
O documentário “Quando a gente menina cresce”, dirigido pela jornalista, produtora audiovisual e coordenadora da TV OVO Neli Mombelli, foi o vencedor do Kikito de melhor longa-metragem gaúcho no 53º Festival de Cinema de Gramado. O documentário acompanha seis alunas de 9 a 12 anos da Escola Municipal de Ensino Fundamental (Emef) Professor Sérgio Lopes, de Santa Maria, no processo de crescimento e chegada da primeira menstruação. Conta com cenas filmadas no Jardim Botânico da UFSM em colaboração com o curso de Dança-Licenciatura.
“Quando a gente menina cresce” é o primeiro longa-metragem produzido pela TV OVO, e foi selecionado para a iniciativa Mostra Sedac/Iecine de longas gaúchos, parceria do evento com a Secretaria de Estado da Cultura (Sedac), por meio do Instituto Estadual de Cinema (Iecine).
As filmagens aconteceram durante um ano, em 2023, e por conta da temática o filme foi desenvolvido por uma equipe majoritariamente feminina, incluindo direção, roteiro, produção executiva, e execução de som e fotografia. O documentário teve financiamento do Pró-Cultura RS, e apoio institucional da Secretaria de Município de Cultura e da Santa Maria Film Commission.
O longa registra o cotidiano de seis meninas durante um ano letivo, filmado sempre na escola onde estudam, e tendo como temática principal a primeira menstruação. “Quando começamos o filme, nenhuma delas tinha menstruado ainda. Por isso trabalha muito com essa expectativa: o que elas entendem de menstruação, o que elas imaginam ou esperam que vai ser, e também o que elas aprendem na família, se isso é conversado ou não”, explica Neli.
A diretora comenta que o documentário apresenta uma linguagem híbrida, incorporando a parte documental com observação documental, entrevistas com as meninas, animação e a videodança. Porém, originalmente, as entrevistas não seriam o foco principal do filme. Neli conta que elas acabaram ganhando força quando percebeu que as meninas se expressavam muito bem e eram muito espontâneas.
A animação foi pensada como uma solução para mostrar questões que não poderiam ser captadas com imagens. De forma similar, a videodança foi incluída para ilustrar as mudanças e sentimentos da menstruação. “A ideia era mostrar movimentos mais internos do corpo, essa luta que se trava, de certa forma, no ciclo menstrual. E está conectada com outro conceito, que é de imagens da natureza, que usamos bastante no filme. Para aproximar a ideia do ciclo menstrual com os ciclos da natureza, e do ciclo natural da vida”, comenta Neli.
Incorporação da dança no documentário
Em “Quando a gente menina cresce”, as cenas de dança são utilizadas como metáforas para as mensagens abordadas no longa, e para explicar os sentimentos das meninas com um apoio visual. Para isso, a diretora procurou Odailso Berté, professor, coreógrafo e coordenador do Laboratório Investigativo de Criações Contemporâneas em Dança (LICCDA) da UFSM. A ideia inicial era uma cena final de dança com as alunas do LICCDA.
Assim, a pedagoga e bailarina Mônica Corrêa de Borba Barboza, que também faz parte do LICCDA, acabou responsável por coordenar as cenas de dança do filme. “Muito sensivelmente, ao conhecer a proposta do filme, o Oda percebeu que seria muito mais potente uma direção feminina para tratar de um tema feminino. E ele passou a direção desse trabalho para mim. Eu dirigi coreograficamente o trabalho artístico que está no audiovisual, e também fiquei responsável por formar um elenco para esse filme”, conta Mônica.

O elenco de seis dançarinas é formado por duas egressas do curso de Dança-Licenciatura que participam do grupo de pesquisa “NÓS! Grupo de Estudos e Pesquisas em Formação de Professores(as) de Dança”, liderado por Mônica, e quatro discentes do curso de graduação em Dança-Licenciatura.
Mônica explica que as bailarinas foram escolhidas de forma a se assemelharem com as seis meninas que protagonizam o documentário, e que cada bailarina ficou responsável por uma menina. “Cada uma delas observava uma das meninas, nos vídeos que a gente tinha. E as bailarinas analisaram a corporeidade, captaram movimentos das próprias crianças, ressignificaram nos seus próprios corpos, trazendo as suas movimentações de infância junto, para construir pequenos solos individuais”, comenta.
A cena com a performance foi filmada no Jardim Botânico da UFSM. A ideia de Neli era que a cena fosse gravada em um ambiente natural. A escolha também reflete o dia a dia das meninas na escola, e acabou influenciando a construção da coreografia.
“Nós víamos que elas gostavam muito de se pendurar e brincar nas árvores. E fizemos muito essa relação, dessas brincadeiras das crianças nas árvores com a locação, e criamos a metáfora de que as bailarinas adultas são essas meninas no seu próximo momento de vida, na juventude. Como se as bailarinas olhassem para si mesmas enquanto meninas, lá na sua primeira menstruação”, explica Mônica.
Oficinas de dança na escola
Além da participação das bailarinas, Mônica também sugeriu que as próprias meninas aparecessem dançando. A partir da ideia, foram criadas oficinas semanais de aulas de dança contemporânea, que aconteciam nas sextas-feiras na escola das alunas. As aulas ocorreram de maio a setembro de 2023, e eram ministradas pela professora e por uma das bailarinas e acadêmica do curso de Dança-Licenciatura, Lauren Diel.
Lauren complementa que as oficinas tinham uma proposta autobiográfica, para que as meninas pudessem, através da dança, se expressar. “Com isso, conectamos com as criações que faríamos enquanto elenco adulto, que foram criadas também a partir disso que vivemos ao longo do ano com as meninas. Os próprios movimentos de dança que elas construíram ao longo das oficinas inspiraram o nosso repertório das cenas de dança do elenco adulto do filme”, comenta.
A acadêmica relata ainda que as bailarinas conheceram as meninas durante uma das últimas oficinas. “Nos aproximamos delas e pudemos conhecer, por meio da própria dança, quem eram essas personagens que iríamos dançar. E gerando algumas identificações das meninas com algumas colegas do elenco adulto, e vice-versa”, diz.
Conexões por meio da dança
No documentário dirigido por Neli, a dança é mais que uma cena bonita para admirar: carrega diversos significados, tanto para as meninas quanto para a equipe do curso de Dança-Licenciatura. A experiência, de acordo com Mônica, foi um “lindo processo”, que envolveu educadores e alunos. “Para mim, como professora, e formadora de professores também, foi uma experiência muito rica. Nos proporcionou uma reflexão sobre o papel da dança, sobre como ela pode ajudar nesse processo de desenvolvimento, de compreensão de si mesmo, de construção da identidade, de pertencimento”, comenta.
Lauren destaca que acompanhar o desenvolvimento das meninas foi essencial para sua própria formação. “Poder acompanhar elas se descobrindo em movimento, se soltando e se expressando, foi muito emocionante. E um diferencial foi elas serem protagonistas das próprias narrativas, que depois nós transformamos também em repertório. Acredito que tornou a experiência ainda mais emocionante e significativa para todas nós”.
Além de levar a dança contemporânea para as meninas, o filme também representa a temática da menstruação de forma artística. Segundo Lauren, as bailarinas do elenco adulto puderam expressar suas próprias vivências por meio do documentário. “Somos ensinadas a esconder que menstruamos, quando estamos com cólica, nos dizem que somos instáveis se demonstramos estar mais extrovertidas ou mais introvertidas em diferentes momentos, o que na verdade é natural em um corpo que é cíclico. Refletir e viver artisticamente sobre isso foi, de certa forma, libertador”, afirma.
Na UFSM, existem projetos que objetivam levar a dança para a comunidade. É o caso do projeto de extensão “DiVerso: um programa de arte acessível”, que oferece atividades e oficinas com acessibilidade para pessoas com deficiência, e o projeto de pesquisa coordenado pela professora Mônica, o “Dança em todo canto (e com toda gente!), por meio do qual foram realizadas as oficinas com as meninas do documentário.
Texto: Giulia Maffi, estudante de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Divulgação
Edição: Ricardo Bonfanti, jornalista