região, que vão de conversas informais a palestras, promovendo diálogo e conscientização sobre os desafios climáticos.

Para o coordenador do projeto, professor Adriano Figueiró, do Departamento de Geografia da UFSM, o conhecimento pode transformar a relação que os moradores têm com o lugar: “O conhecimento é a base do processo de adaptação climática. Se as pessoas não compreendem a dinâmica da natureza, não têm como se preparar para ela — e, portanto, não têm como se adaptar. É a partir das informações que as pessoas poderão entender como se preparar melhor para reduzir prejuízos e riscos à vida numa próxima ocorrência climática”.
O professor Adriano defende que o protagonismo comunitário é essencial quando se trata de enfrentar os desafios climáticos nos territórios rurais. Para ele, não é possível depender exclusivamente do poder público para resolver os problemas causados por eventos extremos. Diante disso, ele propõe uma reflexão prática: o que cada morador pode fazer para melhorar as condições ambientais e construir um futuro mais seguro? A resposta, segundo o pesquisador, passa por ações simples, mas fundamentais, como proteger nascentes dos rios, recompor matas ciliares, identificar áreas de risco nas propriedades e realizar pequenas intervenções nas propriedades para conter processos erosivos. Essas atitudes exigem, antes de tudo, que as pessoas compreendam a lógica do território em que vivem. “Estamos falando de uma região profundamente rural, formada por pequenas propriedades. Quando o conhecimento é apropriado pela comunidade, ele pode gerar transformações concretas duradouras”, afirma.
Pedimos ao professor Adriano Figueiró que ele elencasse as noções fundamentais que vêm sendo trabalhados nas atividades oferecidas pelo Memorar QC na Quarta Colônia. A seguir, apresentamos 7 conceitos sobre desastres climáticos que ajudam a entender o território, a se preparar para eventos extremos e a atuar na construção de comunidades mais resilientes e sustentáveis.
1. Resiliência
É o conceito central do projeto. Resiliência, segundo o professor, refere-se à capacidade que as pessoas, comunidades e também os ecossistemas têm de se reorganizar e retomar a vida após eventos extremos, como enchentes, com o menor impacto possível. Essa resiliência não é apenas física, mas também social e comunitária. Diante da intensificação de crises ambientais e mudanças climáticas, a frequência e intensidade desses eventos extremos tende a aumentar, tornando essencial essa capacidade de resposta e adaptação.
Além disso, o professor destaca que não apenas os seres humanos precisam ser resilientes, mas também os rios e a natureza como um todo. Com o acúmulo de sedimentos (solo, areia, pedras) no leito dos rios, a capacidade desses ecossistemas de absorver novas cheias diminui, tornando-os menos resilientes a eventos futuros.
2. Adaptação Climática
Está diretamente relacionada à resiliência. Envolve repensar práticas e estruturas do território para reduzir os danos provocados por futuros eventos extremos. A adaptação passa, portanto, por ações concretas no uso e ocupação do solo, conservação de áreas naturais e reestruturação de formas de manejo da terra, considerando os efeitos das mudanças climáticas.
3. Área de Proteção Ambiental
Essas áreas têm papel crucial na absorção da água da chuva. Quando bem conservadas, permitem que a água infiltre no solo, abastecendo os lençóis freáticos e liberando-a de forma gradativa para os rios, o que evita tanto a seca quanto enchentes. Quando há perda dessas áreas — em especial por conta da expansão agrícola — a água escorre rapidamente para os rios, sem ser absorvida, causando inundações.
O professor aponta que a falta de vegetação e o uso indevido dessas áreas são um dos principais motivos pelos quais as bacias hidrográficas da Quarta Colônia estão perdendo sua capacidade de resposta às chuvas intensas.

4. Matas Galerias (ou Ciliares)
São matas que acompanham os cursos dos rios, formando uma faixa de proteção natural nas margens. Pela legislação, devem ser preservadas. Essas matas funcionam como uma barreira que reduz o escoamento de sedimentos e evita o desbarrancamento dos rios. Quando bem conservadas, fazem com que a água da chuva entre no rio sem carregar grande quantidade de terra.
Sem essa vegetação, a água escoa diretamente para os rios carregando o solo, provocando erosão e contribuindo para o assoreamento. Em muitas áreas da Quarta Colônia, essas matas estão sendo substituídas por lavouras — de arroz nas áreas mais baixas e de soja nas mais altas — o que compromete a proteção dos rios.
5. Cabeceiras de Drenagem
São as partes mais altas de uma bacia hidrográfica, onde os rios nascem. Nessas regiões, a presença de vegetação é essencial para permitir que a água infiltre no solo e abasteça os aquíferos subterrâneos. Se essas áreas estiverem desmatadas ou ocupadas por lavouras, a água da chuva não infiltra — ela escoa com força, erodindo o solo e carregando-o para os rios. Como essas áreas têm declive acentuado, o poder erosivo é ainda maior, contribuindo significativamente para o assoreamento dos cursos d’água.
6. Assoreamento
É o acúmulo de sedimentos (como solo, areia e pedras) no leito dos rios. Esse processo ocorre principalmente quando a água da chuva escoa por áreas desmatadas, levando o solo com ela. Ao chegar no rio, esses materiais se depositam, diminuindo o volume útil da calha fluvial. O rio, então, tem menos capacidade de conter novas águas em eventos de chuva intensa, transbordando com maior facilidade e provocando inundações. O assoreamento é, portanto, um dos principais fatores que reduzem a resiliência dos rios.
7. Sedimentos
São os materiais sólidos que a água carrega ao escoar sobre o solo, como terra, areia e pedras, especialmente em terrenos inclinados. Nos eventos extremos recentes da Quarta Colônia, o professor destaca que até grandes blocos rochosos foram transportados. Esses sedimentos são responsáveis por entupir os leitos dos rios (assoreamento), agravando os impactos das enchentes.
O projeto MEMORAR QC – Memorial das Águas e Resiliência Climática da Quarta Colônia foi selecionado pelo edital PROEXT-PG UFSM Além do Arco. É uma iniciativa do Programa de Pós-Graduação em Geografia, com apoio dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação, em Patrimônio Cultural e em Arquitetura, Urbanismo e Paisagismo.
Reportagem: Luciane Treulieb, jornalista
Ilustração: Evandro Bertol, designer