A produção de erva-mate começa a ganhar novos desdobramentos na região de Palmeira das Missões – município do noroeste do Rio Grande do Sul reconhecido como “berço da erva-mate” por uma lei estadual. O que antes era visto principalmente como atividade agrícola passou a ser entendido como oportunidade de desenvolvimento regional.
“A nossa região tem muita capacidade para o turismo”, afirma a professora Rosani Marisa Spanevello, do Departamento de Zootecnia e Ciências Biológicas da UFSM-PM. O projeto de extensão que ela coordena, chamado “Estratégias e Alternativas para o Desenvolvimento Regional Sustentável”, tem a proposta de transformar o ciclo da erva-mate (plantio, colheita, beneficiamento e usos culturais) em experiência para os visitantes. A iniciativa envolve uma rede formada pela Universidade, Secretaria de Cultura e Turismo de Palmeira das Missões, Emater e pela recém-criada Associação dos Ervateiros.
Diagnóstico no campo revela potencial

Durante o segundo semestre de 2025, professores e estudantes da UFSM percorreram as propriedades das seis famílias de produtores de erva-mate que aceitaram participar do projeto para conversar com os agricultores, observar áreas de cultivo e identificar vocações para o turismo de cada lugar.
Os relatórios desenvolvidos após as visitas apontaram potencial para caminhadas entre ervais, demonstrações de colheita, degustação de chimarrão e atividades relacionadas à memória da produção da erva-mate. Pretende-se valorizar a história local e abrir novas alternativas de renda.
Para alguns produtores, o processo já provocou mudanças na percepção sobre a própria terra. “Mudou o modo de enxergar nossa propriedade”, relata Vera Lucia Friderich da Cruz, da Ervateira Gurizinho. “Para nós, que trabalhamos aqui diariamente, é só o nosso trabalho. A UFSM e a Emater nos fizeram ver que existem muitas possibilidades.”
Ao longo do ano, a UFSM e a Emater ofereceram capacitações sobre temas como hospitalidade rural, turismo de natureza e organização da propriedade. A conversa com especialistas ajudou a romper a ideia de que o turismo dependeria de grandes investimentos e obras complexas. Para muitas propriedades, ajustes simples, como manejo do lixo, roçada das trilhas e placas de identificação, possibilitam a criação de atividades turísticas de baixo custo e alto valor cultural.
De acordo com a professora Rosani, a lógica é semelhante a qualquer outra atividade econômica: produzir morangos, ovos ou laranjas também exige investimento. No turismo, a diferença está em aproveitar o que a propriedade já oferece: o ambiente natural, as histórias da família e a relação com a erva-mate.
Primeiros roteiros começam a tomar forma
Com base nos diagnósticos, a equipe da UFSM está ajudando os produtores a imaginar diferentes usos turísticos para cada propriedade. Para isso, utiliza ferramentas de design e imagens criadas com apoio de inteligência artificial, simulando trilhas, mirantes, casas na árvore, balanços e outros elementos. Há propriedades com ervais sombreados por árvores centenárias e outras com vocação para gastronomia, que produzem bolos e sagus com erva-mate.
“O mais interessante é o ar puro, o sossego, a sombra boa e a paisagem linda”, descreve Vera, da ervateira Gurizinho. A expectativa é oferecer aos visitantes um ambiente de simplicidade, descanso e acolhimento. “A gente espera mostrar que existe um lugar de refúgio, onde tudo é simples, mas muito bonito — e, claro, espera ter retorno financeiro”, afirma.
Indicação geográfica: reconhecimento que pode fortalecer o setor
Outra frente do projeto é a discussão sobre a indicação geográfica (IG) da erva-mate produzida em Palmeira das Missões. Concedida pelo INPI, a IG funciona como um selo de origem que certifica características únicas do produto — sabor, cor, qualidade e história associadas ao território.
Para apresentar a ideia aos agricultores, foi realizada uma visita a Machadinho, cidade que já possui registro de IG de erva-mate. A comparação permitiu que os produtores visualizassem a potência local. “Eles perceberam, ao ver de perto, que Palmeira também têm muito potencial”, conta Rosani.
A professora recorre a um exemplo conhecido do público gaúcho para explicar o conceito: “O vinho pode ser produzido em vários lugares. Mas o vinho do Vale dos Vinhedos tem um sabor, uma cor, uma qualidade e uma história que são daquele território.”
Segundo ela, a erva-mate de Palmeira pode trilhar caminho semelhante, conquistando reconhecimento por atributos próprios. O processo, porém, exige articulação coletiva — por isso a Universidade tem apoiado os produtores na compreensão e preparação para uma futura candidatura.
Próximos passos
Com os diagnósticos concluídos e as primeiras capacitações realizadas, o próximo semestre será dedicado ao planejamento das atividades experimentais. A proposta é que, durante o Festival do Carijo, que vai ser realizado em maio de 2026, a Secretaria de Cultura e Turismo promova visitas-piloto às propriedades participantes. Será uma oportunidade para testar fluxos, observar a recepção dos primeiros grupos e ajustar a estrutura para roteiros futuros.
Até lá, as propriedades devem realizar os pequenos ajustes sugeridos nas devolutivas elaboradas pela UFSM. A expectativa é construir um circuito inicial que permita aos visitantes vivenciar o cultivo da erva-mate e compreender a importância desse patrimônio para o território.
Repórter: Luciane Treulieb
Imagens cedidas pelo projeto