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“O amor cura”: arte, identidade e afeto na aula inaugural de Steven Butterman

Pesquisador canadense apresenta na UFSM capítulo sobre o Queermuseu e reflete sobre sua trajetória acadêmica e afetiva com o Brasil, explorando arte, linguagem e os paradoxos da identidade LGBTQIAPN+



“Problematizando o Paraíso dos Paradoxos: Linguagens, Novas Mídias Sociais e Culturas Visuais no Brasil atual” é a terceira obra de Butterman.

O Centro de Ciências Sociais e Humanas (CCSH) promoveu o evento EntreMundos: expressões queer na arte e na cultura, entre os dias 4 e 7 de agosto, com o objetivo de fomentar o diálogo transdisciplinar em torno de questões relativas a gênero, sexualidade e racialização, por meio de trabalhos acadêmicos e manifestações artísticas. A iniciativa foi uma colaboração entre o curso de Filosofia; os Programas de Pós-Graduação em Artes Visuais (PPGART) e Filosofia (PPGFIL); o Grupo de Estudos em Filosofia Social e Opressão (GEFOP); o Grupo de Leituras Queer da UFSM; e o Laboratório de Estéticas e Epistemologias Descentradas das Artes (Leeda).

Dentro da programação, na noite de terça-feira (5), o professor Steven Butterman, da Universidade de Miami, ministrou a aula inaugural do segundo semestre letivo, com base em seu livro mais recente: Queering and Querying the Paradise of Paradox: LGBT Language, New Media, and Visual Cultures in Modern-Day Brazil (Problematizando o Paraíso dos Paradoxos: Linguagens, Novas Mídias Sociais e Culturas Visuais no Brasil atual). Na obra, Butterman investiga como diferentes linguagens — artísticas, cinematográficas e fotográficas — constroem e tensionam representações da identidade LGBTQIAPN+ no Brasil.

A aula foi mediada por Lu Immich, mestra em Filosofia, e Henry Silva, acadêmico do curso de Filosofia. Canadense e fluente em português, Butterman escolheu abordar especificamente o capítulo oito da obra, o qual traduziu como “Fazer Curadoria ou Cuiradoria?: Queernormatividade & Heterobrasilidade no Queermuseu”.

Antes da aula, a Agência de Notícias conversou com o professor para conhecer mais sobre sua trajetória, os caminhos que o levaram a pesquisar sobre o Brasil e as motivações por trás de seu trabalho.

Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira

O professor canadense confessa ter o capítulo oito como o seu favorito do livro.

Steven Fred Butterman é professor titular de Línguas e Literaturas Modernas e diretor de Estudos Luso-Afro-Brasileiros da Universidade de Miami. O professor publica amplamente nas áreas de gênero, cultura, imigração, literatura, teoria e estudos diaspóricos queer. Além de Problematizando o Paraíso dos Paradoxos, também é autor de Perversions on Parade: Brazilian Literature of Transgression and Postmodern Anti-Aesthetics in Glauco Mattoso (2005), em que analisa a produção cultural “marginal” sob a ditadura militar no Brasil; e de (In)visibilidade vigilante: Representações midiáticas da maior parada gay do planeta, obra que investiga a contradição entre a realização da maior parada do orgulho LGBTQIA+ do mundo e os altos índices de violência contra essa população no Brasil.

Segundo Butterman, o último livro foi escrito ao longo de quase uma década e publicado em 2021, durante a pandemia de Covid-19. “O livro foi muito influenciado pela pandemia. Boa parte dos capítulos escrevi como uma forma de lidar com uma grande perda: a morte dos meus pais durante a Covid. Lamentavelmente, perdi os dois em um curto período. O livro acabou se tornando, até certo ponto, uma espécie de terapia. Desabafo e terapia.”

A escolha de apresentar o capítulo oito na aula inaugural foi proposital. Segundo Butterman, esse é seu capítulo favorito. Nele, o autor analisa a exposição Queermuseu: Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, realizada inicialmente em Porto Alegre, em 2017, com curadoria de Gaudêncio Fidelis. A mostra reuniu 270 obras de 85 artistas, abordando temas como diversidade, gênero e identidade LGBTQIA+. A exposição foi cancelada após protestos e uma campanha organizada por grupos religiosos e pelo Movimento Brasil Livre (MBL), que acusaram a mostra de fazer apologia à pedofilia e à zoofilia.

Onze meses depois, a exposição foi remontada no Parque Lage, no Rio de Janeiro, viabilizada pela maior campanha de financiamento coletivo já realizada no país.  “Acabou sendo um crowdfunding, o maior crowdfunding na história do Brasil, até agora. […] O que eu estudei são especialmente as obras censuradas, porque eram mais de 100 obras que chamaram atenção por serem acusadas de blasfemia, até de bestialidade, de ideologia de gênero. Procurei estudar essas obras especificamente, para entender não somente o que a obra de arte estava querendo dizer, mas por que ofendeu tanto a sensibilidade religiosa, e o que a obra de arte quis transmitir sobre questões de racismo latente, homofobia, transfobia, na sociedade não somente brasileira, mas na sociedade ocidental, em vários sentidos”, relata Butterman.

Apesar do foco no Queermuseu, o livro aborda diversas temáticas. Entre elas, a cobertura jornalística da Parada Gay de São Paulo, o maior evento do tipo no mundo, e a complexidade de traduzir identidades de gênero no contexto brasileiro. “Por exemplo, em inglês, não tem como traduzir travesti. A gente tem transgênero, transsexual, até transformista, mas não existe uma categoria de travesti. Eu procurei tentar entender como é que seria o fato, por exemplo, que LGBTQ, nos Estados Unidos, no Brasil seria mais LGBTTT, porque vocês têm mais categorias. Procurei explicar não somente travesti no sentido de sex work, trabalhadora sexual, mas também de travesti como identidade, como uma categoria identificatória.” 

“O português virou o grande amor da minha vida”

Steven Butterman e os mediadores Lu Immich e Henry Silva

Ao ser questionado sobre o interesse pelo Brasil, respondeu: “Quando eu recebo essa pergunta, quase não sei responder. Eu não digo isso enigmaticamente, eu não sou Clarice Lispector. Até queria ser. Mas não tenho o talento clariciano.” Depois, disse que cursava estudos de literatura da América Latina e estudos latino-americanos, mas tudo hispanofalante – espanhol, literatura espanhola, literatura latino-americana. E, por perceber uma lacuna brasileira em seus estudos latino-americanos, foi atrás de aulas de português eletivas para hispanofalantes. “Até hoje, linguistas chamam isso de conversão, e eu fiquei literalmente convertido, quer dizer, do espanhol para o português. Eu volto para o espanhol também, mas o português virou o grande amor da minha vida”, confessa Steven Butterman.

A paixão pela sonoridade e musicalidade da língua despertou o interesse do professor pelo Brasil. Mas o país só se tornou objeto de pesquisa quando Butterman notou o paradoxo brasileiro “de tolerância e também de castigo”: “Eu estava começando a ver que artistas, principalmente músicos e músicas, receberam muito respeito, mesmo sendo lésbicas ou gays, ou bissexuais. Desde Cazuza, até Ney Matogrosso, Simone, Daniela Mercury, toda essa trajetória, aí eu fiquei confuso. Como é que existe uma grande tolerância de diferença? Como é que consegue censurar tanto e tolerar? E, e ao mesmo tempo, na política, existe uma grande intolerância. Então, essa ambiguidade chamou muito a minha atenção, despertou o meu interesse em aprofundar mais nos estudos do Brasil, que eu achei muito contraditório no sentido intelectual. Mexeu muito comigo, porque naquela altura eu também estava me assumindo como gay”.

Queer ou Cuir?

Tanto o título quanto o subtítulo do livro “Problematizando o Paraíso dos Paradoxos: Linguagens, Novas Mídias Sociais e Culturas Visuais no Brasil atual” não utilizam a palavra “queer”, e isso é proposital. O professor titular da Universidade de Miami se questiona sobre o uso do termo norte americano no contexto brasileiro. “Eu sempre fico com um pouco de receio, porque eu vejo a própria palavra queer, como uma imposição norte-americana, europeia, até pelo uso de inglês. Fiquei sempre me perguntando: será que cabe? Será que é imperialismo cultural mais uma vez?”, discorre Steven Butterman. 

Ainda dentro desta temática, Butterman discute o “yanquismo” brasileiro, o famoso complexo do vira-lata. “Valorizando demais objetos, pessoas, estudiosos, livros, tudo que vem de fora, ao mesmo tempo desvalorizando o que vem de dentro daqui. E isso chama muita atenção porque eu defendo o Brasil com a minha vida. Porque eu amo esse lugar e quando vejo, até com os meus alunos brasileiros, que foram radicados nos Estados Unidos, por exemplo, esse complexo, aí eu não aguento. Fico dizendo, ‘ó pessoal, você é mineira, você vem de uma cultura tão rica, de autores como Carlos Drummond de Andrade, Cecília Meirelles, os autores mais importantes do mundo, não somente do Brasil’”, destaca Butterman. 

Ele lembra com carinho da história da aluna Gabriela, brasileira que queria lutar capoeira em Miami e os pais não deixaram: “Ela teve que brigar com os pais para poder recuperar a sua própria ancestralidade brasileira. Eu achei isso tão triste, sabe? E ela conseguiu, virou uma capoeirista maravilhosa, grande estudiosa de literatura brasileira, mas essa briga que ela teve que encarar com os próprios pais que queriam fechar esse capítulo, de desvalorizar toda a sua existência no Brasil e não permitir a língua portuguesa em casa, chamou muito a minha atenção, morando em Miami. São tantos brasileiros radicados e existem tantas Gabrielas que estão rejeitando a sua própria cultura, a sua ancestralidade. Daí eu percebi que, ‘olha, quem sou eu’ para valorizar a cultura da Gabriela?’ Pô, é a Gabriela que tem que fazer isso. Mas ela estudou comigo, com outros professores, aí ela virou brasilófila também. Foi só essa recuperação da cultura original dela que foi rejeitada pelos próprios pais. Isso eu nunca esqueço. Isso aconteceu há 25 anos.”, finaliza.

Texto: Marina Brignol, estudante de jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Fotos: Paulo Barauna, estudante de desenho industrial e bolsista da Agência de Notícias
Edição: Mariana Henriques

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