
Amantes de quadrinhos do Brasil todo (e afora) se encontram para uma celebração e troca cultural na Bienal de Quadrinhos de Curitiba. Neste ano, o evento ocorreu de 4 a 7 de setembro, em cinco espaços diferentes da cidade: o Museu Oscar Niemeyer, o MuMA (Museu Municipal de Arte) Portão Cultural, a Gibiteca de Curitiba, o estúdio Riachuelo e o Cine Passeio.
As atividades incluíram exposições, palestras, lançamentos, oficinas, debates e uma feira de artistas, a Feira Muvuca, onde o público pôde ter contato direto com diversos quadrinistas. A curadoria de seis exposições teve a participação de Maria Clara Ramos Carneiro, docente do Centro de Artes e Letras (CAL) e coordenadora do Grupo de Pesquisa “Oficinas de escrita, histórias em quadrinhos e tradução: teoria da literatura e práticas literárias” da UFSM.
Divulgação e acessibilidade impulsionam o mercado de quadrinhos
Essa é a segunda vez que a docente participa da curadoria da Bienal de Quadrinhos, apesar de ter sido a primeira vez que esteve presencialmente no evento como curadora. Como voluntária, pesquisadora e convidada, participa desde 2016. Desde a última edição, em 2023, a curadoria é realizada pelo trio: Maria Clara, Mitie Taketani – fundadora da loja de quadrinhos Itiban Comic Shop, que existe há mais de 30 anos – e Dandara Palankof – jornalista, tradutora e editora de quadrinhos. A edição de 2025 recebeu cerca de 50 convidados nacionais e internacionais.
Neste ano, a temática era “Futuros Possíveis”, discutindo temas como a emergência climática, diversidade de gênero, fluxos migratórios, inteligência artificial e democracia, e a homenageada foi Cida Godoy, conhecida por quadrinhos de terror que escreveu entre 1960 e 1980, uma das primeiras mulheres a roteirizar quadrinhos no Brasil. “Dessa vez pensamos em uma roteirista que tinha parado há uns 30 anos de fazer quadrinhos, e na semana anterior ela mandou um conto novo para nós. É uma mulher de 80 anos, que já estava desligada deste mundo dos quadrinhos. O que nós vimos é essa redescoberta dessa artista, e ela se vê tão empolgada com isso de voltar a trabalhar e ter esse trabalho resgatado”, comenta a docente. Com a homenagem, a Bienal resgata nomes importantes dos quadrinhos e relembra suas histórias e seu pioneirismo para um público que talvez não tivesse esse conhecimento.
“Nas visitas guiadas à exposição ele falavam ‘não conhecia essa artista, vou procurar.’ Ou então ‘eu li esse quadrinho, mas não sabia quem era essa pessoa.’ O próprio editor que fez essa reedição dos quadrinhos dela contou que quando lia as histórias do Drácula não sabia que A. Godoy era uma mulher. Foi muito tempo depois que ela começou a assinar com seu nome completo. Então, essa redescoberta foi algo que me trouxe uma grande satisfação”, comenta Maria Clara.
Além disso, a Bienal reúne quadrinistas e leitores de diversos gêneros diferentes. A docente comenta que essa conexão e exposição que a Bienal promove é extremamente importante, tanto para o público que já é fã de quadrinhos, quanto para um público que não tem tanto contato com esse meio. “Nós conhecemos muito mais Turma da Mônica, tiras, mas temos uma produção muito grande de quadrinhos no Brasil, que é pouco conhecida mesmo nas escolas. Um patrimônio cultural que é pouco divulgado. Tem uma questão de entretenimento, mas são narrativas tocantes, interessantes e profundas sobre a realidade brasileira, que às vezes não se tem acesso ou não se conhece. Nesse sentido, um evento como esse tem um caráter de formador de leitura”, destaca.
A Bienal de Quadrinhos começou em 2011, e é um evento gratuito que conta com o apoio de instituições e editais públicos. Maria Clara explica que eventos como este e o Festival Internacional de Quadrinhos (que acontece em Belo Horizonte), gratuitos e em espaços públicos, são essenciais, pois impulsionam o mercado dos quadrinhos de forma acessível. “As escolas vêm participar, e os professores também começam a descobrir sobre esse meio, e assim vêm surgindo novos autores e mais leitores graças a esses eventos”, afirma.
Dentre as novidades da 8ª edição, a docente também destaca a residência artística entre artistas franceses e brasileiros, em parceria com o Instituto Francês, realizada na Gibiteca de Curitiba. A ação faz parte da Temporada França-Brasil, promovida pela celebração dos 200 anos de relações diplomáticas entre os dois países. Foi organizada pelo Instituto Guimarães Rosa e pelo Institut Français, em colaboração com a Embaixada do Brasil na França e a Embaixada da França no Brasil.
Grupo de pesquisa sobre quadrinhos na UFSM
Junto com Luísa Teixeira (doutoranda na Universidade Federal do Rio de Janeiro), Maria Clara também é líder do Grupo de Pesquisa “Oficinas de escrita, histórias em quadrinhos e tradução: teoria da literatura e práticas literárias”, que promove oficinas de escrita, pesquisa e tradução. Os participantes são alunos da UFSM e de fora da Universidade também, de diversas áreas. Do grupo participa ainda o marido de Maria Clara, Lielson Zeni, que também é roteirista de quadrinhos.
As oficinas de escrita acontecem às quintas-feiras, no prédio 16, e as inscrições podem ser feitas diretamente com a docente, via e-mail. Maria Clara comenta que a ideia para as oficinas é que elas aconteçam como jogos, em que cada aula há um desafio para os alunos escreverem. “Eles têm esses exercícios, por exemplo, escrever um texto sem uma determinada letra. Parece complicado, mas assim você solta muito mais a criatividade. Pelo desafio, você acaba escrevendo coisas que não esperava”, relata.
A docente explica que a ideia de ministrar as oficinas dessa forma teve inspiração de dois movimentos que estudou durante seu doutorado: o Oubapo e o Oulipo, que promovem o uso de estratégias lúdicas para a escrita de quadrinhos, limitando a escrita do texto a partir de alguma restrição, como de uma letra, por exemplo.
Por meio do grupo de pesquisa também foi promovido um evento em paralelo à Bienal: a 2ª Conferência de Pesquisa em e sobre Quadrinhos – Linhas Paralelas. A iniciativa é realizada pelo Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação (LabLeR) da UFSM junto a grupos de pesquisa da Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), onde o evento ocorreu, entre os dias 4 e 7 de setembro.
No final do mês, o grupo irá ofertar uma nova oficina: “Histórias em Quadrinhos: algumas propostas”, voltada para professores da educação básica e para a discussão do uso de quadrinhos em sala de aula. A carga horária é de seis horas, com certificado, e ocorrerá do dia 27 de setembro ao dia 4 de outubro, das 9h ao meio-dia, presencialmente.
Inscrições para as oficinas:
Contato da docente Maria Clara Carneiro: maria.c.carneiro@ufsm.br;
Instagram do Laboratório de Pesquisa e Ensino de Leitura e Redação: @linc_ufsm.
Texto: Giulia Maffi, acadêmica de Jornalismo e bolsista da Agência de Notícias
Foto: Divulgação
Edição: Ricardo Bonfanti